2025-11-26

Ego

Enquanto posavam para as câmaras - Trump com o polegar no ar, Cristiano com aquele sorriso de quem acabou de marcar na própria mente - o mundo assistia fascinado a este encontro de titãs da autopromoção. Dois homens que nunca conheceram um espelho que não gostassem, unidos pela certeza inabalável de que são o centro do universo.

No fim, Trump ofereceu a Cristiano uma chave dourada da Casa Branca. CR7 retribuiu com uma camisola autografada da Seleção. Ambos fingiram que era exatamente o que sempre quiseram, quando na verdade queriam apenas mais atenção mediática.

E assim terminou este encontro histórico: com dois homens convencidos de que salvaram o mundo, quando na realidade apenas nos deram mais conteúdo para memes.

2025-11-23

Mercado de Natal


Cheguei ao Luxemburgo e o frio recebeu-me como quem reencontra um velho inimigo: braços abertos, estalidos nos ossos e um “bem-vindo” dito em corrente de ar. Saí do avião com aquela confiança portuense — “nah, eu aguento” — e em três segundos já estava a arrepender-me de todas as decisões que me trouxeram até aqui, incluindo ter confiado no meu casaco, que no Porto era de inverno e aqui é basicamente um lençol com mangas.

No Porto estava fresco; aqui é climatizado por pinguins. Cada passo na rua é um lembrete de que o meu nariz não foi desenhado para estas latitudes. Até a respiração parece que vem em modo gelado, tipo ar condicionado no máximo e sem autorização. E quando entras em qualquer lado, estás subitamente a jogar à macaca em cima da linha do equador.

Mas enfim — frio ou não, cheguei. Agora resta é descongelar lentamente e tentar convencer o meu corpo de que também sabe sobreviver fora do clima ameno de Portugal.

2025-11-20

Café

Acordei hoje com a chávena a chorar por dentro. Não era drama — era falta de café mesmo, essa desgraça líquida que, quando falta, põe a alma a chiar como porta velha. Fui à cozinha com a esperança de quem procura redenção num pacote de bolachas, mas a lata do café devolveu-me apenas um suspiro metálico, desses que anunciam o fim dos tempos ou pelo menos o fim da manhã.

E lá fiquei, a olhar para a cafeteira vazia como quem contempla um romance impossível. O mundo continuava, claro. Os pássaros chilreavam, os vizinhos discutiam por ninharias, o correio trazia contas — mas eu, sem café, era apenas uma cidadã diminuída, um ser em modo de rascunho.

Prometi a mim mesma que amanhã farei uma peregrinação ao supermercado, talvez até de mangas arregaçadas, como quem assume um destino épico. Porque ninguém merece enfrentar a realidade assim, sem grãos infusionados a emprestar coragem ao sangue.

Até lá, sobrevivo. Mas que se saiba: não é vida. É interlúdio

2025-11-18

MANUEL JOÃO VIEIRA E A PRESIDÊNCIA: UMA ODE AO ABSURDO NACIONAL

(ou como pôr bigode na República sem pedir licença)

Portugal acordou com a notícia de que Manuel João Vieira voltou a anunciar a sua candidatura a Presidente da República, o que confirma aquilo que todos já suspeitávamos: a democracia portuguesa está finalmente madura o suficiente para ser cuidada por um homem que sabe, com igual mestria, cantar o amor, fritar sinapses e empunhar um fato de lantejoulas com a mesma dignidade com que outros empunham a Constituição.

Os corredores do poder estremeceram. Em Belém, diz-se que o silêncio foi tão pesado que até as estátuas tossiram. No Parlamento, pelo contrário, vários deputados terão sido vistos a googlar “como se sobrevive a um Presidente que canta?”. Nada de novo: a classe política, perante a cultura, costuma experimentar pânico — sobretudo quando ela surge equipada com guitarra, bigode e convicção.

Vieira, entretanto, apresentou o que descreve como o seu “programa presidencial provisório, sujeito a improviso permanente”, que inclui medidas inovadoras como:

A criação de um Ministério da Sátira e da Autoironia, encarregado de verificar se os políticos sabem rir de si próprios (spoiler: não sabem).

A substituição temporária da tradicional mensagem de Ano Novo por um concerto de jazz-punk minimalista, para testar a resistência emocional da nação.

A obrigatoriedade de todos os candidatos a cargos públicos provarem que conseguem pintar um quadro abstrato sem que pareça um acidente cromático.

Nos cafés, há quem diga que isto de ter Manuel João Vieira como candidato é a prova definitiva de que Portugal é um país surrealista mesmo quando não quer ser. Outros afirmam que “entre o caos calculado e o tédio solene, venha o caos ao menos com música”. Há ainda quem não tenha percebido bem, mas esteja a favor só porque ouviu dizer que pode haver concertos gratuitos.

A verdade é que, numa República onde a política anda muitas vezes a caminhar com os sapatos trocados, Vieira surge como aquele amigo excêntrico que aparece de repente à porta com um bolo esquisito e diz: “Vamos animar isto”. E, sinceramente, já não era sem tempo.

Se ganhar? Ninguém sabe.
Se perder? Também ninguém perde nada.
Se animar? Ah, isso anima de certeza.

E talvez seja isso, afinal, que o país anda a pedir: um abanão no sistema, um acorde diferente, uma gargalhada que atravesse as paredes de mármore do Estado e as obrigue a vibrar.

2025-11-17

Chefes


Há três tipos de chefes que transformam o trabalho num território hostil: o incompetente, o omisso e o perigoso.

O incompetente abre crateras no caminho sem perceber que está a cavar. Sorri, confiante, enquanto enterra a equipa em decisões absurdas. É destruição por ignorância — a mais previsível e, paradoxalmente, a mais difícil de evitar.

O omisso não destrói; deixa apodrecer. Observa o caos de longe, quieto, como quem assiste a um incêndio e decide que é melhor não incomodar os bombeiros. Nada é tão devastador quanto a ausência de quem deveria responder.

E o perigoso… esse sabe o que faz. Alimenta-se do risco, empurra a equipa para o abismo e chama-lhe estratégia. A imprudência dele tem dentes.

Quando estes três coexistem - às vezes na mesma pessoa -, o ambiente não implode de imediato, vai-se desfazendo, devagar, como uma estrutura abandonada. Até que, um dia, a equipa percebe que não está a trabalhar: está a sobreviver.

2025-11-13

Cabelos brancos

Os cabelos grisalhos deixaram de ser sinal de descuido ou envelhecimento e tornaram-se símbolo de autenticidade. Cada fio prateado carrega histórias, experiências e a liberdade de ser quem se é — sem tintas, sem disfarces. No espelho, o reflexo ganha nova luz, um brilho próprio que vem da aceitação. Adotar os grisalhos é um acto de coragem, mas também de amor-próprio. É abraçar o tempo, não como inimigo, mas como parte do que nos torna únicos. Afinal, a beleza verdadeira não está na cor do cabelo e sim na confiança que o acompanha.

2025-11-12

Quem tem amigos não morre à míngua

Há quem diga que a amizade é coisa simples — um café, umas gargalhadas e uns apupos, uma mensagem fora de horas. Mentira. A amizade é engenharia fina, alquimia rara, pão quente saído do forno da vida.

Porque, convenhamos, viver é um desporto radical. E sem amigos, a queda é livre. Mas quem tem os seus pares por perto — mesmo que longe — nunca desaba de vez. Pode tropeçar, pode reclamar do mundo, pode até pensar em mudar de planeta, mas alguém há de aparecer com uma frase torta, um meme duvidoso ou um “bora?” salvador.

Amigo é o tipo de gente que entende o silêncio sem precisar de legendas. É aquele que não te deixa morrer à míngua nem quando o inventário de esperança está no fim da validade.

E não se trata só de dividir o último pedaço de pizza (embora isso conte pontos). É saber que há braços invisíveis a segurar a corda quando o coração escorrega.

Porque, no fundo, “quem tem amigos não morre à míngua” quer dizer isso mesmo: não há miséria possível quando se é rico de gente boa. E, cá entre nós, é esse o verdadeiro tesouro — um que não se guarda no banco, mas na alma.