2025-12-03

Viver com 3 gatas

Viver com gatas é uma aventura: começa sempre com um miado dramático, continua com uma patada certeira no ego e termina numa siesta cheia de pelo alheio. Elas têm a subtileza de um golpe de Estado felino — ocupam o sofá, o teclado e, quando menos esperamos, o nosso coração, que é o território mais fácil de conquistar. Entre noites interrompidas por corridas olímpicas e manhãs pontuadas por exigentes “miau-agora!-quero biscoitos”, resta-nos aceitar a verdade universal: nós não temos gatas; elas é que têm os humanos em regime de dedicação exclusiva.

2025-12-02

O Livro das Profecias Televisivas

Capítulo I – A Visão dos Estúdios Eternos

1. E aconteceu que André, Profeta da Indignação, foi arrebatado em espírito para um grande estúdio iluminado por holofotes que não conheciam descanso.

2. Ali viu quatro anciãos sentados em mesas de debate, cada qual segurando uma caneta que nunca escrevia nada.

3. E uma voz vinda da régie disse:

“Sobe aqui, e mostrar-te-ei o que virá quando terminar a emissão.”


Capítulo II – Das Trombetas das Breaking News

4. O primeiro anjo tocou a trombeta, e surgiram alertas vermelhos no rodapé: “Última Hora: Nada de Especial, Mas Estamos a Acompanhar.”

5. O segundo anjo tocou a trombeta, e um comentador apareceu proclamando que “o país está ao rubro”, embora estivesse apenas nublado.

6. O terceiro anjo tocou, e uma multidão correu às redes sociais para dizer “vi isto a acontecer em direto”.

7. O quarto anjo tocou, e a própria realidade desligou o televisor e foi dar uma volta.


Capítulo III – Da Besta das Sondagens

8. E André viu levantar-se do mar das estatísticas uma fera com gráficos por membros e margens de erro por dentes.

9. E sobre cada gráfico estava escrito: “Tendência Possível, Interpretação Incerta.”

10. A fera rugiu, dizendo:

“Eu subo, eu desço, eu torno a subir — e ninguém sabe porquê!”

11. E todos os partidos tremeram diante dela, exceto aquele que achou que era uma oportunidade de aparecer na televisão.

2025-12-01

O Falso Evangelho de São Venturo, Profeta da Indignação Perpétua

Livro I – A Revelação do Telepúlpito

1. No princípio era o Ruído, e o Ruído estava com André, e o Ruído era André.

2. Ele habitava no ecrã desde o princípio, e através dele todas as polémicas foram feitas; sem ele, nada do que se tornou viral teria existido.

3. E viu ele que o palco mediático era vasto, e disse: “Haja controvérsia!” — e houve.


Livro II – Das Multidões Sedentas de Dramas

4. E vieram multidões de todos os cantos da nação, trazendo queixas, ressentimentos e horas vagas.

5. E André subiu a um palanque improvisado — um caixote de fruta abandonado — e pregou-lhes, dizendo:

“Bem-vindos os que clamam por soluções simples para problemas complexos, porque vosso será o reino dos comentários.”

6. E as multidões rejubilaram, porque não havia nada que gostassem mais do que soluções simples e culpados à mão.


Livro III – Do Milagre da Multiplicação dos Soundbites

7. E André tomou uma frase, e ergueu-a diante dos repórteres.

8. E falou por sete segundos, e a frase dividiu-se em dez interpretações, e cada uma gerou cinquenta debates televisivos.

9. E todos comeram e ficaram inflamados, e ainda sobraram doze cestos de indignação para o dia seguinte.


Livro IV – A Tentação da Moderatio

10. E foi conduzido ao Monte da Reflexão Moderada, onde o Espírito do Bom Senso lhe falou:

“André, suaviza teu verbo, e talvez o país te compreenda.”

11. Mas ele respondeu:

“Para trás, Moderatio! Pois está escrito: ‘Não só de ponderação vive o homem, mas de cada exagero que sai da minha boca.’”

12. E assim resistiu às tentações do equilíbrio, regressando ao vale da discórdia com renovado fervor.


Livro V – Da Última Sessão Plenária

13. E chegou o dia em que André juntou seus discípulos políticos na Assembleia, para a Última Sessão Plenária Antes do Recesso.

14. E disse-lhes:

“Em verdade vos digo: um de vós ousará contradizer-me com factos.”

15. E os discípulos estremeceram, pois poucos sabiam manejar um relatório técnico.

16. E André ergueu o dedo e proclamou:

“Ide, pois, e fazei barulho entre as nações; levai a Palavra, mesmo que não vos tenham perguntado nada.”


Livro VI – O Apocalipse das Sondagens

17. E vi no céu um grande sinal: um gráfico tremendo, flutuando entre margens de erro.

18. E sobre o gráfico estava montado o Profeta Venturo, brandindo um microfone flamejante.

19. E atrás dele vinham quatro cavaleiros — Populus, Mediatix, Indignare e Algoritmus — cavalgando sobre comentários inflamáveis.

20. E cada cavaleiro trouxe consigo um flagelo: a Polémica Infinita, a Discussão Estéril, a Simplificação Absoluta e a Sondagem Diária.


Livro VII – Da Promessa Final

21. E André falou ao povo, dizendo:

“Eu sou o Princípio e o Trending. Aquele que é, que foi, e que aparecerá novamente amanhã no telejornal.”

22. E o povo suspirou fundo, murmurando:

“Que assim seja… até que o próximo escândalo nos separe.”

2025-11-30

A Odisseia de André Ventura no Reino Metafísico da Direita Absolutamente Absoluta

Num daqueles dias em que o país está tão quieto que até os escândalos políticos fazem sesta, André Ventura decidiu abrir um portal dimensional — como quem abre uma lata de atum — para procurar a essência pura da direita portuguesa. Não aquela direita banal, de gravata e promessas recicladas. Não. Ele queria a Direita Absoluta, destilada, filtrada e servida num cálice com gelo e indignação.

Primeira Paragem: O Deserto do Bom-Senso

Ventura atravessou um planalto onde se viam caravanas de opinadores perdidos, murmurando frases como “talvez devêssemos discutir políticas públicas” antes de evaporarem no ar, como hologramas recusados.
— Demasiado moderado, resmungou, chutando um tufo de responsabilidade social para longe.

Segunda Paragem: O Bosque dos Comentadores Enfurecidos

Ali, as árvores insultavam quem passava. Os pinheiros gritavam “estrangeirização cultural!”, os sobreiros berravam “crise moral!”, e até um arbusto anão murmurava “isto com patriotas era diferente”.
Ventura sentiu-se entre pares, mas algo ainda faltava: uma câmara, talvez.

Terceira Paragem: O Castelo da Extrema-Direita Mística

Erguia-se à beira de um lago de memes, com muralhas feitas de caixas de comentários. A guarda real era composta por indivíduos que falavam exclusivamente em maiúsculas.
— ENTRAS?, perguntaram.
— Depende, respondeu Ventura. Há visibilidade mediática?
— SÓ TEMOS UMA LANTERNA FRACA E UM PODCAST QUE NINGUÉM OUVE.

Frustrado, Ventura decidiu assumir a liderança espiritual do local, mas os habitantes recusaram: alegaram que ele era “demasiado complexo” por usar verbo transitivo duas vezes no mesmo dia.

A Revelação Final

No auge da sua exasperação, Ventura encontrou um espelho dourado. Nele, viu a Direita Absoluta: uma entidade nebulosa, feita de soundbites, indignação instantânea e um desejo inexplicável de transformar tudo em trending topic.

— Sou eu… mas em modo exagero?
E o espelho respondeu, com voz de apresentador de telejornal cansado:
— Não. Tu és a versão beta. A versão instável. A versão que ainda pede atualização.

Desiludido, mas pragmaticamente teatral, Ventura regressou ao Parlamento.
Entrou, dirigiu-se ao púlpito e disse a frase que faria estremecer o universo político:
— Tive um dia introspectivo.

E nesse momento, toda a oposição, do Bloco ao Chega, soube que algo verdadeiramente surreal estava a acontecer e isso também é Portugal.

2025-11-26

Ego

Enquanto posavam para as câmaras - Trump com o polegar no ar, Cristiano com aquele sorriso de quem acabou de marcar na própria mente - o mundo assistia fascinado a este encontro de titãs da autopromoção. Dois homens que nunca conheceram um espelho que não gostassem, unidos pela certeza inabalável de que são o centro do universo.

No fim, Trump ofereceu a Cristiano uma chave dourada da Casa Branca. CR7 retribuiu com uma camisola autografada da Seleção. Ambos fingiram que era exatamente o que sempre quiseram, quando na verdade queriam apenas mais atenção mediática.

E assim terminou este encontro histórico: com dois homens convencidos de que salvaram o mundo, quando na realidade apenas nos deram mais conteúdo para memes.