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Às vezes penso que qualquer coisa me deve ter passado muito ao lado, algures durante o processo de construção da minha identidade. Acho que nunca questionei o meu corpo em termos de identidade sexual. Questionei-o por todos os motivos, mas não em termos de identidade. Odiei-o de todas as formas e feitios, mas nunca pensei que podia ter antes outras formas e feitios. Como nunca questionei sequer a minha personalidade. Não gostava particularmente dela, era difícil, mas nunca pus em causa que fosse a minha. Como nunca questionei as opções de outros, nem as suas dúvidas, as suas questões com os corpos e as identidades. Ou sequer me pareceu alguma vez estranho que corpos e identidades andassem de mãos dadas, mas não fossem mutuamente exclusivos. E, sim, deve-me ter passado alguma coisa ao lado. Só pode ter-me passado qualquer coisa ao lado. E às vezes acho que deve ter tido a ver com o facto de não me terem dado uma educação de catecismo. Não vejo mais nada diferente, tirando esta coisa de não me terem tentado enfiar valores pela goela abaixo, como um qualquer batido de medos e espartilhos. E para mim foi fácil não me perder nos preconceitos sobre a sexualidade para questionar a valia de alguém. Pessoas são pessoas e valem o que valem, para além dos corpos, das identidades, da sexualidade. E os corpos valem a pena e as identidades valem a pena e a sexualidade vale a pena. Mas não precisa ser igual à minha. Aliás, para quem nunca teve uma boa relação com o próprio corpo, não deveriam nunca ser opções iguais às minhas. E deve ser por isso – ou então é só mesmo da falta dos cigarros – que perco a paciência a ler certas apreciações sobre a homossexualidade. E, raios!, há ali qualquer coisa de disco riscado e de medo e de ideia regurgitada. E vem sempre à baila quando não há mais assunto. Ou então quando o mundo foge à regra – o que é quase sempre, mas há quem não note – e resolve sair à rua em parada festiva e emplumada.
11 comentários:
Os "hetero" não têm o exclusivo do exibicionismo, Hipatia. Mas até para se ser exibicionista (com sucesso) é necessário algum bom gosto.
Já não basta pertencer a uma minoria qualquer.
;-)
hummm sinto-me descontextualizada. perdi alguma coisa no panorama nacional ou é um desabafo hipático? :)
beijinho grande
É sempre bom pegar pelo lado folclórico para vazar a verve para exprimir apenas uma coisa tão básica e primitiva como o medo do diferente, do estrangeiro... ;)
Mas às vezes, Old Man, os "hetero" insurgem-se de tal maneira que demonstram apenas como monopolizam o exibicionismo da imbecilidade.
Talvez no panorama "blogueiro", Filipa :)
Às vezes leio certas coisas que até fico de cara à banda. Tu não? E não tinhas até vontade de te insurgires contra certos pobres de espírito, não fosse já faltando a vontade de comprar guerras que, nos seus objectivos, já só soam a mais do mesmo?
Por causa de posts deste tipo, sorrio e re-identifico-te. Gosto sempre da Senhora da Voz em Fuga, e, como dizias, seguimos há muito o caminho uma da outra :) - mas há dias em que é mesmo de dizer-te: é um prazer ler autenticidade desafrontada. E, claro!, espero ter tempo ainda hoje de pegar no teu post e pensar no meu canto, em sequência...
Flores, beijos, e risos, Hipatia, que a Vida é (também) o que fazemos dela
A propósito deste tema, fartei-me de ouvir e ler que os "hetero" (acho um piadão a este termo como designando um grupo, ou uma classe...)se fartaram de "insurgir" contra o, suponho, arraial. Por mim, não dei por nada, a não ser a "insurgência" de muitas vozes sobre a "insurgência" que eu não notei.
E depois, há a questão do bom gosto e sensatez que o Old Man refrere. Já agora: Não é por se ouvir uma imbecilidade avulsa que se deve formar uma opinião em regime contímuo, Hipatia. Opiniões imbecis sempre houve, há, haverá sempre. Isso não deve constituir justificação para manifestações de gosto duvidoso. Só isso, no resto, parece quie estamos de acordo. É que já cansa tanta "contra-insurgência"
beijinho
Já te li :) E também só agora percebi que tinhas começado uma nova viagem. Fico contente: é bom manter os elos por aqui :)
Mas qual bom-gosto e sensatez, Espumante? Por qual bitola? Ontem, na RTP1, a noite foi reservada para um dos espectáculos que considero de pior gosto: a tourada. Lá está, é a minha bitola. E depois há, por exemplo, o espectáculo dos fiéis de rojo em Fátima: péssimo gosto, pelos meus padrões. Ou ainda esta palhaçada das bandeiras e do CCB e do Berardo: pobrinho e pindérico. E há ainda as demonstrações pretensamente científicas que se agarram a artigos com vinte anos. E isso é mesmo do pior gosto que há: gente parada no tempo, a tentar fazer doutrina sem nunca se actualizar ou, pior, a tentar a doutrina não a adaptando aos factos, mas antes tentando adaptar os factos aos preconceitos. E, mais mau-gosto que isso, não consigo mesmo pensar.
Homens a beijarem homens ou mulheres a beijarem mulheres, espalhafatosamente vestidos e festivos? Não me agride minimamente. Nem sequer acho que haja ali qualquer falta de gosto. Não mais, pelo menos, do que quando mulheres queimaram soutiens no meio da rua, ou o povo saiu à rua de punho erguido a berrar por supostos direitos.
Cada um avalia do bom gosto em função dos próprios preconceitos, disso não tenho dúvidas. E eu sou preconceituosa em relação a certas pessoas, especialmente aquelas que se acham senhoras do bom gosto do Mundo ou, pior, de uma "cientificidade" de opereta.
pegaste no bom gosto e sensatez e deixaste de lado a parte mais importante do comentario, ou seja a minha sensibilidde ao facto de que sao mais as vozes que as nozes. Leia-se, quando se fala nas pessoas que se indurgem, eu digo que sao mais as pessoas que acusam as pessoas de se insurgir (como tu) do que as que realmente se insurgem. Isso, no fundo, foi a pedra de toque do comentario. Sao fantasmas, sao a necessidade de nao se deixar morrer a ideia de que o mundo eh habitado por uma corja de homofobicos que se pudessem, enrolavam os gay todos em alcatrao quente e penas. No fundo eh uma estrategia conhecida e que eh, depois, seguida, por gente bem intencionada como tu. Porque temos de reconhecer que tirando um outro ou maluquinho que por ai possa andar, ninguem realmente se choca com o facto de haver gays ou nao. Mas se nao se falar deles, lah estah... eles nao sobrevivem na ausencia do protagonismo que eles nao conseguem deixar de aspirar. E isso, sim, eu condeno, nao eh lah um homem a beihar outro homem, eh para o lado que durmo melhor, mas sim esta permanente luta contra... contra coisa nenhuma, esta chama de uma causa que ja nem causa eh. Daih eu ter dito num dos meus posts que acredito que os gays e lesbicas de bom gosto nao terem, provavelmente, ido ao arraial.
Paea terminar, quero confessar-te que independentemente das reflexoes que possam rodear o fenomeno, acho, realmente, de mau gosto a publicitaçao dos gostos sexuais de cada um. Mas isto, digo eu...
Beijinho para ti
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