Museu Judaico de Berlim
(...) sei que sou tão pouco culpado do Holocausto como o Pedro Arroja ou qualquer outra pessoa que nasceu depois de 1945. Contudo, como berlinense e alemão, identifico-me com a cidade e a sua história. É a minha. E quando visito o museu, faço o neste sentimento de pertença, não com culpa que só podia ser individual, mas com a responsabilidade que é colectiva e advém desta pertença.
É a História que se encarrega de fazer os seus heróis e os seus algozes. E a História dos vencedores é sempre tendenciosamente vesga. Nada a fazer: sempre foi assim e sempre assim continuará a ser. Depois há aquela coisa de ser necessário distanciamento e de haver subjectividade e dos preconceitos do sujeito que engole e debita os factos.
Aliás, eu nunca teria grandes problemas em dizer (os historiadores que me perdoem) que a História (pelo menos enquanto disciplina) é profundamente preconceituosa. E também não me custa nada admitir que vou ser sempre um sujeito anónimo na grande História e até na pequena história do tempo que me calhou viver. Mas eu estou confortável com o meu ban, este meu pequeno feudo feito de banalidades e egos domesticados onde insiro tudo o que realmente faz parte do meu mundo e do que nesse mundo é importante para mim.
Não tenho perfil de herói. Espero, sinceramente, não ter também perfil de monstro e transformar-me, por qualquer revés do destino, numa sociopata assassina, capaz de matar outro ser humano como se a humanidade não valesse nada. Mas uma coisa sei: todos somos capazes do bom e do mau; todos temos em nós o potencial para criar e para destruir. E todos somos demasiado iguais, para além do tempo histórico que nos calhou viver, das fronteiras artificiais desenhadas no chão do Planeta, das ideologias amuralhadas, da cor da pele, da religião, ou até da quantidade de poder e influência que fomos capazes de amealhar e a forma como escolhemos utilizá-lo.
A História - a verdadeira - é feita de gente anónima, gente vulgar, gente capaz de pequenos gestos de heroísmo, gente capaz de virar as costas, gente apanhada num turbilhão que não entende, gente que sobrevive, gente que morre, gente que mata. Julgar é um acto posterior, feito tendo em conta premissas profundamente difusas no momento em que a escolha se apresenta como um acto reflexivo. E é por isso que julgar sem entender e sem alguma dose de tolerância e muita capacidade de auto-contenção pode ser profundamente perigoso. Quem se julga sempre melhor do que o vizinho nunca deveria ser autorizado a abrir a boca para julgar fosse o que fosse.
A minha dúvida é esta: tivéssemos nós vivido na Berlim dos anos 30 e 40, ou na Lisboa do pogrom de 1506, em que seríamos diferentes de tantos outros? Temos realmente a certeza de termos estofo de herói, de que seríamos capazes de reagir, em lugar de ser apenas gente vulgar, levada na corrente? Eu não me acho melhor do que ninguém. Sou mesmo demasiado banal. Tão banal que, provavelmente, também teria fechado os olhos, encolhido os ombros, ou até participado nas chacinas.
No entanto, sei bem como custa não julgar. Fazemo-lo todos os dias. Não se costuma é usar a História como desculpa. E o espantoso é como cada um desses julgamentos pode ser profundamente corrosivo, especialmente quando nos confronta com a imbecilidade, quer a alheia, quer a nossa. De qualquer forma, parece-me sempre bem menos pernicioso este meu julgamento pequenino, individualizado, que me faz considerar um fulano, que por acasos do destino calhou ser meu compatriota, um perfeito idiota e lamentar profundamente vê-lo a fazer figuras tristes quando se lembra de abrir a boca para julgar as opções históricas de outros.
Aliás, eu nunca teria grandes problemas em dizer (os historiadores que me perdoem) que a História (pelo menos enquanto disciplina) é profundamente preconceituosa. E também não me custa nada admitir que vou ser sempre um sujeito anónimo na grande História e até na pequena história do tempo que me calhou viver. Mas eu estou confortável com o meu ban, este meu pequeno feudo feito de banalidades e egos domesticados onde insiro tudo o que realmente faz parte do meu mundo e do que nesse mundo é importante para mim.
Não tenho perfil de herói. Espero, sinceramente, não ter também perfil de monstro e transformar-me, por qualquer revés do destino, numa sociopata assassina, capaz de matar outro ser humano como se a humanidade não valesse nada. Mas uma coisa sei: todos somos capazes do bom e do mau; todos temos em nós o potencial para criar e para destruir. E todos somos demasiado iguais, para além do tempo histórico que nos calhou viver, das fronteiras artificiais desenhadas no chão do Planeta, das ideologias amuralhadas, da cor da pele, da religião, ou até da quantidade de poder e influência que fomos capazes de amealhar e a forma como escolhemos utilizá-lo.
A História - a verdadeira - é feita de gente anónima, gente vulgar, gente capaz de pequenos gestos de heroísmo, gente capaz de virar as costas, gente apanhada num turbilhão que não entende, gente que sobrevive, gente que morre, gente que mata. Julgar é um acto posterior, feito tendo em conta premissas profundamente difusas no momento em que a escolha se apresenta como um acto reflexivo. E é por isso que julgar sem entender e sem alguma dose de tolerância e muita capacidade de auto-contenção pode ser profundamente perigoso. Quem se julga sempre melhor do que o vizinho nunca deveria ser autorizado a abrir a boca para julgar fosse o que fosse.
A minha dúvida é esta: tivéssemos nós vivido na Berlim dos anos 30 e 40, ou na Lisboa do pogrom de 1506, em que seríamos diferentes de tantos outros? Temos realmente a certeza de termos estofo de herói, de que seríamos capazes de reagir, em lugar de ser apenas gente vulgar, levada na corrente? Eu não me acho melhor do que ninguém. Sou mesmo demasiado banal. Tão banal que, provavelmente, também teria fechado os olhos, encolhido os ombros, ou até participado nas chacinas.
No entanto, sei bem como custa não julgar. Fazemo-lo todos os dias. Não se costuma é usar a História como desculpa. E o espantoso é como cada um desses julgamentos pode ser profundamente corrosivo, especialmente quando nos confronta com a imbecilidade, quer a alheia, quer a nossa. De qualquer forma, parece-me sempre bem menos pernicioso este meu julgamento pequenino, individualizado, que me faz considerar um fulano, que por acasos do destino calhou ser meu compatriota, um perfeito idiota e lamentar profundamente vê-lo a fazer figuras tristes quando se lembra de abrir a boca para julgar as opções históricas de outros.
9 comentários:
Por aqui passei, gostei, vou voltar
Saudações
A História alemã a partir dos anos 30 é um enigma. O filme A Queda que retrata os ultimos dias de Hitler levou criticas por mostrar Hitler com traços humanos. A questão é: e ele não era humano? Claro que sim! É tudo ainda mais incompreensível.
Não entendo e nunca hei-de entender. No entanto, tens rzão: somos todos berlinenses. Para o bem e para o mal.
beijinho grande
fil.
Volta mesmo, C Vicente :) E sejas bem-vindo.
Somos mesmo todos berlinenses, Misty, num sentido lato e profundo. E, porque o somos, deveríamos exercer a tolerância. Que absurdo este do Pedro Arroja de achar que um museu do Holocausto só fica bem fora de Berlim! Onde mais?
Profundamente de acordo qdo dizes q somos todos capazes do bem e do mal. Com uma nuance: há quem seja mais capaz do mal, apenas do mal, do mal profundo.
Tirando os óbvios casos patológicos, assusta-me quando se tenta fazer qualquer gradação, quer para o bem, quer para o mal. Mas eu nunca me dei bem com absolutos, tu sabes. Diria que, em função das circunstâncias, quase todos nós poderíamos ser capazes de actos que, num julgamento posterior, poderiam ser considerados "mal profundo"; o mesmo, aliás, para qualquer "profunda bondade".
bj
A profunda bondade só nos santos, Hipatia.
Mas a perfeita maldade, bom, quando penso na pedofilia, nos abusos sexuais, nos homicídios, custa-me ser tão relativa, sabes?
Entendo o q queres dizer lá em cima a propósito do nazismo. Ao mesmo tempo, choca-me pensar q eu poderia ter essa aitude, e rejeito-a. Aliás, nazi era Hitler e os seus acólitos - os outros não seriam os manipulados da História, o povo sujeito ao carisma de um líder?
Por outro lado, foi no nazismo q nos conhecemos, através de A. Sousa Mendes :)
Eu ponho a pedofilia e os abusos sexuais na categoria "patológicos" e assim é mais fácil. Quanto ao homicídio... bem, ai relativizo. É que eu não sei mesmo se não poderia chegar a matar. Pelos que amo? Quase de certeza. Para me salvar? Provavelmente. Se visse um desses pedófilos a fazer mal a uma criança? Ah, caraças!, só se não me segurassem. E só sei que não podemos julgar um povo inteiro há distância de 50 anos e muito menos julgarmos nós, aqui do Portugalinho que até andou a fazer umas barbaridades valentes por onde passou ao longo da História, as opções dos alemães de hoje para conviveram com as consequências das opções dos avós.
Não fui mto clara. Pensava em homicídio e tinha na mente o caso do gnr que matou as 3 miúdas. Esse e casos assim.
Já agora espero q os casos patológicos ão sirvam de argumento para a inimputabilidade mas o assunto é mto complexo.
Matar? Acho q sim. Para defender os meus, acho q faria tudo.
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