Thomas Blackshear - Forgiven
Não sou especialista em Teoria da Libertação. Muito menos quero fazer deste post um artigo científico. Também não me apetece ir fazer pesquisa para o escrever. Estou, portanto, a falar quase de cor sobre um assunto que domino mal. Mas desde que li na adolescência um livro chamado "Igreja, Carisma e Poder", de Leonardo Boff, que pressenti que os sectores mais conservadores do pensamento católico não poderiam ficar contentes com as novas formas preconizadas por esta corrente de pensamento que pretende promover a igualdade total dos homens no acesso a bens e até a Deus. Ora, as estruturas fortemente mediadas, com óbvias linhas de poder, não se dão bem com a igualdade. Recordo, por exemplo, algumas das críticas ao Concílio Vaticano II e à forma como preconizou a igualdade de todas as religiões, unificando Deus. Quantos aceitam realmente que a doutrina católica está em pé de igualdade com, por exemplo, a doutrina muçulmana? Ou quantos aceitam que, conceptualmente, Shiva e Deus valem o mesmo?
A teoria da libertação tem sido vista pelos sectores mais conservadores da doutrina católica como profundamente subversiva. Das óbvias influências marxistas-leninistas, bem de acordo com a década de 60 que a viu nascer numa América Latina espartilhada por regimes autoritários fomentadores de fortes desigualdades sociais e um mar de gente pobre que deixava de aceitar a condenação à pobreza, a ideia de libertação escapa aos aspectos mais economicistas e atinge um nível sociológico mais vasto. A libertação passa a ser também uma forma de escapar à autoridade num sentido lato, incluindo os valores mais tradicionalistas de uma Igreja que assume que pobres e ricos existem igualmente aos olhos de Deus, que sempre vão existir e que nada adianta senão aceitá-los enquanto tal.
Mas é também subversiva por apelar à libertação das figuras de autoridade de uma política corrupta, à libertação da mulher da autoridade de pai e marido, à libertação dos corpos do pecado da luxúria, à libertação das velhas hierarquias do patrão e do capataz, ou do cacique, à aceitação de realidades sociais em total desacordo com os princípios mais ortodoxos, numa rota de fuga de uma sociedade permanente e imutável, teocêntrica, onde qualquer chama igualitária e/ou libertária teria sempre consequências em termos do poder efectivamente exercido sobre as massas.
Deve ser profundamente assustador para uma estrutura fortemente hierarquizada e baseada na autoridade que lhe é concedida por nada mais do que fé, ver serem propostas novas possibilidades, que passam necessariamente por uma contestação à autoridade. No extremo, foi entendido por alguns que a ideia de libertação seria herética por incitar à revolta perante a própria autoridade de Deus.
Este Papa das missas em Latim e do canto gregoriano, tão assustado com uma Igreja moderna e igualitária, parece-me ter medo da libertação. Esta visita ao Brasil e todas as suas palavras e apelos dizem-me isso mesmo. É um chefe de Igreja com medo de perder poder. É o líder que parece não saber acompanhar os tempos. E, se é certo que a Teoria da Libertação tal como inicialmente foi propalada há muito que deixou de ser viável, inclusive com alguns dos seus teóricos a afirmarem que as ideias marxistas-leninistas se provariam nefastas para os seus países, também é certo que, em muitos aspectos, soube evoluir para continuar a acompanhar a sociedade na sua busca pela justiça social.
Já disse aqui no blog antes que o que me assusta mais em Bento XVI é a aparente inflexão em direcção a valores conservadores e fundamentalistas. E talvez fosse eu que, não sendo católica, estava muito habituada à forma como João Paulo II, mesmo quando mais profundamente ortodoxo, não deixava de saber fazer a ponte entre os valores eclesiásticos e os valores sociais. E onde antes via uma ponte a ser construída, hoje vejo um fosso a ser fabricado.
Não sendo católica, convivo necessariamente com uma sociedade que se diz católica. Mas cada vez mais me assusta que as ideias deixem de ser questionados ou debatidas, que se aposte no preceito dogmático e imposto hierarquicamente, ou que os valores da igualdade e liberdade sejam pura e simplesmente descartados, por subversivos. No fundo, assusta-me sempre quando alguém, por questões de fé, só aceita a ideia de liberdade e igualdade desde que seja a mesma igualdade e liberdade que assume como sua. Esta é que tem de ser imposta. A liberdade dos outros, em matéria de fé ou de recusa da mesma, será sempre vista como agressão. E ai o debate deixa de ser possível.
Fico a pensar quantas pessoas não continuarão a fazer ouvidos moucos a Bento XVI. Fico a pensar quantos mais não se vão sentir alienados. Fico a pensar quantos mais não reservarão à crendice e à sectarização de pequenos cultos, tipo alguns cultos marianos, aquilo que antes estava reservado para toda uma visão geral, estruturante da forma como a grande maioria das pessoas se quer ver perante Deus, a sociedade, a vida e a morte…
A teoria da libertação tem sido vista pelos sectores mais conservadores da doutrina católica como profundamente subversiva. Das óbvias influências marxistas-leninistas, bem de acordo com a década de 60 que a viu nascer numa América Latina espartilhada por regimes autoritários fomentadores de fortes desigualdades sociais e um mar de gente pobre que deixava de aceitar a condenação à pobreza, a ideia de libertação escapa aos aspectos mais economicistas e atinge um nível sociológico mais vasto. A libertação passa a ser também uma forma de escapar à autoridade num sentido lato, incluindo os valores mais tradicionalistas de uma Igreja que assume que pobres e ricos existem igualmente aos olhos de Deus, que sempre vão existir e que nada adianta senão aceitá-los enquanto tal.
Mas é também subversiva por apelar à libertação das figuras de autoridade de uma política corrupta, à libertação da mulher da autoridade de pai e marido, à libertação dos corpos do pecado da luxúria, à libertação das velhas hierarquias do patrão e do capataz, ou do cacique, à aceitação de realidades sociais em total desacordo com os princípios mais ortodoxos, numa rota de fuga de uma sociedade permanente e imutável, teocêntrica, onde qualquer chama igualitária e/ou libertária teria sempre consequências em termos do poder efectivamente exercido sobre as massas.
Deve ser profundamente assustador para uma estrutura fortemente hierarquizada e baseada na autoridade que lhe é concedida por nada mais do que fé, ver serem propostas novas possibilidades, que passam necessariamente por uma contestação à autoridade. No extremo, foi entendido por alguns que a ideia de libertação seria herética por incitar à revolta perante a própria autoridade de Deus.
Este Papa das missas em Latim e do canto gregoriano, tão assustado com uma Igreja moderna e igualitária, parece-me ter medo da libertação. Esta visita ao Brasil e todas as suas palavras e apelos dizem-me isso mesmo. É um chefe de Igreja com medo de perder poder. É o líder que parece não saber acompanhar os tempos. E, se é certo que a Teoria da Libertação tal como inicialmente foi propalada há muito que deixou de ser viável, inclusive com alguns dos seus teóricos a afirmarem que as ideias marxistas-leninistas se provariam nefastas para os seus países, também é certo que, em muitos aspectos, soube evoluir para continuar a acompanhar a sociedade na sua busca pela justiça social.
Já disse aqui no blog antes que o que me assusta mais em Bento XVI é a aparente inflexão em direcção a valores conservadores e fundamentalistas. E talvez fosse eu que, não sendo católica, estava muito habituada à forma como João Paulo II, mesmo quando mais profundamente ortodoxo, não deixava de saber fazer a ponte entre os valores eclesiásticos e os valores sociais. E onde antes via uma ponte a ser construída, hoje vejo um fosso a ser fabricado.
Não sendo católica, convivo necessariamente com uma sociedade que se diz católica. Mas cada vez mais me assusta que as ideias deixem de ser questionados ou debatidas, que se aposte no preceito dogmático e imposto hierarquicamente, ou que os valores da igualdade e liberdade sejam pura e simplesmente descartados, por subversivos. No fundo, assusta-me sempre quando alguém, por questões de fé, só aceita a ideia de liberdade e igualdade desde que seja a mesma igualdade e liberdade que assume como sua. Esta é que tem de ser imposta. A liberdade dos outros, em matéria de fé ou de recusa da mesma, será sempre vista como agressão. E ai o debate deixa de ser possível.
Fico a pensar quantas pessoas não continuarão a fazer ouvidos moucos a Bento XVI. Fico a pensar quantos mais não se vão sentir alienados. Fico a pensar quantos mais não reservarão à crendice e à sectarização de pequenos cultos, tipo alguns cultos marianos, aquilo que antes estava reservado para toda uma visão geral, estruturante da forma como a grande maioria das pessoas se quer ver perante Deus, a sociedade, a vida e a morte…
7 comentários:
Ora aqui está um belo post que levanta muito boas questões. Assim de repente, lembro-me de uma ou duas (ou mais):
- a malta já não vai em conversas como a do camelo e a agulha e o reino dos céus para pobres e tal;
- não se caçam moscas com vinagre, e a inflexibilidade deste novo papa não augura nada de bom quanto à fidelização de quem já está e à angariação de quem não está;
-as pessoas que precisam de uma vertente mística nas suas vidas andam a fugir para cultos sectários, alguns bem fanáticos e perigosos;
- por muito pouco que goste da igreja católica enquanto instituição, era um sossego saber que ainda tinha um quase monopólio do mundo cristão (e uma função importante no cartel das igrejas católica, anglicana e protestante) visto que sempre é melhorzinha que alguns daqueles cultos sectários, e fazia (também com o cartel das igrejas cristãs de raiz moderada) um bloqueio muito eficaz ao avanço do fundamentalismo (cristão e não só).
Tornando-se alheia a realidades sociais, e fundamentalista na repressão e rigidez, não oferece o que outras oferecem, perde clientela que vai ao engano para cultos bem mais fundamentalistas mas envoltos numa aura de piedade divina e perdão.
O trabalho que o João Paulo II andou a fazer parecia querer evitar a fuga de fieis e o reinado do fundamentalismo. Acho que vai todo por água abaixo...
Isto vai acabar mal.
Mulher!... Obrigada!!!
(acho que devia ter-te lido antes de escrever o post; puseste tudo tão mais simples e completo!)
Se Jesus Cristo estivesse hoje vivo, Bento XVI condenaria-o por ser adepto da Teoria da Libertação.
Bento XVI é um chefe de estado interessado em manter o poder num império cada vez mais Romano e cada vez menos cristão.
Sem dúvida. Só não me parece que esteja a fazer grande serviço. Segundo a imprensa, parece que o Lula o chutou para canto, afirmando que continuará a promover a laicidade do Estado Brasileiro. E também não está a fazer grande serviço em mais lado do mundo, tirando os habituais banhos de multidão mas, como sabes, as multidões são por natureza acéfalas e, portanto, tanto faria ir no carrito o Papa como um qualquer outro macaco vestido de branco.
Não digas isso, que o teu post está completíssimo e muito claro. Gostei de ler, a sério.
E parti-me a rir com o comentário da Maria Árvore. Lembra-me um sketch do spitting image que vi há anos: um bispo avisa o papa que Jesus voltou (himself) e o papa desata num pânico, "depressa, escondam os carros, o ouro, os quadros..." etc.
Foi o primeiro socialista, lá isso foi ;)
LOL
Vê lá se era este:
http://youtube.com/watch?v=WQ7elKNfSpc
os bens da igreja catolica não pertencem ao bispo ou ao padre como estava escrito em uma piada neste site e sim a comunidade. padres não ficam ricos nem moram em mansões.nem possuem jatinhos particulares.
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