É que há ainda mais :)
Há também um link na lateral, junto com os outros desafios da Voz.
(Os textos novos continuam a ficar no topo do post sem que os queira hierarquizar. Apenas por uma questão de comodidade na leitura. )
Era só isso
Era só isso. Um atrasar de passo, que os teus são mais longos que os meus, um parares ao pé de mim, exactamente ali, naquela esquina. E, sem eu te dizer, perceberes porquê. Tu saberes que eu não resisto ao apelo da terra, tu entenderes que eu preciso de parar para absorver as coisas, para as tornar minhas. Saberes que preciso de ir devagar para levar os cheiros, as cores, os gestos, os pormenores comigo. Tu saberes que me demoro a olhar a sombra do meu pé antes de o pousar no chão, a contar com os olhos os tufos de flores rebeldes no relvado cuidado do jardim, elas que se recusam a não florir ali, e que são como eu, que não me resigno. Tu saberes qual é a minha cor de céu preferida e que é aquela do fim do dia, um azul meio turquesa, meio petróleo, e Vénus a piscar para mim, às vezes a lua já a espreitar. Tu saberes que gosto do teu braço à minha volta, e de encostar a cabeça a ti enquanto caminhamos. E tu parares comigo ali, naquela esquina, de uma rua qualquer, a sentir o primeiro cheiro da primavera num fim de tarde de Março, para o levarmos connosco para casa. A nossa casa. Era só isso, era só isso que eu queria.
Rosmaninho - 2006-03-14
P’amor de Deus!
17 milhões de embalagens de anti-depressivos consumidas em Portugal?
Criem um blogue!
O Polvo
Ela odiava despedidas. Talvez porque tivesse participado em muitas. Habituara-se, todavia, a desligar-se desses momentos. O importante era não manter o contacto visual. Dar um último beijo com o coração de fugida. Virar as costas. Ir em frente. Nunca olhar para trás.
E agora, agora, ele estragara-lhe anos de treino em despedidas custosas. Ela ia apanhar o comboio depois do reencontro. Mais uma despedida. Talvez esta custasse mais que todas as outras. Estava abraçada a ele. Tinha um envolvimento forte e intenso. Tentou desprender-se de um braço e já lá estava outro. Mais um para tirar e depois mais outro. Parecia estar ligada aos braços dum polvo que nunca mais a queriam largar.
Precisava desligar-se para sofrer menos. Mais um beijo. Sentia a quentura da pele dele na gelidez do adeus. Precisava de voltar à independência do seu corpo, mas ele fundia-se cada vez mais nela. A tristeza crescia pelas suas entranhas. Ficou de coração oprimido a tentar sair dos braços daquela paixão em forma de polvo.
Ele olhava-a nos olhos, abraçava-a, sussurrava-lhe palavras de amor. Ela falava do presente que devia ser vivido mas não conseguia parar de pensar, de se projectar naquele futuro sem ele, sem o seu corpo, sem o seu abraço do qual queria fugir e ao mesmo tempo refugiar-se para sempre…
Finalmente, chegou o comboio. Um último beijo. Virar as costas. Ir em frente. Nunca olhar para trás. Nunca olhar para trás. Nunca olhar para trás…
De olhos secos , alma lacrimejante, viu-o partir pela janela…
Jacky - 2005-12-30
Correntezas de incertezas várias, fumadas por favor, que eu gosto
Desafios, diz o Bagaço, depois de desafiado pela Divas, formas comuns de correntes, uma forma adulta de brincar ao verdade ou consequência, que acaba sempre por nos sair um poucochinho cara, pois de qualquer beco e esquina logo há-de aparecer o Lobo mau, e com o hálito bestifero vosso conhecido, mirra de imediato qualquer palha que se digne e se esmifre por se manter armada em palha encostada a tantas outras palhas a quem chamaram casebre. E a propósito de palhas, e de palhetas, o que eu gosto de palhetas acompanhadas ou não por caracoletas, não escargots que se comem com um garfo estúpido, e depois perde-se o gozo do molho a escorrer por entre os dedos, alojando-se em meia circunferência na parte posterior da camisola, mas até te ris, que depois de umas cervejas até te estás mesmo a preocupar com a porcaria do molho que já escorre em cascata ensopando aquela parte das calças a que chamam boca de sino quase tão mau como os sapatos de sola à barco.
Pausa para respirar…
Dizia eu do desafio um género de desfolhada, prima da palha, protegem-se os alérgicos, que o vento anda de bailarico algarvio a moer o pedúnculo ás folhas, daquelas que a minha filha apanha grandes parras cor de mel, e poisa cuidadosamente no tablier e diz: - São para ti, mãe. E eu sempre que a olho nestas alturas, só lhe recordo os pés ervilha encostados no meu xifoideu, o hálito quente com cheiro de amêijoa a embranquecer-me a sobrancelha, e o ventre macio globuloso que se arrepia ao fresco das minhas mãos.
Ia eu nos desafios…
Já volto. Vou só ali só ver se os dois gajos estão tapados, que o tempo arrefeceu e já me pediram o edredão, mas eu lá sei que se hão-de destapar, que as hormonas são um bichos ferozes que trepam pelo peito acima da canalha e, os põe destapados até ao abdómen liso e seco de quem cresceu depressa demais e eu quase nem tive tempo de me sentar a ver.
Com licença.
JP - 2006-09-22
Selene
(à minha filha)
Era o travo do meu pão a saber-te a pouco e tu a amassares com raiva uma massa tenra já crestada. Ou nem por isso mas simplesmente porque esmurram a farinha e saltam e se soltam, as crias, quando chega o dia.
Era um gosto gasto, insisto. E a ira colada às tuas asas com sonhos de Ícaro.
Era o casario da beira-mar a chamar-te para o centro e tu em desejo de sair do labirinto na vertical, por sobre as águas do rio e sem pontes.
Era o atrito das coisas próximas a faiscar e eu a subir em vão os degraus para te travar na torrente bruta das palavras. Sem te alcançar. Sem nos vermos frente a frente por ser nas costas que eu carregava o fardo cujo peso dobrei em culpas.
Era a tesoura a cortar o fio das mãos esticadas que se tocavam ainda ao de leve mas a medo.
Era a solidez no desafio dos olhos, heranças minhas; pão de mistura com travo a passado firme, pronto a enfrentar o dia novo, na vertical, mas repousando aos poucos na ponte que tecemos de uma margem até à outra.
Elipse - 2006-11-08
In Fraudem Legis
Primeiro quis vendar-me os olhos. E eu, no uso da capacidade de gozo dos meus direitos, achei que o patrocínio das partes, que ele tanto apregoava, tinha todas as possibilidades para dar origem a uma ratificação no mínimo à altura do órgão competente. Era tudo uma questão de pró rata.
A definição das coordenadas fundamentais da posição de cada um deixava-me a braços com os fundamentos do direito. Tinha-se constituído, pois, a situação ideal para verificar a constitucionalidade da matéria formal, adiada vezes sem conta por falta de comparência da minha parte.
Incisivo – dizia ele – podes crer!, nunca menos do que isso!
Para mim incisivo era assim tipo curto e grosso; mas… in dubio pró réu, pois os meus preconceitos são facilmente contornáveis quando se trata da análise detalhada do corpus. Parto sempre daí, como manda a metodologia de qualquer recherche.
Mas eu conto: a insistência aguçou-me a curiosidade, embora o nosso conhecimento tivesse ocorrido numa situação chata: foi na altura do meu primeiro divórcio e ele teve aquela atitude paternalista do homem que, viciado na tutela dos mais fracos, achou que devia bater-se pelo habeas corpus, dando um murro na secretária quando lhe disse que a outra parte ansiava pelo contencioso.
Desde então ficou sempre pendente entre nós uma promessa de deveres recíprocos, mas ele tinha-se queixado de uma disfunção intestinal e eu, na altura a braços com merda suficiente para me atolar, ad cautelam, não dei azo ao trato proposto, até porque me fartei daquela conversa do direito potestativo. Não sou de ficar à espera que os braços de um homem me protejam das agruras da vida. Coitados, nem o direito patrimonial lhes confere a autonomia que uma mulher traz à nascença, quanto mais uns braços deontologicamente estatuídos.
Mas a minha curiosidade mata-me. Aquilo da concepção contratualista da sociedade fez eco durante uns tempos, até porque não sendo eu mulher de coacções, quando me ponho sobre a matéria não descanso enquanto não vou até ao fundo.
Aceitei, pois, ficar de olhos vendados. Mal sabia ele que estava a alimentar um dos meus fetiches. Oh deuses… até me senti desfalecer ante a perspectiva da aplicação do direito, assim em animus jocandi. O que depois me meteu raiva for a pega que ele me pôs na mão, associada a um tilintar de ferros. Sujeitei-me à contra ordenação e, ex abrupto, tirei a venda, não fosse o doutor estar à espera de uma violentação com base na matraca.
Uma balança? Para que queria ele que eu segurasse a balança? Teria dúvidas sobre o peso da sua matéria orgânica? Seria alguma regra de conduta sancionada e promulgada pela Ordem? Um modus operandi que eu desconhecia? É que há gente que, de tão normativa, consegue perder o sentido do gozo dos seus direitos! Que natureza social seria a daquele indivíduo, ali de joelhos no chão, a pedir-me sigilo ainda antes de iniciar a sessão.
Meto-me em cada uma!
De olhos esbugalhados encarei a caducidade da coisa como uma afronta e, sem apelo nem agravo, disse-lhe que não havia acórdão que resistisse a tamanha humilhação. A dele, porque para mim foi apenas mais um fracasso para a minha colecção...
E saiu-me, assim de rompante, ipsis verbis, esta chave de ouro: “olhe, querido, ponha a sua capacidade jurídica num dos pratos da balança que eu ponho a minha capacidade de gozo no outro. Vai ver qual de nós terá de ir à procura de um órgão mais competente!”
Fausta Paixão - 2006-10-27
A solução final!
José estava farto da vida!
Um dia resolveu enforcar-se numa árvore. Esta, estava tão seca que o ramo quebrou.
Depois José atirou-se para a frente de um camião. Nada. Travou a tempo!
Tentou com uma pistola. Encravou.
Tentou com uma pistola. Encravou.
Pediu ajuda a um amigo. Este recusou.
Experimentou com veneno. Estava fora do prazo, ganhou uma valente dor de barriga.
Estava desesperado! Tinha de encontrar uma solução infalível.
Ligou a televisão, estava a ver o noticiário. Foi aí que viu a escuridão ao fim do túnel. Era isso! Não ia falhar!
Saiu, entrou no automóvel, e conduziu em direcção ao norte.
Ao fim de algum tempo, chegou ao seu destino final. Na praça central de Felgueiras a agitação era geral. José foi-se entranhando na multidão.
Quando estava bem no centro, gritou com toda a força que lhe restava: Quero que a Fátima se foda!!!
O enterro é amanhã, às 15.30, na igreja do Bonfim.
Experimentou com veneno. Estava fora do prazo, ganhou uma valente dor de barriga.
Estava desesperado! Tinha de encontrar uma solução infalível.
Ligou a televisão, estava a ver o noticiário. Foi aí que viu a escuridão ao fim do túnel. Era isso! Não ia falhar!
Saiu, entrou no automóvel, e conduziu em direcção ao norte.
Ao fim de algum tempo, chegou ao seu destino final. Na praça central de Felgueiras a agitação era geral. José foi-se entranhando na multidão.
Quando estava bem no centro, gritou com toda a força que lhe restava: Quero que a Fátima se foda!!!
O enterro é amanhã, às 15.30, na igreja do Bonfim.
Patologista - 2005-09-22
Madrugada
E é quando chegas a desoras, por entre os espaços que a noite tece ao abrir-se à madrugada, que nasce um calafrio na minha espinha. Começa breve, no cós das costas, que para estas coisas as costas são um espaço com costura.
Sobe lentamente, como que dedilhado, imprecisa-se por entre os gumes da minha pele arrepiada. É quase como um sopro, ou um suspiro. Tem sabor e cheiro, tem tacto. É um ir e vir subtil, um ensaio quase geral a que falta a música.
Chega a saudade por entre as primeiras luzes da manhã, levanta os lençóis e aloja-se junto. Abraça-me e ficamos lá as duas.
Mas estou fria, sozinha, enrodilhada na vontade de te ver chegar a desoras, para me abraçares o corpo pelas costas, fazeres com as mãos ninho no meu peito e me despertares o corpo e os sentidos.
Comprimo-me assim contra o vazio feito lembrança. E ainda te sinto o cheiro a limão e baunilha, com laivos de maresia. Sabor agridoce, como lágrimas sorridas. Ou o toque da distância, quando a saudade me vem acordar, neste imperfeito chegar de coisa alguma.
Um fado de te sentir sem te ter verdadeiramente, sempre a desoras, como as luzes da madrugada ou os primeiros raios de sol, que não me aquecem, enquanto brilham sobre a minha pele nua.
Sobe lentamente, como que dedilhado, imprecisa-se por entre os gumes da minha pele arrepiada. É quase como um sopro, ou um suspiro. Tem sabor e cheiro, tem tacto. É um ir e vir subtil, um ensaio quase geral a que falta a música.
Chega a saudade por entre as primeiras luzes da manhã, levanta os lençóis e aloja-se junto. Abraça-me e ficamos lá as duas.
Mas estou fria, sozinha, enrodilhada na vontade de te ver chegar a desoras, para me abraçares o corpo pelas costas, fazeres com as mãos ninho no meu peito e me despertares o corpo e os sentidos.
Comprimo-me assim contra o vazio feito lembrança. E ainda te sinto o cheiro a limão e baunilha, com laivos de maresia. Sabor agridoce, como lágrimas sorridas. Ou o toque da distância, quando a saudade me vem acordar, neste imperfeito chegar de coisa alguma.
Um fado de te sentir sem te ter verdadeiramente, sempre a desoras, como as luzes da madrugada ou os primeiros raios de sol, que não me aquecem, enquanto brilham sobre a minha pele nua.
Hipatia - 2006-04-19
(Leiam também os que estão no outro post.)
7 comentários:
Curiosamente lembro-me destes 3 textos e cada um deles me agradou muito. :)
Não sei como não arranjo destes desafios mais vezes :) A generosidade das pessoas que me visitam é encantadora e dá-me bem mais do que poderão alguma vez imaginar.
ha pouco passei por aqui e quem estava com 1 branca era a net arrffa que raiva que não tenho tido muito tempo para bloggar.... mas ta já consegui repor a leitura em dia ;)
O Blogger tem mesmo andado aos saltinhos, Claire :D
E não és a única: também ando sem tempo. Parece que anda muita gente...
Eh! Eh! Vês como não foi difícil? (deves ter demorado menos a ler os meus que um só dos outros - só por isso é que me permiti "abusar" de ti; da tua paciência, digo - obrigado)
E bem escolhido, se me é permitido dizer tal. :)
Sabes, acho que não conhecia este. E fez-me soltar tamanha gargalhada que nem hesitei :D
Agora, aqui entre nós, a tua sorte é mesmo escreveres textos tão pequenos. Quando vi a quantidade de links quase me deu uma coisinha má ;-)
:)
É do tempo em que eu ainda escrevia. Nada de especial (por isso é que não consegui escolher um só), mas pelo menos tinha(m) a sua piada.
Quando eu fizer um desafio podes vingar-te. ;)
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