"Que o poema tenha rodas motores alavancas 
que seja máquina espectáculo cinema. 
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas. 
Que seja um autocarro em forma de poema. 
Que o poema cante no cimo das chaminés 
que se levante e faça o pino em cada praça 
que diga quem eu sou e quem tu és 
que não seja só mais um que passa. 
Que o poema esprema a gema do seu tema 
e seja apenas um teorema com dois braços. 
Que o poema invente um novo estratagema 
para escapar a quem lhe segue os passos. 
Que o poema corra salte pule
que seja pulga e faça cócegas ao burguês 
que o poema se vista subversivo de ganga azul 
e vá explicar numa parede alguns porquês. 
Que o poema se meta nos anúncios das cidades 
que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades 
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar. 
Que o poema seja microfone e fale 
uma noite destas de repente às três e tal 
para que a lua estoire e o sono estale 
e a gente acorde finalmente em Portugal. 
Que o poema seja encontro onde era despedida. 
Que participe. Comunique. E destrua 
para sempre a distância entre a arte e a vida. 
Que salte do papel para a página da rua. 
Que seja experimentado muito mais que experimental 
que tenha ideias sim mas também pernas. 
E até se partir uma não faz mal: 
antes de muletas que de asas eternas. 
Que o poema assalte esta desordem ordenada 
que chegue ao banco e grite: abaixo a pança! 
Que faça ginástica militar aplicada 
e não vá como vão todos para França. 
Que o poema fique. E que ficando se aplique 
a não criar barriga a não usar chinelos. 
Que o poema seja um novo Infante Henrique 
voltado para dentro. E sem castelos. 
Que o poema vista de domingo cada dia 
e atire foguetes para dentro do quotidiano. 
Que o poema vista a prosa de poesia 
ao menos uma vez em cada ano. 
Que o poema faça um poeta de cada 
funcionário já farto de funcionar. 
Ah que de novo acorde no lusíada 
a saudade do novo, o desejo de achar. 
E que o poema diga: o longe é aqui 
e aponte a terra que tu pisas e eu piso. 
Ah que o poema chegue ao pé de ti 
e te diga ao ouvido o que é preciso. 
Que o poema actue directamente sobre o real 
nem que por vezes seja só o poeta em movimento. 
Ah que o poema para ser original 
transforme em braços e acção o pensamento. 
Que ponha sinos a tocar dentro das rosas 
e seja mais que rosa flor de cacto. 
Que o poema saiba ver dentro das coisas 
a mão do homem feita poema em acto. 
Que o poema me dispa de tudo o que não presta 
e me transforme na sua própria acção. 
Nem quero outra glória nem quero outra festa: 
morrer como Guevara na Bolívia da canção. 
Só tu, povo fardado de ganga azul 
poderás dar-me a glória ou recusar-ma. 
Aí vai o meu poema a minha taça do rei de tule 
aí vai para ser arma!"
Manuel Alegre