2006-08-24

Há dois anos em fuga


aqui


Sem o vosso contributo, os textos eram apenas letras agrupadas, as imagens perdiam valor, as músicas esbarravam no silêncio e todos os posts morriam por falta de destinatário. Nada se faz apenas com um emissor!

Por isso, a festa é vossa. Gozem-na bem!

Obrigada a todos por dois anos memoráveis.


(e agora vou continuar as minhas férias)

2006-08-17

O tambor de lata*

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Nunca encontrei coragem para o dizer, mas era uma coisa que estava escrita. Entrei como voluntário e não tive vergonha: esta chegou depois.

Günter Grass


A História encontra sempre os seus heróis e os seus algozes. A maioria das pessoas, por ter um pouco dos dois, não encaixa nos estereótipos e é facilmente esquecida.

Só que a História - a verdadeira - é feita de gente anónima, gente vulgar, gente capaz de pequenos gestos de heroísmo, gente que mata, gente capaz de virar as costas, gente apanhada num turbilhão que não entende, gente que sobrevive, gente que morre.

Günter Grass fez parte do "esforço de guerra" alemão. Levado pela propaganda, alistou-se nas SS e não na "tropa macaca", tinha privilégios, nunca os perdeu e, provavelmente, reagiu muito tarde ao que se estava a passar. Isso faz dele alguém muito humano, muito próximo de todos nós. Tinha dezassete anos…

A minha questão é esta: tivéssemos nós vivido na Alemanha dos anos 30 e 40, em que seríamos diferentes de tantos outros, os que preferiram acreditar na propaganda, na demagogia, nas mentiras e nos discursos e fachadas glamorosas?... Eu não me acho melhor do que ninguém. Sou mesmo demasiado banal. Tão banal que, provavelmente, também teria fechado os olhos, encolhido os ombros. Ou, se calhar, teria também pegado em armas; talvez me alistasse… Não temos todos estofo de heróis e não me iludo quanto à minha semelhança com tantos outros. Talvez às tantas fosse diferente… Talvez soubesse encontrar em mim um qualquer caminho para o heroísmo… Mas quase de certeza seria, como a grande maioria de nós, mais um entre muitos sem voz e sem glória. E dificilmente alguma vez escreverei um livro com o poder das palavras de Grass.

Ao fim de semanas a ler tanta coisa sobre a revelação de Günter Grass, acabo sempre a pensar como, para tantos nós, à distância da história reconstruída, é tão mais confortável um comportamento de fedelho que se recusa a crescer. E, como um fedelho, resta apenas apontar o dedo…

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* Pequena pausa nas férias, para não ficar entalada. Afinal, acho que já comecei a ler o que não devia :S

2006-08-11

Eu gosto é do verão...*



Desprendia-se pela janela aberta o calor da noite, entrando sorrateiro para ir fazer companhia ao calor dos corpos despidos sobre a cama. Havia um silêncio breve, uma respiração cadenciada, um aconchego temperado. Não havia luz, excepto o risco amarelo-torrado em que se transformara a lua num esgar de mudança de ciclo. Pressentia-se por todo o quarto o tempero de silêncios partilhados e sorrisos parados, congelados, em lábios quentes. Jazendo, só havia tempo e desejo e o calor de mais uma noite de verão. Jazendo, só havia dois corpos cansados, iluminados por uma lua breve, brevíssima, no negro do céu. Nem estrelas, nem constelações. Só uma lua amarelo-torrado e o calor da noite, esfumado, e um dedo que percorria ainda o reverso de um joelho.


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* repost de um texto que antes se chamou lua, para que o tasco fique bem enfeitadinho enquanto cá não estou :)

Finalmente!


aqui

A primeira coisa que fiz ao chegar a casa, mesmo antes de correr para o banho que este calor impõe: desligar o despertador. E quase o escondi num qualquer canto, para nem o ver, tipo bibelô, a lembrar-me que há horários.

E é com um prazer quase desmedido que assumo que, nos próximos tempos, a única obrigação será levantar o cu da toalha e ir ver que tal está a água.

Amanhã: compras. Os dias sem pio arrumaram com os livros há muito à espera de tempo para a leitura. E é essencial ter o que ler ou acabo, como de costume, a papar qualquer coisa com letras que me apareça à frente, até mesmo as VIP e Novas Gentes e até a Maria. Pior: pode dar-me para ler a Bola ou o Espesso. E, caramba, estou de férias. Quero ler qualquer coisa inteligente e digerível.

Já agora... que recomendam para leituras de verão?

2006-08-10

Bug


Cathy - Cathy Guisewite


Estou farta de coisas tristes e sérias na Voz. E, no entanto, parece que o bug da silly season se esqueceu de bater aqui à porta. Esta treta costumava ter mais graça, ou sou só eu que, com a idade, já me começo a rir das minhas piadas velhas?

2006-08-09

Crianças


Que estranha que me sinto!... Parece-me já não ter a minha voz... Parte de mim adormeceu e ficou a ver... O meu pavor cresceu mas eu já não sei senti-lo... Já não sei em que parte da alma é que se sente... (...) Para que foi que nos contastes a vossa história?

Fernando Pessoa - Poemas Dramáticos



São a nossa esperança. Celebram o futuro. Celebram a nossa continuidade possível num mundo que questionou todas as certezas, apeou Deus, fez da Terra um minúsculo grão de pó perdido e a prazo; num mundo que se apressa numa rota de colisão para a tragédia; num mundo de grandes clivagens e ainda maiores injustiças…

Em situações de caos, são sempre as primeiras a sofrerem; são os rostos inocentes e indefesos de todas as tragédias que nos ensombram o prime-time; são também o rosto da nossa culpa, a indiferença confrontada por olhos banhados de lágrimas.

Não era suposto serem criminosas, terem nelas o fel dos hábitos e dos desmandos dos adultos. E, não sendo adultos em miniatura - e disso convém não nos esquecermos - também não são seres tolinhos, sem entendimento. Não podem ser desculpabilizadas com pouco caso; não podem ser criminosas sem punição.

Ou não há futuro, nem esperança, nem fazem mais sentido os olhos banhados de lágrimas que nos partem o coração.

2006-08-08

Contra a rezinguisse...


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Quais filmes muito edificantes, ou livros muito densos, ou tretas que tais! Vou ali e já venho, "papar" de enfiada mais uns episódios (e são 26! Iupi!!!) do Conan, o Rapaz do Futuro.

Alguém se lembra?

2006-08-07

E eu ainda estou à espera do meu IRS...


Um Estado débil, incapaz de fazer cumprir a lei (pois se ele é o primeiro a violá-la...), beneficia os espertos sem escrúpulos e os poderosos que sempre arranjam maneira de se safarem. Mas é a desgraça dos que, por falta de recursos, não são capazes de sobreviver na lei da selva.
Francisco Sarsfield Cabral

Cada vez que penso no que sobra do meu ordenado depois de me comerem percentagens para aqui e para ali, a mais a prestação da casa que, de seis em seis meses, dá mais um pulinho; cada vez que me lembro como sou - em quase tudo que realmente pesa na bolsa - duplamente tributada, às vezes triplamente tributada; quando penso que ando a descontar para pagar as reformas da Cardona, do Mira Amaral e de todos os outros espertalhaços de quem ninguém fala; quando penso nas pensões vitalícias de mais de 300 políticos que não fizeram praticamente nada pelo País e por mim; quando penso na lista dos devedores, escarrapachada à boa maneira totalitária, sem que antes aparecesse a lista das dívidas do Estado e das autarquias e os seus prazos de pagamento superiores a dois anos; quando penso nas burlas, nos burlões e até nas diferentes Ordens Profissionais e na forma como, até elas, às vezes parecem demasiado laçadas a uma qualquer teta pública; quando penso em todos os que fogem porque podem, nos que fogem porque os deixam e na desgraça de quem, como eu, não pode fugir pedaço; quando penso nas barrigas fartas dos gajos do futebol e mais em todos os Planos Mateus e o raio que os parta... Ai que azia! Ai que nojo! Ai que vómito!

E o meu IRS? Onde estão as migalhas que me hão de devolver depois de me chularem o ano inteiro? Onde anda? Atrasado? Que ideia! Todos os anos avança um mês, mas não há de ser nada: aos que vivem à conta do Estado e dos meus impostos e sentam o cu na A.R. quando lhes dá jeito (ou inventam mais um lugar de assessor com ordenado chorudo enquanto mandam os coitados que estão lá em baixo, no cu de Judas dos privilégios, continuarem a sobreviver com ordenados congelados ou a aumentarem várias vezes abaixo a inflação), não deve faltar tostão para as férias que, se formos a ver bem, gozam todo o ano.

É azia, é. Uma azia cada vez maior e sem remédio. Talvez devesse emigrar... É que estou farta da lei da selva e de tanta macacada!


(e nem me falem mais na Gisberta, ou ainda me dá uma coisinha má...)

2006-08-06

Dúvidas...


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Com o calor que faz, como farão os gajos que usam barba? Será que põem as barbas de molho?

Desafio 'Voz em Fuga'


aqui

E é então que descobrimos que, afinal, nesse "durante", fomos capazes de construir pontes. Pontes entre os outros e nós, pontes entre países, entre continentes. Talvez pontes suficientes para, na calada da noite, cheios de pressa, respondermos ao apelo que nos chega e estendermos um texto pequenino, pobrezinho, a uma amiga, para que o seu blogue, a sua linda Galatea, não se vista de vazio.
Pigmalião, escrito para o Ad tempus


De uma forma ou outra, acabamos a dizer por "aqui" o que calamos "lá fora". De certa forma, passamos "aqui" tempos de silêncios bem mais complexos e ricos do que muitos dos discursos – tantas vezes apenas monólogos – que nos reserva a vida "do lado de fora". E ainda somos capazes de estender a mão, um texto, um sorriso, mesmo quando "lá fora" nos custam cada vez mais os sorrisos, os gestos de empatia. E acontecem maravilhas e pequenos momentos especiais.

Este blogue tem já algum historial no que toca a pedir palavras aos outros. Chamou-se-lhe desafios e vão pontuando o arquivo de partilhas. Se há coisa que me orgulha na Voz é esse conjunto de textos que tantos, sem nada receberem em troca, excepto o meu obrigada, me deixaram. E lembrei-me que a
Noite, há mais de um ano atrás, andando atarefada e sem tempo para preencher de letras o espaço a que – cada um há sua maneira – chama seu, pediu aos amigos um texto. Lembro-me que, na altura, também eu andava sem tempo e, no entanto, mandei-lhe o pequenino texto que está ali em cima.

E também já escrevi textos para o
Jorge (um deles em dez minutos… bolas! Porque será que ultimamente não consigo?) e para a Maria Árvore, num arremedo exasperado de qualquer coisa que só muito remotamente era erótico, num sinal óbvio de "a Hipátia quase a dar o tilt"… E para o Escritor Famoso, para a Elipse, para o Tozé, para a Jacky...

Vai daí, por uma daquelas associações de ideias que às vezes nos correm bem (e outras nem por isso), lembrei-me de vos propor um desafio. Mas qual? A inspiração não tem sido muita, o desgaste habitual deste pré-férias também não tem ajudado e, além do mais, tenho mesmo a certeza que andamos a plagiar alguém,
Old Man

Então, para não desmerecer o meu umbigo – sim
miga, é mais um ataque de umbiguismo – resolvi desafiar-vos para um texto com um mote que deveria ser meu, mas que já não sei mais por onde esticar:

Digam-me para onde foge a vossa voz!

(acho que não era bem o que estavas à espera,
Vague, mas fico à mesma à espera do teu)

(quanto a ti,
Claire, podes pintar)

Como de costume, podem pôr lá no vosso, que eu depois vou buscar para "compilar" :)

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Já cá estava um, mas agora há mais:



2006-08-05

Sim, continuo de mau humor


aqui

Não acho nada bem esta coisa de agora, por dá cá aquela palha, aparecerem as caras dos bloggers em qualquer lado. E, vai daí, a valquíria que imaginava sai-se parecida com a lambisgóia da minha vizinha do 3º esquerdo, o adónis parece o motorista do 21 e a avantesma afinal tem tudo no sítio, enquanto o cromo tem uns lábios para pedir beijinhos. Acho mal. Acho mesmo muito mal. Passam a vida a estragar-me a imaginação, porra!

2006-08-04

Para o E.A.



E ela quase, quase consegue :) Penso que é uma versão fantástica (especialmente pelo esforço em fazer aquela "volta" típica do fado) e achei que, no seguimento da nossa conversa ali em baixo, talvez gostasses de ouvir...

Amor à queima roupa


aqui

When you're tired of relationships, try a romance.
Quentin Tarantino - True Romance

Não consigo prender os meus interesses a fugazes visões de beleza. Esqueço um pôr do sol, por mais belo que seja, excepto se o engalanar de acessórios onde a memória e a beleza, já unos, se cristalizam. O mesmo para uma flor. Ou para uma obra de arte. Ou para uma figura qualquer.

E onde encontro beleza pode não ser belo para olhos alheios. É sempre um instinto, um reconhecimento íntimo. É um relembrar também. Porque podemos sempre adquirir e cultivar gostos, mas há alguns que nos são quase intrínsecos, como se apenas recordássemos o eco desde o mais longínquo de nós, como se Beethoven ainda soasse esfumado para lá das paredes do útero, ou o cérebro recordasse a cara amiga que nos embalava aos três meses de idade.

Eu gosto de olhos intensos, chamejantes. Figuras quase frágeis pejadas de força íntima. Mãos prontas a dedilhar, dedos finos, tendões e veias visíveis. É essa potência provável no corpo feito frágil que me atrai. A força íntima. O indomável. O ser para além do ser físico, torneado, musculado à pressa e em demasia. Gosto de gente onde só encontro defeitos e, no entanto, reunindo-os, encontro uma identidade própria, bela, sublime.

É que eu gosto de defeitos. Menos os olhos tortos e as unhas roídas. Mas gosto de defeitos. Especialmente se o são de forma equilibrada, como que desenhados por medida. Especialmente se a personalidade que transparece é bem mais do que o invólucro, é um todo apelativo.

Talvez por isso goste de cicatrizes. Vejo-as como marcas, mapas, história. Talvez estejam na minha história, lá atrás no tempo que conscientemente já não recordo, mas que enforma até hoje o meu gosto, o meu padrão de beleza.

E talvez por isso goste tanto do Gary Oldman no
True Romance.

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(um repost, a propósito de uma conversa com a Claire uns posts lá para baixo)

hmm...


aqui

Lembro-me vagamente de ter um companheiro de blogue...

2006-08-03

Ícone


Greta Garbo


a pintura do rosto chega a ter a nívea espessura de uma máscara; não é um rosto pintado, é um rosto rebocado (...) [que parece propor] um arquétipo do rosto humano (...) uma espécie de ideia platónica da criatura.

Roland Barthes - Mitologias


Acho que o uso da cor tornou a minha iconografia mais pobre...

Assombra-me

Haunt me
In my dreams
If you please
You're breath is with me now and always
It's like a breeze
So should you ever doubt me
If it's help that you need
Never dare to doubt me

And if you want to sleep
I'll be quiet
Like an angel
As quiet as your soul could be
If you only knew
You had a friend like me

So should you ever doubt me
If it's help that you need
Never dare to doubt me


Found at bee mp3 search engine


Já dormes? Estás a sonhar connosco ai? Vá! Vira-te para o lado e sonha. Sonha que estou ai e vem assombrar-me os sonhos, que estou para aqui sozinha, sem pio e fechada e não quero continuar nesta insónia, este mau humor que me permeia cada pedaço, esta raiva de saber que estás ai tão longe, nessa cama gemente onde os sonhos se acalmam. E eu para aqui sozinha, sem voz, fechada, a saber-te ai sem mim. E essa cama. Raios para essa cama! Corpo e meio de cama para ficarmos abraçadinhos e eu a saber que ela está ai e que estás nela e eu para aqui sozinha, sem pio, numa cama gigante silenciosa...

Estou farta da minha companhia!

2006-08-02

Parabéns, Cruzeiro


Posted by Picasa aqui


Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

Vinicius de Moraes

Apesar dessa saudade, desejo-te um dia o mais feliz possível. Aproveita-o!

2006-08-01

Não era só o Springsteen, E.A.

A Strange Kind of Love - Peter Murphy




Mal te li, lembrei-me logo deste. Mas também podia ser o Iggy, por exemplo. É que o Springsteen por mim podia continuar a ir a caminho do rio (oh oh oh down to the river, lalala...) e, de preferência, ficar por lá :)

Sun Tzu


aqui


A guerra poderá alguma vez ter justificação? E a guerrilha, parente pobre e suja da guerra? E o interesse de qualquer estado poderá alguma vez exigir comportamentos amorais? Ou serão antes eles rapidamente propostos, desculpando-se o uso de um "terror menor" contra um terror sob a alçada de legitimidade de um estado terrorista? E como se mede o terror? Em números de vítimas? Em números de vítimas evitadas? Ou apenas pelo silêncio dos que nem como vítimas se podem afirmar?

Já agora: ainda alguém se lembra dos Hutos e dos Tutsis? Dos Balcãs? Da Tchéchénia? Do Sudão? Da Indonésia pré e pós Timor? Das purgas do Chile? Dos Khmers? Do Afeganistão? Da recusa dos EUA em aceitarem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional?...

Será que alguém quer realmente lembrar como a História parece sempre capaz de lavar as morais das diferentes histórias? Vamos continuar a tentar apanhar e condenar todos os Noriegas e todos os Pinochets depois de eles perderem valia para as politiquices do costume?

As guerras alimentam-se a elas mesmas. São sorvedouros de interesses e calculismos. No fim, devoram tudo, numa corrida entre o nepotismo e o despotismo e, como sempre, apenas uns poucos lucram. E são, cada vez mais, uma questão mediática, um espectáculo de pirotecnia e sangue.

Mas, na verdade, parece-me que nem há aqui novidade alguma. Só mudam os lados vitimados e as dimensões das hecatombes.