2010-05-31

Dilema

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Está na hora de fazer sair à rua a sandalita e não consigo decidir-me: de que cor mesmo é que quero pintar as unhas dos pés?

2010-05-29

Avó

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Está em ti hoje toda a minha noção de eternidade, avó: uma eternidade que cabe na palma da tua mão enrugada; que está nessa essência que sou sendo parte de ti, parte da mãe que pariste e que me pariu a mim; nas pernas que herdei orgulhosa; no formato do corpo, no tom de voz, na falta de mariquices. Está nesta crença que tenho em mim de que repetirei os teus passos de forma nova, mas ainda assim com os mesmos caminhos. Está na evidência genética do que sou, esta coisa em que me transformo enquanto as minhas rugas, ainda tão diferentes das tuas rugas, se vão construindo em desenhos semelhantes.

Chegasse eu a ter essa mão feita pano enrugado, cinzelada a linhas de história e de crescimento, sei que seria muito parecida com o que és hoje: pequenina, frágil, com medo da morte que é cada vez mais como a vizinha que te pisca o olho todos os dias. Chegasse eu a essa idade, ia querer ter essas mãos sulcadas pelo destino. Chegasse eu à tua idade, queria ter uma palma da mão onde coubesse ainda a família, num retrato desbotado pelo tempo, quando o tempo ainda era medido em mais do que instantes.

É que sei que herdei nos genes isto que me faz tão parecida contigo, mesmo sendo tão diferente. É que sei que a eternidade se mede não num qualquer paraíso que tantos julgam intuir como verdade, mas sim na memória que os outros não querem perder de nós. E uma mão assim sulcada é uma mão eterna: já acariciou e foi acariciada por tanta gente que, ao ser tão amada, será eterna enquanto permanece indelével na memória daqueles que seguraste nas tuas mãos, contra o teu peito, no teu carinho.

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A minha avó fez anos no dia 26, rodeada por mais de meia centena de familiares e vários amigos. É a matriarca que mantém uma família de doidos unida, que merece que gente de Abrantes, da Guarda, de Lisboa e até do Brasil se desloque de propósito para lhe cantar os parabéns por uma vida longa e rica. É uma celebração a que dificilmente terei direito, eu que não tenho filhos nem esperanças de chegar aos 90 anos rodeada de tanta gente. E, no entanto, quando me vejo ao espelho, vejo cada vez mais traços em mim que mimam cada expressão e cada ruga da minha avó. Não seria um mau futuro chegar aos 90 anos lúcida e a saber-me tão querida.

2010-05-11

Labéu



You who speak of crowd control, of karma, or the punishment of god.
Let’s not chat about despair.



Expatriada

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Em dias como hoje, o País em geral e as televisões em particular, insistem em fazer de conta que eu não existo.

2010-05-08

Espaço

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E é que não gosto que me mexam, que invadam o meu espaço, sem convite ou provocação. Gente que se inclina, derrama cuspo e cheiro, enoja com visões de dentes tortos e pelos a sairem pelo nariz. O espaço necessário é a distância que vai do meu braço estendido em cumprimento e comprimento e a mão que se estende em direcção igual. Menos que isso é abuso. Invasão. E eu sou territorial e o meu espaço é o meu feudo. E reservo-me a armadura de mau humor indignado como convém.

2010-05-03

...and nothing else matters

Resumo alargado

E seguem... Ele, encostado,
Muito encostado e aquecido
Lá vai como se encontrasse
Um objecto perdido


António Botto, in "Reportagem"


E não há nada que me degele em igual medida a essa tua certeza - que encostas ao fundo das minhas costas enquanto me abraças, para que não me restem quaisquer dúvidas - de que, afinal, o Porto e o Benfica podem ficar para depois.

2010-05-01

Maias

© Rui Cardoso

Por sorte. Por fado. Por necessidade pagã de conforto. Ou por sentir o ar que vai aquecendo e o verde exuberante e os passeios possíveis à beira mar, pés descalços nas águas frias, enquanto a minha mão se aquece – e me leva junto – e se perde entre o morno dos teus dedos.