2005-05-31

Serralves em Festa

Serão 40 horas seguidas de música, dança, teatro, cinema, debates, oficinas, visitas guiadas e muitas outras actividades que o público poderá seguir, gratuitamente, entre os dias 4 e 5 de Junho, nos diversos espaços da Fundação de Serralves. Na sua primeira edição, no ano passado, o evento levou centenas de pessoas a circular pelo museu durante toda a noite, enquanto decorria no jardim uma festa de música electrónica.O programa deste ano volta a reunir um conjunto eclético de propostas, em que se destaca a presença do compositor Craig Armstrong, que colaborou já com Madonna, Bono e Massive Attack. A sua actuação terá lugar no campo de ténis, onde será acompanhado pela alemã AGF e por Vladislav Delay. No mesmo local, actuará também a Orquestra Nacional do Porto e, no auditório, o pianista Miguel Borges Coelho, que irá interpretar obras de Jorge Peixinho. No prado de Serralves haverá concerto da Mingus Big Band, criada pela viúva do compositor Charles Mingus. E, pela noite dentro, as alquimias de Soul Jazz Sound System e Tigersushi Bass System .


Não sei porquê, mas parece-me um excelente programa de festas para o próximo fim de semana...

A ver se mais alguém está de acordo :)

mais comPILAções

Post erótico - a propósito do desafio "comPILAções"

Lembras-te daquele imenso canavial,
onde nos encontrámos,
naquela tarde cinzenta?
Lembras-te como um olhar,
um simples olhar,
bastou para nos entregarmos?
Lembras-te da chuva,
a molhar os nossos corpos nus,
entregues ao mais puro prazer?
Lembras-te do sol,
que alguma deusa do amor
enviou para nos aquecer?
Lembras-te de olhar o céu
e pensares que nada mais existia no mundo
a não ser nós os dois?
Agora olho para esse mesmo céu
e pergunto-me onde estás
e como pôde a vida separar-nos...


E cá está o contributo do Zé Canas, prometido desde ontem...

Obrigada!

2005-05-30

comPILAções

Diz-me então que nome te dar. Por onde queres que te leve neste passeio imaginário. Que ruas do teu corpo deverão ficar com as marcas que me pedes e quando, quando o teu desejo eclodir, que mulher quererás então ao teu lado. Fala-me das vestes que tiro, das páginas de poesia que rasgarei no teu sexo, para que possa tragar um poema e guardar no meu hálito a chave de um soneto. Fecho-te então os olhos à luz e os pulsos ao movimento para que a percepção das carícias e dos medos se misturem com os anseios que me descreves. Vou lembrar-te do frio, para que sintas o tremor do gelo e as gotas de suor se refresquem no teu peito. Vou apagar-te da memória quem tu és, para que possas renascer na liberdade da criança amamentada pelos meus seios e para que morra inocente essa sede de outros néctares. Olha-me então pela vez última, antes que esqueças o que sou, antes que te vista e dispa rasgadamente na descoberta do teu novo corpo. Diz-me então que nome te dar. Como chamarei a esse homem que hoje dou à luz pela fantasia, para que quando te abandonares em gritos de mel, reconheças quem já foste e nomeies sem pudor o que afinal sempre quiseste.


O Post Erótico by Bastet :)


Obrigada!

2005-05-27

Palavras-beijo

(...)
Les idées pétrifiées devant la merveilleuse indifférence
d’un monde passioné
d’un monde retrouvé
d’un monde indiscutable et inexpliqué
d’un monde sans savoir-vivre mais plein de joie de vivre
d’un monde sobre et ivre
d’un monde triste et gai
tendre et cruel
réel et surréel
terrifiant et marrant
nocturne et diurne
solite et insolite
beau comme tout.


Jacques Prévert - Lanterne Magique de Picasso



As palavras são armas e são beijos e esta melancolia outonal em dia de Primavera faz-me, mais uma vez, questionar as suas valias.

Há dias em que prefiro as minhas palavras armas, armas contra o tédio, a indiferença; há outros que as prefiro beijos, sussurradas, carinhos partilhados em tom de intimidade.

Nunca sei em que dia chego ao blogue. Depende muito de como me correu o dia, do que leio antes de ter vontade de escrever, como leio, como sinto. Nunca fui capaz de temer a intimidade para onde as palavras me transportam. Mesmo sabendo que é mais uma percepção do que uma verdade; mesmo sabendo que posso estar errada, que as minhas percepções podem ser deformadas pelo tanto de ruído que este meio de comunicação acarreta, ou que a reacção comentada é, muitas vezes, uma reacção apressada, descuidada, virulenta.

O mal - ou o bem - é que leio nos outros o espelho das minhas reacções mais naturais a toda e qualquer figura com que me cruzo na vida. E, se gosto, as palavras são beijos; se não gosto, as palavras são bombas. Nunca me caiu bem os meios tons. Por isso, tenho também mea culpas a assumir quando recordo as palavras com que povoo as respostas e até alguns posts neste meu playground palavroso. Mas não me sei suficientemente forte para ser diferente...

Há dias em que me apetece dar uma palavra-beijo a alguém. Porque nunca temi (apesar de tanto e tanto) a intimidade das palavras dos outros. Mas também há dias em que trago comigo apenas e só palavras-bomba e mino o caminho de todas as palavras que alinhavo por aqui e as intimidades possíveis das palavras dos outros. As palavras apenas e só espelham os meus humores...

Uma vez disseram-me que eu era uma "missionária" das liberdades que defendo. Não pretendiam que fosse um elogio. E, no entanto, para mim foi elogioso. Porque tenho as minhas verdades e defendo-as como posso, como sei, com todas as palavras que conheço, com raiva, com amor, com sofreguidão, com a arte possível ou a exaustão do "não sei mais". As minhas palavras sempre foram comprometidas com aquilo em que eu acredito. E talvez por isso ganhem, tanta vez, um peso desmedido.

As minhas palavras são o meu feudo e têm as matizes de humor dos meus dias. São palavras-beijo, palavras-arma, mas também palavras-lágrima, palavras-sorriso, palavras-gargalhada, palavras-intimidade. Só assim faz sentido para mim continuar a espalhar tanta palavra neste espaço.

E hoje apetece-me agradecer as tantas de palavras que, desde Agosto, tantos de vós deixaram ficar por esta Voz perdida. E mando-vos palavras-beijos, porque mais não posso fazer...

2005-05-26

comPILAções

Post Erótico

Já me esqueci...
Da dança de luz por entre os teus cabelos.
Da roupa descendo pela tua pele.
Dos caminhos do teu corpo.

Já me esqueci...
Do sabor dos nossos corpos fundidos
Dos teus seios no meu peito.
Do meu nome num doce sussurro

Já me esqueci
Do teu suspiro trémulo
Do abraço ofegante
Dos nossos contornos nos lençóis abandonados.

Porra de amnésia.


O contibuto do PN. Afinal, o desafio sempre esteve em aberto...

2005-05-25

Hardcore


aqui


You are hardcore, you make me hard.
You name the drama and I'll play the part.
It seems I saw you in some teenage wet dream.
I like your get up if you know what I mean.
I want it bad. I want it now.
Oh can't you see I'm ready now.
I've seen all the pictures,
I've studied them forever.
I wanna make a movie so let's star in it
together.
Don't make a move 'til I say, "Action."
Oh, here comes the Hardcore life.
Put your money where your mouth is tonight.
Leave your make-up on & I'll leave on the light.
Come over here babe & talk in the mic.
Oh yeah I hear you now.
It's gonna be one hell of a night.
You can't be a spectator. Oh no.
You got to take these dreams & make them whole.
Oh this is Hardcore -
there is no way back for you.
Oh this is Hardcore -
this is me on top of you
& I can't believe that it took me this long.
That it took me this long.

This is the eye of the storm.
It's what men in stained raincoats pay for
but in here it is pure.
Yeah. This is the end of the line.
I've seen the storyline played out so many times before.
Oh that goes in there.
Then that goes in there.
Then that goes in there.
Then that goes in there.
& then it's over.
Oh, what a hell of a show
but what I want to know:
what exactly do you do for an encore?
'Cos this is Hardcore.


Pulp - This is Hardcore



(Tenho um fetiche com "extremidades" bonitas.

E gosto da ideia do "encore".

E pronto!)

2005-05-24

Alegria! Breve alegria :(



Tenho o CommentThis! de volta.

Ou talvez não...

Trelas


recebida por mail Posted by Hello



De uma forma ou de outra, existe uma mentalidade peculiar que acusa qualquer acto de inspiração "feminista" de querer suplantar e dominar o macho. Acrescentam, a mais das vezes, que tal é contranatura.

Fiquem descansados, não vou discutir nada disso neste post.

Na verdade, eu não estou com grande vontade de questionar nem o patriarcado, nem o matriarcado, muito menos qualquer movimento político-sociológico.

Mas, perante a imagem supra, questiono de boa vontade a pose de qualquer gabiru armado em machão. É que, doutrinas à parte, as mulheres lá conseguem quase sempre levar os "gaijos" pela "trela"...

E, como o tema é discutível, façam o favor de mandar bitaites na caixinha de comentários abaixo.

É que, caso ainda não tenham percebido, este é o novo desafio aqui na Voz.

2005-05-23

Perdoa, Cap...


... empurrar assim a tua "festa" cada vez mais lá para baixo, mas "isto" tinha de vir para aqui.

Eufigénio: disseste tudo! "Isto não pode ser tudo a mesma coisa, não pode, não deve, não pode".


Nem tenho mais palavras!

Anúncio

(...)
Fizeram-me a vistoria
levaram tudo a preceito
até me viram o peito
e um pouco mais ao fundo
cada qual na sua vez
e tal como veio ao mundo
(...)


João Monge - Fui às Sortes e Safei-me


Serve este apenas para informar que, amanhã, este blogue fica interdito a menores de 18 anos.

E só não fica hoje, porque o dia é do Cap e eu tinha que anunciar isto primeiro.

Para o Cap

Des draps blancs dans une armoire
Des draps rouges dans un lit
Un enfant dans sa mère
Sa mère dans les douleurs
Le père dans le couloir
Le couloir dans la maison
La maison dans la ville
La ville dans la nuit
La mort dans un cri
Et l'enfant dans la vie.


Jacques Prévert - Premier jour



Foto do Cap Posted by Hello



Destrui-te a beleza da foto, mas acho que foi por uma boa causa. Quem quiser, que procure o original do sótão do teu (re)prima, que é mesmo onde deve ser vista.

E a minha arte não é muita - como se comprova - a brincar com estas coisas das montagens de imagens e assim.

Mas também o mais importante é mesmo a mensagem que quero enviar hoje. E essa fica aqui, para que todos a possam ler:

- Beijo grande de Parabéns, Cap!


(As poucas palavras, são em tua homenagem, claro :))

2005-05-22

(...suspiro)


aqui


A sair a ferros, mas lá terá de ser:

Parabéns aos lampiões!


PS - E nem se atrevam a destruir-me a cidade mais linda do mundo!

Pensamento Positivo


aqui


Ali não há-de entrar bola alguma!




(Esperemos que entre pelo menos uma na baliza adversária ou lá se vão as virtudes do pensamento positivo...)




Adenda ao post:

Ora Foda-se!!!!!

2005-05-21

Random Art


Hipatia Posted by Hello


O meu nick, segundo o Random-Art (que descobri na Quinta-feira na Zu, coloquei no profile, entretanto deu erro e retirei) vem hoje - dia sem inspiração nem tempo -, aqui para a página.

Ainda estou à espera para ver no que dá "Voz em Fuga". Mas entretanto já vi que o Random-Art está a fazer sucesso.


(por acaso até acho que acertaram nas cores...)

2005-05-20

Amor à Queima Roupa

When you're tired of relationships, try a romance.

Quentin Tarantino - True Romance



Não consigo prender os meus interesses a fugazes visões de beleza. Esqueço um pôr do sol, por mais belo que seja, excepto se o engalanar de acessórios onde a memória e a beleza, já unos, se cristalizam. O mesmo para uma flor. Ou para uma obra de arte. Ou para uma figura qualquer.

E onde encontro beleza pode não ser belo para olhos alheios. É sempre um instinto, um reconhecimento íntimo. É um relembrar também. Porque podemos sempre adquirir e cultivar gostos, mas há alguns que nos são quase intrínsecos, como se apenas recordássemos o eco desde o mais longínquo de nós, como se Beethoven ainda soasse esfumado para lá das paredes do útero, ou o cérebro recordasse a cara amiga que nos embalava aos três meses de idade.

Eu gosto de olhos intensos, chamejantes. Figuras quase frágeis pejadas de força íntima. Mãos prontas a dedilhar, dedos finos, tendões e veias visíveis. É essa potência provável no corpo feito frágil que me atrai. A força íntima. O indomável. O ser para além do ser físico, torneado, musculado à pressa e em demasia. Gosto de gente onde só encontro defeitos e, no entanto, reunindo-os, encontro uma identidade própria, bela, sublime.


É que eu gosto de defeitos. Menos os olhos tortos e as unhas roídas. Mas gosto de defeitos. Especialmente se o são de forma equilibrada, como que desenhados por medida. Especialmente se a personalidade que transparece é bem mais do que o invólucro, é um todo apelativo.

Talvez por isso goste de cicatrizes. Vejo-as como marcas, mapas, história. Talvez estejam na minha história, lá atrás no tempo que conscientemente já não recordo, mas que enforma até hoje o meu gosto, o meu padrão de beleza.




Talvez por isso goste tanto do Gary Oldman no "True Romance".

____
imagem aqui

2005-05-19

What's The Fuss About?

ANNA:
What is it about men and nudity? Particularly breasts - how can you be so interested in them?

WILLIAM:
Well...

ANNA:
No seriously. I mean, they're just breasts. Every second person in the world has got them...

WILLIAM:
More than that actually, when you think about it. You know, Meatloaf has a very nice pair...

ANNA:
But... they're odd-looking. They're for milk. Your mum's got them. You must have seen a thousand of them - what's the fuss about?


Richard Curtis - Notting Hill


Sophie Marceau
(Foto: ALL OVER PRESS OCH AP)
Posted by Hello


Mas afinal qual é a razão de tamanho alarido? Serão as mamas da Sophie Marceau assim tão especiais ou é só por serem dela?

Ou será antes porque a bela se socorreu do velho artifício de mostrar um bocadinho de carne para garantir outras visibilidades?

Sim: que tem de especial esta mama? Porquê esta mama e não outra qualquer?

Cuspir para o ar


aqui


Mas que merda é esta de agora todos acharem que é fácil empatar ou ganhar no Bessa?

Só porque compraram uns bilhetinhos a mais, pensam que são favas contadas?

Cuidado com as surpresas, ora! Estão a contar com o ovo no cu da galinha e ainda vos sai galo...

2005-05-18

"Love will tear us apart"

(...)
You cry out in your sleep
All my failings exposed
And there's a taste in my mouth
As desperation takes hold
Just that something so good just can't function no more
But love, love will tear us apart again
Love, love will tear us apart again


Joy Division


E já passaram vinte e cinco anos... São mais do que os vinte e três que tinha no dia em que desistiu.




aqui

(mesmo em passo de corrida e sem tempo para muito mais, não podia deixar de lembrar Ian Curtis hoje...)



R.I.P.

2005-05-17

Inveja


aqui


Admito: não tenho grandes pretensões na escrita. O sonho sempre foi escrever o livro, nunca foi publicá-lo. Ter as letras por aqui (mal) ordenados sujeitas a escrutínio alheio, ainda é algo que me espanta. Quando dizem que gostam - e a verdade é que ainda sinto que posso acreditar nos comentários com que me brindam - fico surpreendida e agradada. Porque a maior parte das vezes não encontro qualquer valia no texto debitado. Os que mais gozo me deram escrever nunca foram os mais populares; aqueles para os quais desde o início olhei de lado, parecem ter caído em gotos insuspeitos. No final de cada semana, quando o "sitemeter" me devolve os resultados das visitas, espero sinceramente não ter pregado demasiadas secas e que a ortografia e a gramática não me envergonhem pelos tempos mais próximos. E isso já é uma conquista.

No fundo, ainda olho bem de lado para o que escrevo. Tento ter algum conteúdo, mas um blogue feito a olhar para o umbigo só pode ter mesmo um conteúdo desinteressante. Porque todos os umbigos perdem a piada. Porque chegará o dia em que já ninguém vai ter pachorra para me aturar as luas ou as sanhas, as inseguranças ou as manhas, as tusas ou os banhos de água fria. No fim, talvez me sobre um punhado - bem pequeno - de letras alinhavadas num dia de superior inspiração, já que todos temos 15 minutos prometidos e eu faço questão de ter o que é de meu direito.

Mas a verdade é que morro de inveja de quem escreve bem. Morro de inveja de quem tem uma perspectiva interessante, inteligente, pertinaz, sobre as questões que me interessam e nem sei bem como abordar. E, mesmo sendo a inveja um dos tais pecados capitais, não sei como contornar o bichinho de olhos verdes que me acerca os calcanhares. É admiração, como é óbvio. É reconhecer o mérito também. Mas é acima de tudo uma inveja pequenina, que amordaço para que não se transforme em mesquinhice. Estranhamente, será também uma inveja salutar, porque sempre aprendi alguma coisa com quem admiro à distância.

Aqui há uns dias, falamos os dois de asnos. Só vi depois de escrever o meu texto. E, ao fim da tarde, rabinho entre as pernas e a sentir-me pequenina, vinha para apagar a coisita que me tinha atrevido a escrever. Lá está: a banalidade do meu texto pesava-me, enquanto
outro me deixava verde. Verde de inveja por não ter sido eu a escrever assim. Mas quem nasce para peixinho nunca chega a tubarão...

E
o texto de hoje, então, deixa-me já para o verde bisga. Já não é só verde inveja. É uma cor de dor de barriga, misto de aplauso e cobiça. E o verde nem me vai bem...

Admito: tenho inveja dos textos deste meu
conterrâneo. Nada a fazer. Não é bonito, mas é verdade. E só me resta admiti-lo.


2005-05-16

Perfumes


Garmash - "Yellow Roses", aqui


Hoje ofereceram-me flores. Um lindo ramalhete de rosas amarelas. Esteticamente perfeitas, com as curvas todas no lugar e o desenho a condizer com a mais preciosa das aguarelas.

Recebi-as encantada, agradada com o gesto, orgulhosa de o ter originado. Um lindo ramo de rosas amarelas, num contraste perfeito com o verde dos caules e das folhas onde as haviam depositado, entre uma armação de rede em tons de castanho e verde. Perfeitas? Quase...

É que, como sempre, eram rosas sem cheiro a rosas. Rosas amputadas de perfume. Rosas inócuas, inodoras, sem espinhos também. Rosas que só o são pela metade, que se instalam na pupila mas que o nosso nariz não reconhece.

Serão rosas certificadas, como os pêssegos perfeitos e sem sabor. Rosas assépticas, embaladas em vácuo, pesadas e repesadas, mas sem o perfume que as distingue.

Olho à minha volta e vejo flores por todo o lado. Flores lindas, coloridas. Mas onde estão os cheiros? Que fizeram ao perfume das flores, enquanto as tornam cada vez mais perfeitas para o consumo rápido, até ao destino certo no caixote do lixo?

Ainda alguém seca flores? Ainda alguém as pendura no escuro, viradas para baixo, ou as prime por entre as páginas de um livro favorito? Ainda alguém espera, passados meses, reencontrar as flores já ressequidas mas de onde se desprende um vago odor de perfume de primaveras em flor?

Gosto das flores imperfeitas da beira da estrada. Flores onde a natureza se reproduz. Flores coloridas e perfumadas. Flores plenas.

Recebi um lindo ramo de rosas amarelas sem cheiro. Vou pô-las numa jarra e olhar para elas. Mas não vou ser surpreendida pelo seu perfume ao entrar em casa. Nem vou saber que lá estão. São flores breves, sem espinhos, sem cheiro. Facilmente esquecidas numa qualquer jarra. Flores sem memória de perfume. Imperfeitas na sua beleza inteira, porque decepadas da sua magia perfumada.

2005-05-15

Parabéns, "gaijo"

Vou entrar no novo ciclo com boas razões para me sentir optimista e é bom um gajo sentir-se assim, pronto para enfrentar qualquer desafio. Mesmo os desafios mais exigentes, pois a passagem dos anos confere-nos talentos que nem suspeitávamos existirem quando o entusiasmo se fazia apenas de vontade de fazer. Agora faz-se da vontade de fazer bem. Cada vez melhor.



Resisti a gostar deste “gaijo”. Parecia ser tão “gostável” que os meus instintos me mandavam ter cuidado. E a verdade é que lhe sigo os passos desde os inícios no Blogger. Andei sempre por perto e só bem tarde deixei o primeiro comentário. É que o “gaijo” tem pinta. Aliás, parecia-me ter pinta a mais.

E depois havia a questão da “corte”: uma caixa de comentários onde, de uma forma ou outra, todos pareciam ir ao beija-mão, mesmo que tal beija-mão viesse, por vezes, sob a forma de ataques rasteiros.

Demorei a comentar; precisei impor o meu espaço. Ele sabe já que vou sempre dizer o que penso, mesmo que seja contra a opinião expressa na posta ou nos comentários da maioria. Acho também que já sabe que não é – nunca é – um ataque.

Porque o mais engraçado nesta história é que, longe das caixas de comentários, ainda que também nelas, aprendemos o respeito mútuo e entabulámos os caminhos das partilhas de que se fazem as amizades.

Sou uma “gaija” desconfiada. Especialmente desconfiada quando o quórum da aprovação é demasiado evidente, quase forçado. Mas este “gaijo” ganhou a minha confiança, respeitando-me como pessoa, mesmo que nunca tenha escondido os dentes nem me tenha feito a mim esconder as garras.

Já antes lhe disse tudo o que havia a dizer. Ele sabe. E é por isso que hoje lhe mando um beijo e digo parabéns,
amigo.

2005-05-14

Lets look at the trailer


aqui


(A culpa é da Duende. A culpa só podia ser da Duende. As reclamações podem ser remetidas directamente para o blogue da Duende. Ela que lhes responda!)

1. Qual o último filme que viste no cinema?

"Uma Casa no Fim do Mundo", do Michael Mayer, baseado no livro Michael Cunningham (o gajo que escreveu o "As Horas") e que não vale um charuto.


2. Qual a tua sessão preferida?


Domingo ao fim da tarde, longe das confusões e das pipocas.


3. Qual o primeiro filme que te fascinou?

O "Bambi", obviamente :)


4. Para que filme gostarias de te ver transportado(a)?

A Duende já me "roubou" a hipótese "Pleasantville". Mas é, sem dúvida, um dos filmes onde gostaria de ir parar. E há também coisas como o "Strange Days", da Kathryn Bigelow, ou qualquer coisa do Kusturica, o "Gato Preto, Gato Branco, por exemplo.

5. E já agora, qual a personagem de filme que gostarias de conhecer um dia?

Ui! Tantos... Talvez as personagens "Brian Slade" e "Curt Wild", do "Velvet Goldmine", do Todd Hayes, baseadas respectivamente (e livremente) no David Bowie e no Iggy Pop dos tempos do Glamrock...

6.Qual actor(actriz)/realizador(a)/argumentista/produtor(a) gostarias de convidar para jantar?

Também só pode ser um? Para a sobremesa, o Ewan MacGregor ou o Ralph Fiennes. E há aquele senhor da foto lá em cima, como é óbvio. Podia trazer a "farda" e tudo...

Para conversas à mesa, não me chegam as teclas...

7. A quem vou passar isto?

Vi a Dona Vanus muito divertida a comentar na Duende. Por isso, é uma das vítimas, mesmo que o mais certo seja mandar-me bugiar. E também passo palavra à Vague e à Zu. Já agora, para não continuar a ouvir falar do monopólio do Gineceu, passo ao Androceu Espumante (mesmo devendo-lhe ainda a resposta a um inquérito destes)...

2005-05-13

Parabéns, Mar


As Cores do Mar


1998
100 x 60 cms
Acrílico sobre tela.
Da Isabel Magalhães, no seu À Rédea Solta
(descaradamente surripiado; espero que a Isabel me perdoe)



Disse-te alguma vez que fui feita à beira mar? Que me fizeram por alturas do S. João, bem planeada e desejada, numa casa onde as ondas embalaram o amor? Disse-te alguma vez que o meu avô jurava que os meus olhos eram os reflexos do mar em mim? E que as oscilações de humor são apenas como a rebentação das vagas? Ou disse-te sequer que gosto do sabor das lágrimas, que são o mar sempre comigo?

Este blogue foi comentado pela primeira vez no dia 29 de Agosto do ano passado. Dois comentários. O teu foi o segundo. E eu era, então, uma desconhecida a que podias não ter feito caso. Porque a Duende tinha acabado de me identificar. Mas tu não tinhas como. Guardo essa lembrança. E é um comentário que não fugiu, apesar de ter perdido tantos. Está no arquivo, para reler, quando tenho vontade de saber como principiou esta aventura. Até porque o post de então se chamava, exactamente, Voz em Fuga.

Espero ter encontrado para sempre a tua voz, o teu sotaque, o teu jeito meigo e a vontade de partilhar sorrisos. És um mar de ternura. És uma onda de bonança. És - acredito que és - minha amiga. E só nos vimos duas vezes. Mas há o ir e vir das ondas, um eterno regressar. E tu és mar.

Disse-te alguma vez que fui feita à beira mar?



(Um imenso beijo de parabéns, minha querida!)

2005-05-11

11 de Maio

Cancel my subscription to the resurrection.

Jim Morrison


Hoje foi um daqueles dias horríveis, que preferiríamos que não existissem, mas que se abatem sobre nós sem surpresa, nos esmagam completamente.

Acordei atrasada, o leite estava azedo no pacote, o café saiu aguado, o banho fez-me ainda mais sono.

Hoje o dia correu-me mesmo mal. O cabelo não queria ficar no sítio, o soutien que queria pôr não secou afinal e as calças teimavam em permanecer enrugadas… vou pela saia e as meias caríssimas, novas, rompem-se afinal ao correr da perna.

De todos os lados surgiam berros e gente insatisfeita e o trânsito e as lombas e os buracos em que acerto com vigor, fazendo o carro quase desconchavar-se.

Hoje tenho umas olheiras fundas na pele branca e um ar de mais dez anos em cima; e tenho a pele seca da noite mal dormida e das voltas e revoltas na cama, madrugada fora.

Hoje fui obrigada a fazer o que não gosto, porque falta gente, como de costume.

Hoje morreu alguém de quem gostava e nem me deu tempo para as despedidas. Hoje soube que alguém está doente e que uma amiga descobriu que o marido a trai com uma miúda.

Hoje olhava furiosa para o telemóvel e ele tocava e nunca era uma voz amiga. Hoje senti-me velha, cansada, feia, atropelada e esquecida.

Hoje, durante todo o santo dia, só queria poder voltar para o aconchego da minha casa, vestir o pijama e vegetar o dia inteiro, cabelo às três pancadas, sem tira-olheiras e sem batom. Hoje queria poder fechar a porta e não ser de nada, não pertencer a ninguém, fugir para o meu umbigo, esquecer-me de tudo e até de mim.

Hoje queria poder olhar para a tv e não achar que todas as mulheres são mais bonitas, mais magras do que eu, ou então ver nos rostos de cada uma o real transtorno de andar em cima de oito centímetros de salto o dia inteiro.

Hoje é daqueles dias em que me sinto pequenina e só me apetecia um abraço. Só isso: um abraço. Mudo. Que ninguém me perguntasse nada, nem dissesse nada, nem achasse nada. Não queria contar, não queria deixar que soubessem como hoje me sinto frágil e velha e feia.

E hoje vai ser uma daquelas noites difíceis, em que a solidão me vai pesar...

Hoje não era boa companhia para ninguém, mesmo que me tivesse esforçado tanto. Não era sequer boa companhia para mim.

Hoje foi o dia da peregrinação anual pela depressão...



(Mas, felizmente, tenho este blogue e, ali em baixo, estavam palavras de conforto e de esperança. Que souberam muito bem. Obrigada!)

2005-05-10

Re-Post

Whenever a hero has been born or passed back into the void, the place is marked and sanctified. A temple is erected there to signify and inspire the miracle of perfect centeredness; for this is the place of the breakthrough. Someone at this point discovered eternity.

Joseph Campbell, The Hero With a Thousand Faces



Num pulo de um beijo, no salto de um sorriso, na linha do horizonte, atei a ti a minha alegria. Do primeiro beijo até cada despedida; do espasmo, do tremor, do ter-te até ao cume dos sentidos.

Desde o suspiro soluçado até aos abismos de mim, meço-te ainda em cada passo. És espuma tacteada no meu ventre, meu útero partilhado, meu pedaço.

És sentido, gozo, mágoa, lágrima, gargalhada. És fim que não acaba, fantasma que me habita. És hábito, meu refúgio, minha desculpa. És a seca em mim e um regato. És nuvem, céu nublado e neblina matinal. Carne minha, chaga ainda, meu tudo.

Meu rol de intenções, minha promessa de vida, passos dados e caminho não trilhado. Meu aluno, meu mestre, minha miragem.

Ainda...



(Um re-post; uma nova epígrafe. Para encontrar algum sentido antes que o dia de amanhã se abata sobre mim...)

Valham-me todos os santinhos e mais alguns!


aqui

Há mesmo gente muito burra. Tão burra, tão burra, que nem sabe onde deve parar. Pior ainda, que não sabe que há músicas que ninguém quer ouvir. Porque não há mesmo pachorra para gente burra.

Tirando a hipótese de andarem à caça da única visibilidade possível aos enrascadinhos, porque raios estes asnos se mudam, volta e meia, para as caixas de comentários de blogues de gente inteligente?

É que a inveja misturada de burrice, mais as dores de corno sucessivas e amordaçadas, não conseguem explicar tudo, porra!



Post Scriptum:

Para que não haja dúvidas, declaro expressamente que adoro os meus comentadores e isto não tem nada a ver com eles.

2005-05-09

Encanecer

Abro um sorriso do tamanho do Mundo e prendo-me nos braços quentes da ternura.

Confesso um pecadilho com a inocência de uma criança e passeio os olhos pela tarde.

Remeto ao silêncio a canseira quotidiana, celebrando a vida engalanada nos rostos da esperança.

(ou a minha forma de responder a
este desafio)



Chamo-lhe curiosidade. A minha. Faz-me ficar atenta, desperta. Enche-me até hoje de prazer ao descobrir que cheguei a uma nova encruzilhada e, ainda assim, ser capaz de traçar um caminho.

Chamo-lhe sentido de humor. O meu. Há dias em que funciona e permite-me o desconcerto de me rir de mim e rir comigo e rir com os outros.

Chamo-lhe sentido prático. O meu. O tal que me leva ao cabeleireiro tingir os cabelos, para que as cãs não me pesem os anos que não sinto.

Chamo-lhe ainda esperança. A minha. Aquele optimismo pachorrento que, tanta vez, me faz sentir o corpo vivo e a vontade certa para os recomeços.

Como chamo também apatia. A minha. Uma que tolhe os movimentos, que se enfeita de gestos gastos e de rotinas onde aponho muitos dias sucessivos.

Chamo-lhe cansaço. O meu. Um que me impele para os silêncios no fim da tarde, para a necessidade de não pensar em nada, para o não querer sentir nada, para o deixar o tempo passar.

Chamo-lhe ainda medo. O meu. Muito medo de perder algum controlo sobre os passos que me sustentam. Ou medo da doença. Ou medo das perdas. Ou medo da solidão.

Chamo-lhe preguiça. A minha. Uma que me impede de telefonar mais vezes, escrever mais vezes, pôr conversas em dia mais vezes, sempre à espera da oportunidade que há-de vir e que, cada vez mais, me assusta quando não vem.

Chamo-lhe acasos. Os meus. Quando me confronto com questões sem resposta ou respostas sem questões. Quando o tecto me desaba ou um piano me cai em cima da cabeça. Ou quando a palavra do outro, a palavra certa, me perfura e magoa ou embala e conforta.

Chamo-lhe paz. A minha paz. Quando nada disso me importa e me sinto de bem com o mundo, cheia de força, cheia de sorrisos, cheia de fome de vida. Ou ainda que cheia de engulhos, com vontade plena de combater cada um deles, certa que a vitória é minha.

Chamo-lhe sofreguidão. A minha. Esta vontade de sentir plenamente, afogar-me em sensações, construir-me da curva do espaço-tempo e sonhar a imortalidade.

E talvez lhe chame também fé. Uma fé à minha maneira, apeada de dogmas e deuses vingativos ou sofredores, sempre castradores e injustos. Uma fé na fé, às vezes na utopia. Uma fé em mim, conquistada pelos anos que me pesam no corpo, mas deixam-me a mente ginasticada e, em alguns dias, em plena forma.

Se encanecer é envelhecer, então eu prefiro que me mirre o corpo, que me esclerosem as articulações, mas que as sinapses se mantenham vivas. A minha idade está mais na minha cabeça do que no meu corpo. Mesmo quando o corpo reclama. Mesmo que tenha até razões para reclamar.


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2005-05-08

Não vi pontes


Góis


Senti saudades apertadas de quem não foi. Muitas. Senti saudades das duas presenças que me rodearam noutro jantar. E, no entanto, senti-me ao mesmo tempo perfeitamente satisfeita por ter estes outros dois senhores- e que bem que eu estava para a fotografia que ninguém tirou - a rodearem-me desta vez.

Senti um reforçar de afectos também. Colei caras a mais vozes. Ri-me a propósito e a despropósito, cometi até a heresia de propor o silêncio às guitarradas.

Procurei as margens do rio e as pontes para as passagens. E não vi pontes em madeira. Pensei ser ninfa à beira rio; propus-me a aventura nas águas frias... Mas não tinha pontes.

Acabei num banho quente, bafejada pela sorte da tardia travessia para o vale dos lençóis e o vergonhoso acordar com a manhã perdida. Foram-se os banhos no rio, mas veio o quente da água. E não fui ver das pontes.


Não vi as pontes. E, no entanto, vi pontes sim. Outras pontes. Pontes feitas de palavras e sorrisos e gestos que confirmam todos os indizíveis, confirmam umas quantas suspeitas, prometem mais travessias.

E vi um percurso por terras da minha memória, um pouco mais vivo agora, que voltaram a ter cheiro. Mas são as vozes que me seguram. Vozes que reconheço. Vozes novas que passo a guardar no ouvido. Vozes-pontes até ao próximo...

Sono


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Depois hei-de vir por cá pôr as notícias em dia...

Para já, era só para afiançar aos mais preocupados que cheguei a salvamento, apesar do condutor...

2005-05-06

E a festa de anos que eu lhe fazia...


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Quarenta e quatro primaveras... raio de signo para nascer :)


(
Ele há mesmo quem não saiba escolher fotografias... e ainda têm a lata de dizer que não gostam das minhas. Pfttt!)

Agradecendo...


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Só mesmo para dizer "obrigada, Jorge", pela gentileza do convite e os exageros nos elogios.

(...e ainda bem que posso falar de "pilhas".)

2005-05-05

Botas


Hipatia Posted by Hello


Quando era pequena, usava botas ortopédicas. É que costumava juntar os joelhos e sentava-me sempre sobre as pernas, os pés virados para fora, os joelhos unidos na frente do corpo. Não fiquei com as pernas tortas, porque houve mesmo uma preocupação dos meus pais e da pediatra para que isso não acontecesse. Mas sei de muitas crianças com quem não houve esse cuidado. E é uma pena. Deve ser uma tristeza ter pernas tortas…

Eu odiava as botas ortopédicas. Faziam-me um calor imenso no Verão. E rapidamente aprendi a tirá-las, por mais laços e nós reforçados que lhes pusessem. Demorei bem mais tempo a aprender a calçá-las, ou melhor, a aprender a apertá-las. Acho que por pura teimosia. É que eu odiava mesmo as botas…

Apesar do ar angelical, também não era exactamente bem comportada, tirando quando estava doente, o que era quase sempre. E preguei alguns sustos à família.

Teria mais ou menos três anos quando resolvi fugir de casa. Uma precocidade assustadora, especialmente para os meus pais. Acho que eles nunca pensaram, quando resolveram ter filhos, que a mais velha iria fugir de casa antes de aprender a calçar as botas. Mas eu fugi. O meu pai foi à garagem, deixou a porta encostada e eu não me fiz de novas: ala a caminho de casa da minha avó. Lá estavam os meus primos e era, sem dúvida, bem mais divertido.

Convém dizer que a casa da minha avó ficava a um quarteirão de distância, pelo que o meu grito de Ipiranga não era grande fuga. E que esse quarteirão era cortado por uma mata, daquelas que antigamente pareciam existir por entre quase todas as casas, antes da fúria construtora aniquilar todos os espaços verdes. Havia – como há sempre – um caminho por entre as árvores que era o normalmente usado, porque poupava imenso tempo na deslocação entre as duas casas. Era esse que eu conhecia, porque a estrada era sítio para carros e só de carro a usava.

Lembro-me até hoje dessa aventura. Especialmente porque me entrou qualquer coisa para uma das botas, qualquer coisa que me picava o pé. E, como até sabia tirar as botas, sentei-me no chão e descalcei-me. Mas e depois? Bem, depois, como não sabia laçar os atacadores, fiquei sentada em prantos no meio do chão, à espera do socorro que tardava. Veio na forma do meu avô, desesperado. Lembro-me dos olhos dele – um azul, outro castanho – pregados em mim. E da minha sensação de conforto, porque estava finalmente salva e havia alguém crescido para me calçar as botas…

2005-05-02

um "até mim"


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Estou com a vida em suspenso e com muito pouco tempo – e muito pouca vontade – para me fechar numa sala, em frente a um computador.

Em algumas semanas, espero que as coisas já estejam melhores e conto voltar com mais força, mais paz comigo e com os meus demónios.

Vou continuar a visitar os blogues e, provavelmente, a actualizar o meu. Mas ando a precisar de guardar os meus silêncios.

Desculpem-me as ausências e este cansaço. Sou apenas eu, este mês – sempre terrível para mim – e as contas que vou fazendo à vida que tenho.

Que ninguém se preocupe muito; que ninguém me ligue muito.

Não é nenhum até já. É só um "até mim". Porque, se me perder de mim, como posso encontrar o caminho para os outros?

2005-05-01

Comfortably Numb


aqui


(...)
Até que um dia, corajosamente,

Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Miguel Torga - Liberdade



Águas paradas não movem moinhos, não é?

Quando já não há como olhar só em volta e o que está atrás é lastro em demasia;

Quando não se vê a possibilidade de progressão, só mais engulhos e armadilhas;

Quando nos querem calar a voz e já não sabemos como gritar a vontade certa;

Quando só a ruptura parece o caminho para nos encontrarmos de volta com o que somos, com o que fomos, com o que queremos voltar a ser...

Então tenta-se, mais uma vez, a fuga para a frente. "Quem muda, Deus ajuda!"

Não sou crente. Nem sei bem o que sou. Mas sei naquilo em que me estou a transformar. E, se não faço alguma coisa rapidamente, perco-me de mim.

Estou à deriva, mas não estou em movimento. Estou maniatada, castrada. Preciso correr o risco. Tentar esta vez. Talvez seja a última. Talvez esteja na hora. Antes que seja demasiado tarde e todos os medos que sempre tive de perder o controlo possível me agarrem de vez, me dispam de vontades, me segurem no confortably numb mudo e apático à espera que o peso dos anos resolva de vez o que não tive ou vontade, ou coragem para fazer...

Será que ainda sei como se faz?