2010-04-29

Dias barulhentos

«Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.»


Álvaro de Campos

Gosto de um certo tipo de silêncio que apenas advém da fartura. Vem depois de abraços, de saudades, de beijos e de partilhas. Vem e fica, por instantes. E é dele que vou alimentando os dias barulhentos em que quase me perco de mim e das coisas e das pessoas que me preenchem.

2010-04-26

Cumprir Abril

aqui

«A ala esquerda desta Assembleia parece recear a afirmação do sentido de nação, a ala direita parece temer o sentido do uso do cravo vermelho»

Aguiar-Branco, discurso na sessão comemorativa do 25 de Abril de 2010



Talvez Abril só regresse pleno quando os jovens que hoje já nem sabem bem o que foi Abril se transformarem no povo novo, herdeiro dos avós e bisavós que cantaram as portas que Abril abriu e saíram à rua quando foi preciso, depois de muita corda, depois da corda rebentar. Ficará então a minha geração de parêntesis, a geração que teve tudo para ser e não soube ser nada, excepto a geração que transformou os pobrezinhos mas respeitados em endividados sem respeito nenhum.

Aos jovens bem jovens de hoje pertence o amanhã: os cravos já não terão cheiro, as canções revolucionários o mesmo apelo que os hinos fascistas de antanho, os símbolos ficarão escondidos sob pó e teias de aranha, a pátria confundida com outro mito qualquer. Mas, por não lhes ser mais exigido que cumpram Abril, talvez finalmente Abril seja cumprido.

2010-04-19

2010-04-18

Parabéns, Deep




Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende…
A vida compra e vende
A perdição,
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!

Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de ser!

Miguel Torga - Pedagogia



Pronto: já me apanhaste :)

2010-04-16

Talvez



maybe I was born to hold you in these arms

E aninho-me e gosto de ninho. Deste espaço de aconchego onde volto a ser pequena e fraca e onde a ternura transborda por cada poro. Enrolar-me, encostar-me, deixar-me prender sem ser realmente prisioneira. Contornada. Amparada. Confortada. E enfrentar assim a insónia; e talvez ganhar.

2010-04-15

Se


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... o tesouro existe certamente, embora escondido por demónios brincalhões e continua impossível de encontrar nos labirintos das nossas perguntas e respostas...

Hugo Pratt – A Casa Dourada de Samarcanda



Ficar amarrado a imaginar o "e se" é pura perda de tempo, mesmo que por vezes seja muito confortável e muito mais seguro. De qualquer forma, sou demasiado velha para ainda perder tempo e demasiado nova para me conformar. No fim, sobram as surpresas e as mudanças, que me apanham sempre em contramão.

2010-04-14

Vez sem emenda

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Hoje (mas só hoje) podem chamar-me idiota. É verdade: idiota, estúpida, burra, parva, néscia, tudo iria bem (desde que não abusem, claro). Mas quem, senão uma idiota chapada, se deixa ficar em amena converseta dentro do carro com as luzes, os quatro piscas e ainda o rádio ligados? Pois aqui a idiota, além de maçar amigos, ainda tirou a família da cama para lhe ir dar um bocado de energia à bateria. E agora a idiota vai para a cama com a amarga certeza de que sim, o Gump tinha razão: stupid is as stupid does.

2010-04-12

Estou com frio!

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Acreditei no fim-de-semana e resolvi que, hoje, vinha festejar a prima, que parecia já ter chegado. E a gaja abalou outra vez, deixando um vento que corta, umas nuvens de ameaça e uma vontade de voltar à roupinha de inverno que já me preparava para arrumar.

2010-04-09

Complicómetro

«To see what is in front of one's nose needs a constant struggle»

George Orwell



Simplificar é um caminho muito complicado.

2010-04-08

As sandálias do pescador

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«O porta-voz do Vaticano, Pe. Federico Lombardi, refutou as denúncias do jornal alemão “Stern”, que [acusou] Bento XVI de ter arquivado a investigação sobre pedofilia ligada ao religioso mexicano Marcial Maciel.»

in Agencia Ecclesia


O tempo dos mitos e dos medos há muito que foi escorraçado pela razão e pela ciência, ainda que tanta vez a crendice ameace instalar-se até entre os que se julgam mais esclarecidos. Mas os rebanhos já não encaram a fé e a crença por medo do além, do diabo, do que poderá estar para além da morte, dos sussurros que se escondem nas noites escuras sem luzes municipais. A fé é agora opção, as regras da fé e os seus dogmas são escolhidos a dedo em função dos interesses de quem escolhe, os fiéis tornaram-se não praticantes (nunca vou entender o que isto quer dizer!), não há dízimos obrigatórios para sustentar toda a parafernália e a crise da crença alastra, açoitada pelas crises de vocação que deixam os conventos vazios, as paróquias sem pastor, as igrejas sem fiéis, os divórcios, os casamentos civis, os padres que fogem para casar, as seitas concorrentes, o agnosticismo crescente e o ateísmo sem sobressaltos.

No meio disto, há uma Igreja que também é um Estado, com hierarquias e intrigas, correntes que apoiam este e aquele, interesses políticos misturados e sobrepondo-se à vocação de encaminhar as almas. E onde há homens – onde há políticos – há bom e mau, há gente séria, há sacanas e, sim, há até pedófilos.

Sobre os ombros deste Papa cai hoje a responsabilidade de reestruturar a sua Igreja. Não me parece que seja homem para o conseguir. Há muito que a Igreja vive aprisionada nas suas leis eclesiásticas, nos seus tabus, nos seus dogmas, nos seus costumes. Sobreviveu assim durante séculos e é resistente à mudança: porque a mudança pode ser catastrófica nos impactos que tenha sobre linhas ténues de poder, quer o poder que detêm os homens que fazem ainda esta Igreja, quer o poder de continuar a ser "a" Igreja, com o seu chefe supremo a quem todos devem vassalagem (por mais simbólica), até os líderes mais ateus ou laicos.

E se o poder corrompe, no seio da ICAR pode corromper duplamente: em mais nenhum caso se poderia sustentar qualquer falácia com base do mito da infalibilidade papal. Como pode Bento XVI mudar seja o que for, ou corrigir até o que fez, se a sustentação para o que é e como é tem bases na tradição, nos dogmas, no costume, até mesmo nos actuais sustentáculos da própria existência possível e continuidade da ICAR num mundo que, cada vez mais, apenas a reconhece como símbolo enquanto lhe retira poder? O poder simbólico é forte, mas nada tem a ver com o poder que advém do medo que reuniu a humanidade sub sino.

No final do filme a que roubei o título, o novo Papa "comunista" prepara-se para abrir os cofres da ICAR e salvar o mundo. Na terra dos sonhos, é assim fácil. No mundo dos filmes, é possível abrir cofres só porque sim e não há casamentos entre pessoas do mesmo sexo, ou divórcios, ou abortos, ou contracepção, ou ordenação de mulheres, ou homens falíveis capazes de violar crianças. E mesmo que às vezes pareça que a hierarquia da ICAR vive num mundo de faz de conta, a verdade é que a realidade lhe bate todos os dias à porta. E é preciso lidar com ela. E é preciso lidar com pessoas - ordenadas ou não - que fazem o rebanho que resta.

Numa Igreja cujo poder se resume cada vez mais ao simbólico e a ser por tradição do que foi, como pode um Papa, ainda por cima reaccionário e conservador, prescindir da infalibilidade de todos os que o precederam, negar costumes e regras, baixar o véu da aparência da fé para mostrar as negociatas do poder e o feio que vem com elas e aceitar a mudança de alguma forma e feitio?

Sócrates e Sarkozy, Putin e Clinton, Blair e Mitterrand, Bush e Zapatero, bem como todos os outros que nem vale a pena aqui mencionar, preocupam e preocuparam-se sobremaneira com a imagem. A seus olhos, dela depende a sua credibilidade e o seu poder. Sobre os ombros do Papa, cai o dogma da sua infalibilidade, sendo que, se perde o controlo, não serão perdidas apenas as próximas eleições. Será toda a estrutura da própria Igreja que tombará e ninguém sabe o que pode aparecer em seu lugar.

A pedofilia existe em todo o lado. Não é um fenómeno exclusivo dos padres, ou sequer dos padres católicos. E os padres são homens. Que os julguem enquanto tais. Que julguem como homens quem escondeu e fomentou ou apenas permitiu crimes, quer fechando os olhos, quer de forma activa. Mas campanhas mediáticas de autos-de-fé em jornais ou na net são apenas reminiscências dos actos inquisitórios a que até a própria ICAR virou as costas. E reduzir a Igreja aos crimes de uns quantos é, no mínimo, redutor. E, por mais que não goste de Bento XVI, gosto ainda menos de Torquemadas laicos imbuídos de uma qualquer mania evangelizante.

2010-04-06

your hearing damage


Thom Yorke

pms

aqui

Hoje conheci um fdp que sei que bate na mulher: metro e meio de gajo, franzino, cabelo ralo e ar de sonso. Sinceramente não percebo como é que a mulher ainda não o meteu na ordem com uma sertã pelos cornos abaixo. Ainda se o gajo tivesse tamanho para meter medo… agora, uma coisa mal acabada de metro e meio? Era uma sertã, era. No mínimo!

(e um que tivesse dois metros também haveria de ser apanhado; nem que fosse a dormir, porra!, que a PMS ataca todos os meses)

(vou ali comer um chocolate...)