2004-11-26

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Have yourself a merry little Christmas,
Let your heart be light
From now on,
our troubles will be out of sight

Have yourself a merry little Christmas,
Make the Yule-tide gay,
From now on,
our troubles will be miles away.

Hugh Martin e Ralph Blane - Have Yourself a Merry Little Christmas (da BSO do filme Meet Me In St. Louis)


É nesta altura do ano em que mais me apercebo de como tudo está demasiado caro, ou então sou mesmo eu que estou a ganhar muito mal. Os sinais prometidos da retoma económica continuam uma miragem que parece apenas perceptível para os senhores incluídos nas listagens dos 13 por dia das nomeações governamentais. O próprio "tio" Cavaco avisou-nos hoje que até 2006 só ficamos é mais pobres... E se a minha carteira serve de exemplo, por lá os euros esfumam-se dia a dia e só uma ida ao supermercado deixa miserável o orçamento do mês.

Ainda assim, já cá está o subsídio de Natal, pago junto com o ordenado, para que a retenção na fonte suba para níveis estratosféricos e um terço do rendimento fique logo ali coarctado. Mas a conta no banco fica, sem dúvida, mais compostinha, pelo menos durante uns dias.

No entretanto, já destinei uma parte do ordenado ao pagamento anual do seguro do bichinho que, por falar nisso, vai ficar um ano mais velhito e eu não vejo como o poderei alguma vez pôr na reforma e passar a andar por ai a passear o tão desejado A3.

Outra parte vai para umas mini-férias na Capital, que estou mesmo a precisar retemperar forças para um fim de ano que já se prefigura de loucos. E sem qualquer possibilidade de férias durante as festas, como já souberam avisar. A amiga do costume vai-me aturar as trenguices, as mazelas, os traumas e as queixas várias e fazer-me, como sempre, recentrar prioridades. Acho que nem ela sabe o bem que me faz...

Mais uma fatia ficou já adstrita a todos os jantares de trabalho que a quadra natalícia nos impõe, onde é suposto estarmos todos muito bem dispostos e satisfeitos, concordando com todas as mordomias das chefias que, entretanto, se fazem sempre de convidadas e nem se dignam a pagarem o próprio jantar. Ah! e que também não se esquecem de mencionar que vão passar o Fim do Ano aos Alpes Suiços, ou algo assim, porque, como é óbvio, as limitações laborais só se impõem ao mexilhão.

Mais uma parte – de ano para ano mais minguada – vai para as compras de Natal. Como é óbvio, já ando a dar em doida com a dimensão da lista, sem conseguir perceber se será melhor diminuir ao número dos listados ou atacar da salto a loja dos 300. Mesmo que nem sempre a lembrança seja de grande qualidade, não será sempre melhor do que o pretenso esquecimento?

Os cd’s que queria comprar vão continuar nas prateleiras da FNAC; os livros também. Ainda não é desta que lhes posso chegar. Talvez com o prémio anual e o prémio que me devem. Mas esses não chegam tão cedo, pela certa, porque primeiro é preciso pagar aos tais chefes que querem ir de férias na Passagem de Ano. E, quando chegarem, talvez só sirvam afinal para acabar de pagar o que devo da Quadra Natalícia e para – finalmente – comprar os sapatos novos do bichinho que, coitadinho, já quase anda em meias de tão carecas que estão a ficar os pneus.

No entretanto, lembrei-me que, durante muito tempo – o tempo em que os filhos dos amigos ainda acreditavam no Pai Natal – fui incumbida todos os anos de secretariar o old Saint Nicholas, sendo o meu e-mail o destino de todas as cartas. Nesse tempo não tinha blogue, mas a ideia é a mesma: sintam-se à vontade para deixarem aqui a listinha dos presentes que gostariam de receber. Já sabem, pelo que expus, que para o meu lado vai uma grande corrente de ar nos bolsos. Mas nada nos impede de sonhar um bocadinho com todas as coisas que era suposto podermos ter, nesta altura em que todos os filmes, todas as músicas, todos os enfeites pindéricos dos centros comerciais, nos prometem a felicidade eterna, embrulhada em papel colorido e de laçarote dourado a tiracolo.

Quanto a mim, vou de férias, antes de dar em maluca de vez...

2004-11-25

issa!


issa! Posted by Hello


"se fosse mais novo, casava consigo..."

Olhei-lhe para os olhos tortos, para as unhas porcas em dedos sapudos, para o hábito irritante se ciciar constantemente uma música do Toy por entre os dentes amarelos...

Não! Nem a Eva, lá para os lado do Jardim do Éden, sozinha com o Adão e a serpente, esteve algum dia perante tal proposta!

Que se responde a isso?

Talvez contar até dez, de sorriso amarelo na cara e um ar levemente enojado, recordando a mim mesma que o silêncio é que é de ouro; a palavra é só de prata...

2004-11-24

Don't Give Up

.


In this proud land we grew up strong
we were wanted all along
I was taught to fight
taught to win
I never thought I could fail.

No fight left or so it seems
I am a man whose dreams have all deserted
I've changed my face
I've changed my name
But no one wants you when you lose.

Don't give up - 'cause you have friends
Don't give up - you're not beaten yet
Don't give up - I know you can make it good.

Though I saw it all around
never thought that I could be affected
Thought that we'd be last to go
it is so strange the way things turn.

Drove the night toward my home
the place that I was born on the lakeside
As daylight broke I saw the earth
the trees had burned down to the ground.

Don't give up - you still have us
Don't give up - we don't need much of anything
Don't give up
'cause somewhere there's a place where we belong.

Rest your head
you worry too much
it's going to be alright.

When times get rough you can fall back on us
Don't give up
please
don't give up!

Got to walk out of here
I can't take anymore
Going to stand on that bridge
keep my eyes down below.

Whatever may come and whatever may go -
That river's flowing
that river's flowing.

Moved on to another town
tried hard to settle down
For every job so many men
so many men no one needs.

Don't give up - 'cause you have friends
Don't give up - you're not the only one
Don't give up - no reason to be ashamed
Don't give up - you still have us.

Don't give up now - we're proud of who you are
Don't give up - you know it's never been easy
Don't give up - 'cause I believe there's a place
There's a place where we belong!




Kate Bush & Peter Gabriel - Don't Give Up
Found at bee mp3 search engine

Ainda a propósito do post de ontem...

Porque depois de cada eclipse, por mais negro que seja, há sempre um sol que volta a brilhar...


E porque não faz mal recordar a mim mesma o que significa.

2004-11-23

You gotta dance....

I see myself suddenly
On the piano, as a melody.
My terrible fear of dying
No longer plays with me,
for now I know that I'm needed
For the symphony.

Kate Bush - Symphony In Blue


Lembro-me de lhe ouvir os primeiros sons ainda estava na escola primária. Talvez até usasse umas calças à boca de sino enquanto mirava, fascinada, o teledisco do "Wuthering Heights" e via a Kate levitar e multiplicar-se em imagens de branco vestidas.

Lembro-me que andei à procura do livro na altura, mas só li realmente a Emily Brontë bem mais tarde, o que se provou sábio, já que há idades para compreender tanta dor, tanto sofrimento, tanta desdita: "Heathcliff / it's me / I'm Cathy".

Cathy? Kate? Duas Catarinas, plenas de forças e de dores, nunca domadas...

Lembro-me da gloriosa cabeleira ruiva e da voz fascinante e exótica. Como me lembro do ar babado dos meus primos a verem a figura semi-despida no teledisco do "Babooska", com a espada, o chicote, a parafernália dos diferentes fetiches adolescentes ou, até, bem mais adultos.


Em 86, aprendi a ser mulher forte, capaz de defender o seu direito à felicidade por sobre todas as desgraças, enquanto ouvia – como ouço até hoje, quando qualquer crise me quer domar os dias – o "Don’t Give Up" e invoco os amantes abraçados, Peter e Kate, lindos... "So!"

Faz parte do meu imaginário tingido de feminino, de sensualidade. Faz parte da minha adolescência, da minha iniciação na vida adulta. Sei até hoje que nos basta ser possível respirar – "in; out, keep breathing" – para nos sentirmos vivos, ou que não há mal em "waking the witch", porque todos temos uma bruxa, uma feiticeira, uma wicca, dentro de nós.

Como sei que há formas (formulas?) para tentarmos fazer um pacto com o Divino, se isso nos servir de conforto, nem que para tal seja necessário continuar "running up that hill". Sei também que quero – que sempre quis – para mim "a man with the child in his eyes" e que vou ter de continuar a enfrentar todos os "strange phenomena" que me surgirem nas esquinas da vida.

Quando ela calçou os seus lindos "red shoes" foi desaparecendo lentamente, como um "morning fog", deixando o panorama musical mais parecido com um "empty bullring". Mas existe sempre a ansiada promessa do retorno da menina-mulher-bailarina-cantora-diáfana.

Não, nunca desapareceu completamente. É ainda a suave aparição de voz singular, "moving" como só ela. Continuo a esperar-lhe o regresso enquanto aguardo que se cumpra a promessa de estar "home for christmas", "cloudbusting" ainda...

"you’re here in my head like the sun coming out"

E, se não sei tocar piano, há sempre um piano onde me sento. Lembro a Kate e sei que também faço parte da sinfonia da vida.

Obrigada, Zig Zag Warriors, pela Kate ao fim da noite; pela Kate ao raiar do dia...

2004-11-22

Jardim

Alguém diz:
"Aqui antigamente houve roseiras" -
Então as horas
Afastam-se estrangeiras,
Como se o tempo fosse feito de demoras


Sophia de Mello Breyner Andresen - Jardim


Envolta em trapos de frio, busco o jardim onde se escondeu a Primavera.

Tenho ânsia de vida feita de verdes e de luz e não esta quase morte de um mundo enterrado até à raiz hibernadora.

Aleluia

Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.


Rufus Wainright – Across The Universe


Conta-me uma história hoje, feita de esperança e de verbos. Conta-me uma história de embalar, com um final feliz garantido, plena de alegrias.

Conta-me como o espaço se faz tempo e são nossos. Conta-me da minha, da nossa, significância no Universo e como somos poeira mágica feita de estrelas e vontades e sonhos.

Conta-me como tudo é possível hoje, que acordei com um sorriso nos lábios e um bater de coração embalador.

2004-11-21

Been there; done that!

(...)
No I can’t watch the same mistake
Waiting for the boys to turn out straight
No I can’t run the same dog race
And get burnt like you
(...)


Skin - Burnt Like You


Quando pensamos que já temos alguns fantasmas bem arrumados nas prateleiras da memória, eis que um pequeno erro de cálculo, uma frase mais ao lado, e tudo volta em catadupas outra vez. Já não dói igual, óbvio, que uma década faz muito bem a todas as feridas. Mas sangra de novo. E como!

Não sei voltar a conviver com a morte em vida, com o sofrimento, a agonia. Não sei voltar a conviver com sentimentos ambivalentes despertados por desejos de morte ou de vida. Não sei voltar a prescindir da minha capacidade de auto-protecção, auto-preservação, contra o descontrolo dos egos, dos destinos, das vidas. Não sei voltar a lutar contra artifícios que dominam por completo os dias, sorvem dinheiros que não há, sorrisos que já não se tem, capacidade de sofrimento que se esgotou. Não sei voltar a ser a "única coisa saudável" de um Jonas há muito perdido nos fundos da barriga de uma baleia voraz, insaciável, dominadora. Não me sei capaz de perder a sanidade que tanto me custou recuperar, de encontrar a luz ao fundo de cada túnel de lutos, de ver vidas despedaçadas a escoarem-se lentamente, dolorosamente, da minha.

"Hoje não!" Nem hoje, nem nunca.

Been there; done that!


Sim. Já lá estive. Não foi bonito. Nunca é bonito.

Não volto. Não posso voltar. Já não sei ser muleta de ninguém, nem sequer de mim...

2004-11-19

Abraço


Abraço Posted by Hello



Às sextas-feiras dá-me sempre uma ânsia imensa de distribuir abraços, procurando os reencontros que as horas espartilhadas da semana condenaram ao adiamento.

Não sendo muito táctil por natureza – nem beijoqueira sequer – as proximidades dos fins-de-semana atafulham-me de mimo. E esse mimo precisa ser distribuído.

So beware!


Como a delicadeza estava de férias pelas alturas em que fui fabricada, sugiro alguma protecção aos alvos dos meus afectos extemporâneos.

É que sempre gostei de me vestir de preto e branco...

Bom fim de semana a quem por aqui passar :)

2004-11-18

Quimera

(...)
Achar procuro a lúgubre quimera,

A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."
(...)


Edgar Alan Poe – The Raven (tradução de Machado de Assis)



(Se eu fosse uma lágrima, queria ser chorada em alegria. Se eu fosse uma dor, queria ser um parto de luz. Se eu fosse um sorriso, queria-o chorado. Se eu fosse feliz, sentir-me-ia idiota. Se vivesse em tristeza, seria sandice.)

Fizesse eu da vida uma festa e o tempo ser-me-ia insuportável, pois não saberia dar valor às pequenas alegrias.

Fizesse eu da vida um rito fúnebre e o tempo pesar-me-ia arcos de angústias, toneladas de fado.

Fizesse eu da bonomia a esperança das alvoradas e não encontraria lugar para as dores que me provam estar viva no aconchego das noites.

Soubesse eu equilibrar contrários.

Soubesse eu diluir os extremos e encher o espaço de cor.

Pudesse eu ter os meus negros raiados de esperança e o meu arco-íris amortalhado em tons quentes e brilhantes.

Pudesse eu viver sem fantasmas de futuro ou quimeras de passado.

Soubesse eu ser mais do que dona de um optimismo tresloucado mascarado de melancolias.

Vivesse eu outra vida e os erros seriam os mesmos. E as certezas também. "Nunca mais!"

Para a Maré


Maré Posted by Hello


Porque há pessoas que são raios do sol na vida de quem se cruza com elas...

Porque há pessoas que nos fazem ser melhores, nos ensinam a ver o mundo da forma certa...

Porque há pessoas imprescindíveis pela doçura que nos transmitem...

Para ti, Maré, com o meu beijo.

(assim pequenino, porque para grande bastas tu)

2004-11-17

R.I.P.


John Balance Posted by Hello


Was all in vain? Or did you cry?
No need to ask
You now the living, me now the dead


Coil - Tenderness Of Wolves


Morreu, dia 13 de Novembro, John Balance, co-fundador dos Coil, alma dos Current 93, músico grande e quase desconhecido, infelizmente.

Morreu em casa, tragicamente. Tinha bebido demais e caiu do cimo das escadas, batendo com a cabeça.

Depois de uma vida vivida no fio da navalha, tombou assim, de forma quase anedótica, dolorosamente inoportuna, numa altura em que se preparava para criar mais um pouco de música experimental, estranha, assustadoramente fascinante.

Morreu outro dos meus músicos de eleição. Parecem ir tombando todos, como cartas frágeis perdidas nos baralhos do destino.

O mundo da música está, sem dúvida, muito mais pobre. Os meus ouvidos, a minha alma, também...

Foi tudo em vão?

Não!

2004-11-16

Desnorte

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

Maria Teresa Horta - Poema Sobre a Recusa


Sem rumo, suspiro num esgar sorridente mascarado para o mundo, enquanto busco a bússola que me guie.

Sem ti, meu astrolábio de desdita, minha caravela de esperança, mais perdida fico, mais perdida estou.

Não há rotas; não há mapas.

E não chegas sequer a ser terra da boa esperança, escondida nos desenganos dos dias.

Só a busca. Só o desnorte. Só a recusa...

2004-11-15

Damaged

Crooked spin can't come to rest
I'm damaged bad at best

Elliot Smith – The Morning After


Haverá ainda conserto para tudo o que se partiu há muito dentro de mim? Ou a condenação eterna a viver na sombra do que já não volta? Ou o ver a vida a passar, levando os outros, qual eléctrico à moda antiga, com passageiros pendurados em cada esquina?

No espaço de uma palavra, sou buraco negro, voragem. Tudo gira à minha volta e sinto-me imutável nos desconfortos, nos secretos anseios desmedidos, nas coisas simples.

Tenho a vida a saldo e não há quem lhe ponha preço, a remate, a leve num eléctrico apinhado onde eu siga também, simples etiqueta de instruções para lavar a frio.

2004-11-14

Poses

Once you've fallen from classical virtue
Won't have a soul for to wake up and hold you


Rufus Wainright - Poses


Da música não vou falar, mesmo tendo sido a música magistral. Falo antes da atitude, da simpatia. Falo da surpresa pressentida em quem vê a casa cheia. "Uau!" Sim, uau!, quando as luzes iluminaram a assistência e mostraram a casa à pinha. Um uau! para nós, que o fomos ver, bater palmas, pedir mais. E acho que o conquistamos logo nesse primeiro momento e de como isso ficou notório nas promessas sucessivas do regresso com a banda.

Falo das histórias. Da conversa que minguou a sala, a fez acolhedora, tornou as cadeiras suportáveis. Falo da delicadeza e da opinião política que há sempre espaço para expor. Falo das três vezes que regressou ao palco e de uma voz que não se cansa, um vozeirão sem artifícios, o cantar sem rede, a solo, perdido no meio do palco, sem se esconder nem atrás do piano, nem atrás da guitarra. Falo das pernas abertas para melhor sustentar o corpo, ou de uma mão que se ergue do teclado para melhor ajudar a sustentar um agudo.

Falo do homem-menina (sim, menina, não há engano) e de toda a sua ternura, da quase vergonha com que confessava ser verdade escrever muito sobre pessoas que já morreram. Ou da forma como se mostrou agradavelmente surpreendido, depois do gelo da Holanda e da Bélgica, por aterrar num país que o faz sentir-se sexy. Ou da homenagem ao amigo morto, que não se coibiu de confessar que odiara, num misto de inveja e admiração, e a forma como encadeou a canção inspirada em Jeff Buckley no "Hallelujah". Ou a confissão envergonhada de ter escrito um solo de piano com que nos brindou aos catorze anos. Ou como os cabelos escuros da maioria do público lhe recordavam a mãe. Ou porque não vai aparecer vestido de Bela Adormecida - a tal a quem é prometida a felicidade eterna junto do Príncipe Encantado - na capa do álbum e prefere travestir-se de mulher violada que canta as suas lamúrias até à morte.


Ou se calhar até falo da música também, porque tudo foi música na Aula Magna. Até os beijinhos distribuídos sem pudor a cada entrada e saída de palco, como já tinha feito na FNAC do Chiado. Por ter cantado melancolia de bom humor. Da forma como cantou palavras simples que nos entram até ao coração, com um vozeirão que nos deixa sem ar. Ou como, no fim, ainda apetece dar colo, fazer festinhas, ao homem-menina que não tem medo das suas fraquezas, dos seus sorrisos, das suas mágoas e nos surpreendeu com um sorriso sem reservas.

(obrigada, M.J.)

2004-11-13

Ora!

Dedo mindinho,
seu vizinho,
pai de todos,
fura bolos,
mata piolhos...



Não entendo. É que não chego mesmo a entender o raio dos motivos por trás do nome de baptismo dos dedos das mãos. Um teve direito a ser polegar, nome pomposo e enrolado; outro, curioso, apontador de tudo e todos, apelidado de indicador; outro ainda, simbolizando submissões várias nas tradições mais dispares, calhou ser chamado de anelar; e há também o mindinho, nome tão estranho que nem me atrevo a pensar nas suas origens...

Agora o que não percebo mesmo é como um dedo tão jeitoso, que nos facilita tanto a convivência social quando nos passamos dos carretos e avançamos para bem longe do recato da civilitude, tem um nome tão pouco interessante como médio.

Ora! Quando o uso ou tenho vontade de usar, há muito pouco de médio nas intenções. Aliás, há tudo menos intenções medianas. É de uma clareza absoluta. Erguido, qual torre, é explícito na vontade e na intenção...

2004-11-11

I'm so bored with cowards


I'm so bored with cowards
That say they want
Then they can't handle


Björk – 5 Years


Ando pela net há já provavelmente demasiado tempo, mesmo que o blogue só exista desde Agosto. Na verdade, resisti a criar um blogue, enfronhada na preconceito de que eram demasiado umbilicais e que "matavam" uma diálogo mais alargado em termos de temas e de ideias. Porque os blogues são sempre de alguém e acabam por ser ou transparecer apenas quem lá escreve. Nesse sentido, será sempre o nosso umbigo o tema em discussão. Será sempre uma perspectiva tolhida à nascença por uma opinião. Ou pela falta de tema que cada um de nós pode representar, já que nenhum é assim tão maravilhoso, especial e as vidas prosaicas perdem muitas vezes a inspiração.

No entanto, é precisamente aquilo que me afastava dos blogues o que mais gozo me tem proporcionado. E, sim, acaba por ser libertador poder mandar bitaites sobre tudo e sobre nada sem ter de fundamentar em não sei quantos autores tudo o que me apeteceu dizer. Esta liberdade de escrita ao sabor da pena (ou da tecla, no meu caso) acaba por ser profundamente gratificante, no sentido em que nos sentimos realmente livres para dizer o que nos apetece, para defender o que achamos correcto ou tão só, como é o meu caso, reconstruir o hábito há muito perdido de manter um diário.

Sinto que, muitas vezes, acabamos voyeurs da vida alheia, ao mesmo tempo que a nossa vida também é observada. Mas agora eu também deixo ver. Antes, limitava-me a andar por aí como calhava, a encontrar espaços onde depenicava pedaços de vida dos outros que, no dia seguinte, esquecia.

Já li muita coisa; já entrei em muitos blogues. Houve vários de que gostei e, no entanto, nem sei lá voltar. Esqueci o nome, esqueci o endereço, esqueci até a língua falada.

Entrei em vários blogues que não tinham sistema de comentários. Em muitos desses, era exactamente onde me apetecia comentar. Entrei em muitos outros com uma lista infindável de comentários diários, onde já nem me apetecia voltar. Há muitos ditos famosos que abomino. Há alguns quase anónimos que venero.


Mas existe uma coisa que me irrita solenemente, nos blogues como na vida: gente aparvalhada que não sabe dar a cara quando se vira para o insulto fácil. Gente covarde e pequenina, que só prova que é incapaz de elaborar quer um plano de ataque quer um plano de defesa. Porque quem quer ir à luta de cabeça erguida, tem de saber que quem vai à guerra dá e leva. Comentários anónimos amarelinhos é que não!

E, não, não me aconteceu a mim. Parece que ainda não fui descoberta – felizmente – por todos quantos de alguma forma me guardam rancor. Mas vejo muita coisa por aqui, por esta net onde há os cães da história, mas também onde há lobos e gatinhos. E onde há ovelhas negras e anjos de todas as cores. E onde, infelizmente, também se encontram os reles bichos rastejantes de todas as espécies. O sintomático é serem esses bichos covardes sempre anónimos...

2004-11-10

Caminho

Si la muerte viene y pregunta por mi
haga el favor
de dicirle que vuelva mañana
que todavia no he cancelado mis deudas
ni he terminado un poema
ni me he despedido de nadie
ni he ordenado mi ropa para el viaje
ni he llevado a su destino el encargo ajeno
ni he echado llave en mis gavetas
ni he dicho lo que debia decir a los amigos
ni he sentido el olor de la rosa que no ha nacido
ni he desenterrado mis raices
ni he escrito una carta pendiente
que si siquiera me he lavado las manos
ni he conocido un hijo
ni he empredido caminatas en paises desconocidos
ni conozco los siete velos del mar
ni la canción del marino
Si la muerte viniera
diga por favor que estoy entendido
y que me haga una espera
que no he dado a mi novia ni un beso de despedida
que no he repartido mi mano con las de mi familia
ni he desempolvado los libros
ni he silbado la canción preferida
ni me he reconciliado con los enemigos
digale que no he probado el suicidio
ni he visto libre a mi gente
digale si viene que vuelva mañana
que no es que la tema pero si siquiera
he empezado a andar el camino


Miguel Huezo Mixco - Si la Muerte


Há tanto ainda por viver!

Vejo o caminho adiante e espero ter em mim a força para o viver plenamente.

(Às vezes ainda sinto que tenho tudo por viver. Junto assim forças para recuperar o bom dos dias e arquivar algures o que de menos bom acontece...)

2004-11-09

Enxaquecas

São dores de cabeça recorrentes, uni ou bilaterais, acompanhadas de náuseas, vómitos, fotofobia (sensibilidade à luz), distúrbios visuais ou auditivos, possuindo a característica de durarem de minutos a horas ou mesmo dias. Ocorre mais frequentemente em mulheres jovens. Se os distúrbios visuais (escotomas, flashes de luz) ou auditivos ocorrerem antes da cefaleia, chama-se enxaqueca com aura, sem estes sintomas, enxaqueca sem aura.

Mais informação
aqui.


São dores brutais. Ando assim há uma semana. A constipação não tem ajudado, como é óbvio. Mas as variações de humor também não e a falta se sono ainda menos. Pelo menos acabei de descobrir que tenho aura. Ou, pelo menos, a minha enxaqueca tem...

É um círculo vicioso: não durmo porque me dói a cabeça e ainda fico com mais dores de cabeça por não ter dormido. Tenho frio por causa da febre e ligo o aquecimento. Mas o aquecimento, depois do antipirético fazer efeito, faz-me calor, o que me provoca mais dores de cabeça. Vai daí, ando às voltas na cama e não durmo. E a enxaqueca vem, terrífica, acabar com todo o sossego que ainda me pudesse sobrar.

Pareço um mocho cego pela luz. Pareço uma toupeira de olhos entreabertos. Penso que quem sofre de enxaquecas saberá bem do que falo, como cada raio de luz parece uma agulha a entrar-nos olhos dentro e a alojar-se nas nossas têmporas. E como todo o barulho quase nos provoca vómitos, como uma simples voz nos pode fazer náuseas.

Odeio estas enxaquecas terríveis, permanentes, que volta e meia se instalam na minha vida. Já tentei de tudo, ou quase tudo, desde as massagens às doses cavalares de comprimidos. Mas não passam. Dizem-me que é da rinite alérgica e que não há nada a fazer. Apetece-se sempre matar o médico quando se lembra de me dizer isso. E, na volta, sai-se com um "leve mais estes comprimidos" (claro que não comparticipados que é para o mau humor extrapolar depois da saída da farmácia) "que vai ver que lhe dão algum alívio". Alívio momentâneo, talvez. O resto do tempo continuo uma toupeira...

Isso faz com que ande num estado permanente de fadiga. Fadiga entranhada, um cansaço profundo. E eu, quando estou cansada, fico mal disposta. Só que a má disposição também me provoca dores de cabeça...

Vou mas é dormir...

2004-11-08

Frutos proibidos


Johnny Depp Posted by Hello


Muitas das nossas tentações poderiam ser vistas como uma apetência mais velha do que a História para aceder a tudo o que é proibido. Desde o tempo da maçã que o Homem não sabe resistir. E, por vezes, acaba viciado, porque quase tudo o que é proibido acaba por ser, de alguma forma, uma fonte de prazer.

É já um cliché dizer que as mulheres, quando deprimidas, se agarram a uma caixa de chocolates. Eu confesso que não sou muito desse tipo de mulher. Especialmente porque o chocolate não me está proibido pelo médico. Talvez por isso a grande tentação sejam amendoins salgados, ou pistácios, ou batatas fritas de pacote, daquelas carregadinhas de calorias e óleos e muito, demasiado, sal. A cada um o seu fruto proibido. E proibiram-me o sal...

Mas lembrei-me, ainda à conta das tentações e dos vícios, do filme Chocolate – e já agora do livro onde se inspira, como sempre bem melhor, mesmo sem o Johnny – e de como é fácil tentar a comunidade mais tradicional e conservadora em tempo de Quaresma. Basta saber encontrar a tentação certa, o fruto proibido de cada um.

Suponho que haja mesmo pessoas como a Vianne Rosher. Pessoas com uma habilidade natural para descobrirem nos outros o seu fruto proibido e, depois, ainda serem capazes de fazer esse alguém não se sentir culpado por o provar. Talvez por isso não haja condenação de qualquer tipo por a personagem, qual "dealer", fornecer chocolate em doses abundantes a uma diabética. Penso que se trata, no mínimo, de um dom: a capacidade de dar a outro a indulgência necessária para se permitir ter e dar prazer.

Por cada pedacinho de chocolate deste filme, surge um sorriso em nós. Por cada tentação, um reconhecimento. Em cada comportamento reprimido, um olhar para o espelho. Por cada exercício de vontade em direcção à liberdade merecida, encontramos um caminho.


Não, não é o Pleasentville, o meu filme favorito sobre frutos proibidos e como prová-los pode ser libertador. Mas o filme Chocolate, para ver agora no quente das casas enquanto o Inverno se arrasta, é o filme ideal para encontrar doçura em nós e no mundo.

"Tudo o que é bom na vida, ou engorda ou é pecado". E é bem verdade que o chocolate entra direitinho para a categoria do engorda, segundo a velha sabedoria popular e, no filme e no livro, para a categoria do pecado. Mas é um pecado tão doce que, em tempos em que todos os pecados ditos capitais, ou venais, ou o que quiserem, se encontram em grande forma, tingindo o mundo de vermelho sangue, não me chega a parecer pecado nem a gula, nem a luxúria. Quer num, quer noutro, encontro fontes de prazer. E, se um engorda, o outro bem que ajuda a queimar calorias...

2004-11-07

Tentações


tentações Posted by Hello



Seguindo a velha máxima que nos diz que uma imagem vale mais do que mil palavras, cá está o meu post sobre tentações.

Absolutamente tentador!

E não, não gosto de vodka...

(espero que gostes, Corpo Visível)

2004-11-06

Adagio


Concierto de Aranjuez





Vinha eu preparada para escrever um post sobre tentações e enganei-me na música. Pus a tocar o Concierto De Aranjuez, de Joaquín Rodrigo, interpretado pelo Paco de Lucia e... bem, há aquele Adagio, não é? Quem é que consegue escrever um post sobre tentações com este Adagio a tocar? Quem?

Eu não, admito. Apetece-me ficar a saborear o som daquela guitarra que se me entranha pele adentro. Há ali tanta doçura e ao mesmo tempo tanta dor. Há uma saudade profunda, um rodopio de emoções. Há um caminho traçado, esquecido. Há vontade de recordar. Há caminhos ainda não traçados e de que já se sente a falta. Há mistério. E uma melancolia agonizante por tudo o que se tem, tudo o que se teve, tudo o que ainda se há de ter.

Há tormenta. Há paz. Há solidão. Há paixão transbordante. Há encontros e desencontros.

Dizem alguns que este concerto é uma obra popularusca e sentimental... Seja! Há dias em que me sabe muito bem ouvi-la. Talvez porque eu não tenho nada contra o popularusco e sentimental. Ou tão só porque não preciso dizer que gosto só de coisas demasiado complicadas que ninguém entende e, depois, remeter-me a análises críticas apenas acessíveis, como uma piada grosseira, a um grupo fechado e pequenino, barbudo e anódino, com manias de intelectual, como grande parte dos críticos seja do que for que conheço.

Gosto deste concerto. Muito. Faz-me bem. É uma vida em mil acordes.

2004-11-05

A Um Loiro Especial

Quando entrei na faculdade de Letras não logrei engrossar a magra lista de população masculina que ali frequentava as aulas. Na realidade, havia mesmo aulas onde estava sozinho com muitas meninas, outras onde tinha mais um, ou dois, no máximo três, colegas. Até aí não existia grande problema, é certo. O pior eram as meninas.

De cabelos castanhos mais ou menos sempre apermanentados, espigados, grossos e informes, vestiam calças de ganga nova sem marca, largas nas ancas já de si generosas e a afunilar nos tornozelos criando o efeito de saca de ervilhas virada ao contrário. A finalizar o local onde deveria estar o laço a atar a boca da saca, calçavam sapatos sem cor e sem salto, em tudo parecidos com os dos homens, salvo no número. No Inverno usavam camisolas grossas tricotadas por elas próprias no intervalo do estudo, cremes, verdes ou mesmo encarnadas com um desenho em relevo na parte da frente a cor de rosa, habitualmente de um ursinho, mas não era obrigatório. Por baixo um camiseiro branco do qual só apareciam os bicos da gola, bordeados com uma rendinha grená. No Verão, camisas brancas ou às riscas metidas para dentro da base da saca. Muitas vezes era possível ver por inteiro o camiseiro do qual já conhecíamos as golas.

Nas faces destituídas, ignorantes, na verdade, de maquilhagem, brilhavam algumas borbulhas, e as olheiras negras e fundas denunciavam as horas roubadas ao sono para completar ignóbeis trabalhos levados a cabo com afinco.

Nunca saíam à noite, não bebiam álcool, muito poucas fumavam cigarros, não iam ao cinema, e embora estivessem num curso de literatura, olhavam-me com estranheza quando me ouviam afirmar que andava a ler um livro que não constava de um qualquer programa. Porque elas não concebiam que se tivesse prazer em ler. Referiam-se à faculdade por "esta casa". E andavam sempre a copiar citações que lhes diziam ser importantes. Penso que em casa produziam, à mão, diversas cópias do mesmo. Para não se esquecerem.

O objectivo de todas era estudar muito, ter notas boas, fazer muitos trabalhos, terminar o curso. Nada de errado com isso, claro, se tal objectivo não se encontrasse tão isolado num universo desertificado de interesses. Penso que nem sabiam conversar, e escrever não sabiam com certeza e andavam sempre a correr atrás de um caderno qualquer. Duas ou três tinham um namorado na GNR. Ou um pai, já não me lembro...


Hoje, coloco aqui um texto de um amigo querido e especial, que um dia me contou os seus traumas enquanto um homem entre mulheres.

Quanto a mim, sobra-me, pelos vistos, o prazer de não ter frequentado a Faculdade de Letras, ou então acabava com um namorado na GNR, provavelmente a caminho do Iraque ou do Afganistão.

Mas admito que teria gostado muito de partilhar o curso com este meu loiro querido. Não vou dizer o nome dele, como é óbvio. Apesar de tudo o que é dito, ele merece a privacidade possível. É que nem gosta de blogues...

E agradeço-lhe a permissão para colocar neste cantinho um texto tão divertido e tão rico nos seus pormenores.

Para ti, meu amigo, se cá vieres, deixo-te aquele beijo especial que a distância faz tardar. E um abraço apertado de saudades. Que ainda saberei ser outra vez um "Papão", mesmo que tu me prefiras uma "Freddie". Sabes bem que tenho os dois em mim.

2004-11-04

Vícios


Vício Posted by Hello



Tenho alguns. Terríveis. Fumar é um deles. E, cada vez que me sento em frente a esta máquina infernal, os cigarros seguem uns atrás dos outros, ao ponto de lhes perder a conta. Inventei até um truque: passei a fumar uma marca difícil de encontrar. Impus a mim mesma só fumar desses. Vai daí, passei a comprar volumes...

Os outros vícios são mais privados ou, pelo menos, não sinto que os partilhe com muita gente: alguma música em qualquer forma e um bom livro em qualquer feitio; um chá bem quente em frente ao mar invernoso, enquanto leio o jornal; os muitos cafés sem açúcar que me aguentam o dia; as gargalhadas a despropósito, saboreando piadas que parece que só eu vi. Ou uma ida ao cinema, sem pipocas, em especial sessões tardias e com lugar marcado. Mas também o DVD de aluguer, para ver esparramada no sofá, embrulhada no quente de uma manta. Essa é a altura para outro vício, um feito de dramalhões alheios que me permitem chorar até lavar a alma com desgraças que não são minhas.

Depois há ainda os vícios que o recato me impede de descrever e esses são tão melhores quanto mais a imaginação se permitir livre. Não se partilham à toa, para encher texto ou deitar conversa fora. Contam-se em segredo, sussurrados, como um sopro quente ou um breve beijo.

E há a net e esta mania de conhecer gente nova, deixar-me surpreender de mansinho por palavras perdidas onde me perco também. Ontem a Mary John dizia como gosta de textos sentidos. E é isso: também gosto de textos sentidos, como gosto do cuidado com que se seleccionam os textos de outros por forma a partilhar um sentimento.

As palavras podem ser tão vãs, tão vazias... Mas são um vício. Um vício que me prendeu há muito. Há mesmo muito tempo. Tanto tempo que nem me recordo de não saber ler, de não saber escrever. E se as palavras podem ser um vício, se podem ser uma arma, são também o instrumento perfeito para dizer o que os olhos não vêem, mas o coração sente.

Sou viciada em palavras. Mais depressa largava os meus cigarros do que esta necessidade de fazer das palavras que encadeio as pontes para quem quero sentir próximo.

2004-11-03

Blasfémia

I don't want to start
Any blasphemous rumours
But I think that God's
Got a sick sense of humour
And when I die
I expect to find Him laughing


Depeche Mode – Blasphemous Rumours


Há dias em que imagino mesmo que Deus se anda a rir de nós. Hoje deve estar às gargalhadas, com as votações lá nos States. Porque deve ter mesmo um sentido de humor doentio para permitir que fique um banana daqueles, um louco ávido por guerra e por petróleo, nos comandos do país com maior capacidade militar e menor capacidade humanista.

Deve estar também a rir-se do corpo da Joana, que não aparece. E das filas nas urgências. E dos tantos mortos nas estradas neste fim de semana. E, já agora, das crianças que morrem de SIDA em África, ou das que morreram nas Caraíbas com o mau tempo. Se calhar, ainda tem uma gravação especial para se rir mais um bocadinho do japonês a quem cortaram a cabeça por ser japonês (se calhar Deus acha muita piada mesmo aos japoneses, a atender a Hiroshima e Nagasaqui); ou então está a rir-se ainda das crianças, pais e professores que morreram numa escola na Rússia...

Acho mesmo que Deus está às gargalhadas com o estado do mundo. Vai rindo. Dá cambalhotas de tanto rir.

E, quando eu chegar lá acima, também estou à espera de o encontrar a rir. Ou então a ver a bola no sofá... Provavelmente até tem o Benquerença ao lado. Por causa do nome, claro.

2004-11-02

Náusea

Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Carlos Drummond de Andrade - A Flor e a Náusea


O palco da intriga é o do costume. Orquestram-se rumores nos tempos mortos. Cauteriza-se a solidão abocanhando a vida dos outros.

O palco da intriga é o do costume. Uma esquina qualquer de um qualquer chat. Ou uma esquina de Messenger, que vai dar ao mesmo.

Contam-se pedaços de vida dos outros, que as deles são demasiado banais. Inventam-se estórias pelos outros, pois que a vida deles é sem história.

Violam-se segredos e até computadores alheios, ávidos de mais segredos que engrossem a intriga. E comenta-se e volta-se a comentar. E mandam-se pedaços de segredos de boca em boca, tecla em tecla, sem pudor.

Não importa que se viole a vida alheia, que se profane o íntimo de cada um. Há um rumor suculento, há uma intriga. E há sempre uma comadre disposta a contar um conto. Que inventa muitos pontos. Que todas as intrigas têm de ser bem cabeludas.

Tenho nojo!

Que se calem de vez os rumores nauseabundos que conspurcam a vida dos outros. Que se calem as intrigas de vão de escada, as comadres on-line e sem vida. Que se cale a besta invejosa, faminta de assunto em rodapés de lamúrias.


Que arranjem vida, pois se são tão avaras da vida alheia. Que deixem os segredos repousar. Que os murmúrios possam ser ditos sem temores. Que façam dos dias algo útil. Que se cale o fútil.

Gente ressabiada e mesquinha, sempre pronta a minar, contaminar, infestar, a felicidade alheia. Gente pequena, sem futuro e sem passado, invejosa de quem vive. Gente incapaz de guardar sigilo, mesmo quando sigilo se lhes pede. Gente feita fogo fátuo, com cheiro pestilento, de novidade velha ou nova em riste. Gente com demasiado tempo nas mãos, encarquilhada em desenganos, infeliz.

Não medem consequências. Não pensam em resultados. Horas seguidas na coscuvilhice, aviltando tudo e todos. Gente sem pudor e sem princípios, marias de muitos ais, marias sem moral.


(Hoje estou demasiado enojada! Há quem não mude. Há quem não queira mudar. Há demasiada gente peçonhenta e mal amada, amarga, indigesta. E o pior é que estes de que falo, são tal e qual pragas daninhas e multiplicam-se numa sanha destrutiva e visceral. Gente infeliz, incapaz de respeitar a privacidade e a felicidade alheia. Hoje estou mesmo muito enojada, que não há outra palavra para a náusea que me turva.)

2004-11-01

Está quase


Rufus Posted by Hello


É já dia 13. E eu vou estar lá...

A imagem veio daqui. O que vou ouvir, vem do coração e encontra sempre eco no meu.