2005-12-30

Parabéns, Misty


Madison County, Iowa


Um dia pediste-me que escrevesse sobre pontes e sobre amor. E eu disse-te que já não sei falar de amor.

Um dia pediste-me que falasse daqueles momentos em que temos de decidir jogar a vida, empenhar o futuro ou jogar pelo seguro, e eu disse-te que já não sei como encontrar esses momentos.

Um dia entraste no meu blogue e arranjaste o teu lugar por cá. Entraste na minha vida. E estás nos meus afectos, nas minhas rotas diárias.

Pediste-me para falar de amor e eu já não sei falar de amor. Pediste-me para falar de futuro e eu ando ainda à caça do meu. Pediste-me para falar de pontes...

Pois as pontes são estas, afinal. O saber que fazes anos e poder deixar-te aqui os parabéns. O saber que nos encontramos por entre as linhas cruzadas dos diferentes futuros possíveis, por mais improváveis, por mais distantes. E, atrás dos nossos écrans, construímos as nossas pontes.

Não te vou falar de amor. Tinha pensado em falar antes de amizade. Mas se calhar nem é preciso: ao construirmos estas nossas pontes, garantimos que de amizade não é preciso falar, basta antes apreciá-la, como eu aprecio ter-te ai desse lado da net, por perto sempre, amiga.

A ponte já está feita. E é nossa!

2005-12-29

Feliz Ano Novo


aqui


Não tenho tempo!

Já repararam que não tenho tempo, não é?

Se cada fim de ano é sempre caótico, este está a tomar proporções de hecatombe. Hoje sentei-me no sofá para tirar os sapatos e acordei passadas duas horas. Estar a levantar-me mais cedo uma hora não está a ajudar à festa, como é óbvio. Estar a sair tardíssimo do emprego também não. E dez minutos à hora de almoço não dão para nada. E este tiquinho depois de jantar muito menos...

Vão ficar por personalizar os meus votos de boas entradas em 2006. E lamento que assim seja. Mas agora tenho de escrever o post que quero ter aqui amanhã, como ontem aproveitei para escrever o post que queria ter aqui hoje. Um mesmo motivo: capricornianas teimosas e adoráveis.

Espero que todos que por aqui passam - particularmente os que por aqui foram deixando rasto e construindo um lugar - cheguem a este final de ano com a sensação de que foi cumprido plenamente, mas que agora se abre um novo horizonte de perspectivas. Que haja brindes na noite de ano novo e que haja esperança e sorrisos na manhã seguinte. Que cada desejo transformado em uva passa engolida à pressa, seja transformado em realidade e degustado com tempo e prazer. Que seja um ano melhor. Estamos todos a precisar de um ano melhor. Mesmo que o Cavaco Silva até ganhe as eleições, terá de ser um ano melhor. Que nos políticos há muito que já ninguém confia para mudar o Mundo, muito menos para nos dar felicidade. Essa é nosso dever procurar; é a nossa meta. E só a nós cabe empreender a jornada.

Desejo-vos a maior das felicidades. Mas também a consciência de que existe o outro lado, que há tristeza e há dor. Porque só podemos realmente apreciar o bom quando conhecemos o mau; porque o que nos é oferecido de bandeja nunca terá aquele gosto requintado da conquista árdua e do conhecimento adquirido.

Sejam felizes! Riam, cantem, pulem. Chorem quando for preciso. Atirem o mau para trás das costas e encontrem ainda motivos para sonhar. Encontrem-se convosco, mas não esqueçam de olhar o outro. Estendam mãos como estendem palavras por aqui.

No fundo, desejo a todos os que partilham comigo este cantinho escondido da net o mesmo que desejo para mim: um "nunca pior". Ou, como se costuma desejar por estas alturas e que deveria ser desejado a cada dia, que o melhor de ontem seja sempre o pior de amanhã. No intervalo entre o passado e o futuro, não se esqueçam de gozar cada momento.

Deixo-vos um sorriso. É a minha candura possível e aquilo que, provavelmente, melhor sei dar. Nunca fui beijoqueira na vida e os abraços não se dão, partilham-se. E, para esses, acredito que também chegará o dia.

Fiquem bem e até já :)

Parabéns, miga!





Estou aqui a olhar para a foto de duas "tolinhas" em cima de uma cadeira, enquanto esperam as doze badaladas que inauguram 2005... Todos os outros permanecem de pés bem assentes no chão. Nós começamos prontas para o salto, a caminho do futuro. E gosto quando partilhamos estas coisas.

Começamos 2005 às escuras, lembras-te? Mas começamos juntas. Este ano não vai poder ser. E vou sentir a falta do nosso abraço.

No entretanto, há o dia de hoje. E, tal como o ano passado, ofereço-te um mundo de luz. Mais pudesse, mais oferecia. Mesmo que também fosse bem capaz de oferecer ao nico umas tesouras e assim...

Beijo grande de parabéns, miga :)

2005-12-28

Resumo de um ano banal


Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento.
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.

Cecília Meireles


Não mudei de emprego, não troquei de casa, não troquei de carro. Fui aumentada abaixo da inflação, ganhei uns prémios, perdi outro por 69 pontos (cabrão de número!). Deram-me cabo do juízo e eu dei cabo do juízo a alguns. Mandei os médicos pastar e os remédios pela retrete abaixo. Emagreci uns quilos e tive de comprar roupa nova. Comprei uns sapatos novos para o carro. O mais longe que viajei foi Barcelona, mas a feira do sexo já tinha acabado. Não troquei de homem, fui trocando. Não me apaixonei nem me partiram o coração. Fui ao cinema como de costume. E fui para os copos de vez em quando. Aproveitei para visitar amigos, mesmo que as saudades não parem de aumentar. Quase morri por duas vezes. Chorei muitas mais. Ri-me desalmadamente sempre que pude. Insultei condutores e políticos, com a mesma vontade e igual vigor. Confessei pecadilhos e lidei com culpas. Pedi desculpas um par de vezes. Pediram-me desculpas a mim. Não fiz um filho. Nem escrevi um livro. Nem plantei sequer uma árvore. Fui mal humorada, cabra muitas vezes. Ofereci ajuda sempre que o soube fazer. Escondi-me da vida mais um bocadinho e irritei-me por deixar a vida passar. Senti-me velha. Senti-me jovem. Fui ingénua. Fui sabida. Fui teimosa e fui mordaz. Fui amiga, acho, mesmo que nos meus silêncios. Fui ausente, demasiadas vezes. Estive presente sempre que me pediram. Beijei sempre que pude e tive vontade. Irisei-me com um par de assuntos e não sei quantas palmadinhas na cabeça. Confundi-me. Perdi-me. Calei-me. Gritei de dor e de prazer. Chorei com as histórias dos outros. Guardei as minhas lágrimas, como de costume. Aprendi algumas coisas. Repeti erros velhos. Não sonhei o suficiente...

E não aconteceu nada de importante...

2005-12-27

Blogue chato


aqui



A Duende queixa-se constantemente de problemas de acesso à Voz. Mais alguém tem sentido dificuldades ultimamente? É que não sei o que se passa. Deste lado o blogue abre normalmente e nem sequer me dá qualquer tipo de erro de página.

Todas as sugestões são bem-vindas!

2005-12-26

Teia

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia - Auto-retrato



Quase sufoco na vontade que tenho de contar-te como foi. Mas fico calada. Não digo! Dou-te a provar o suave veneno da espera curiosa, enquanto me amofino neste silêncio que, por teimosia, escolhi.

Presente de Natal




Este meu presente é só para os que clicarem primeiro no embrulho. É que está quase esgotado e a próxima remessa é só para o ano...


____
imagem original aqui
(tks Babs)

2005-12-24

Natal


ecardmania

A todos os amigos novos que se juntaram ao longo deste ano à fuga da minha voz do silêncio que a agrilhoa e a todos os amigos antigos que, por aqui, continuam a acompanhar-me neste rasgar de todos os silêncios, desejo o melhor dos Natais.

Obrigada por estarem por ai!


Sufjan Stevens - Come On! Let's Boogey to the Elf Dance

2005-12-23

Consoada

Soa a palavra nos sinos,
E que tropel nos sentidos,
Que vendaval de emoções!
Natal de quantos meninos
Em nudez foram paridos
Num presépio de ilusões.

Natal da fraternidade
Solenemente jurada
Num contraponto em surdina.
A imagem da humanidade
Terrenamente nevada
Dum halo de luz divina.

Natal do que prometeu,
Só bonito na lembrança.
Natal que aos poucos morreu
No coração da criança,
Porque a vida aconteceu
Sem nenhuma semelhança.


Miguel Torga - Natal


Teria que esquecer-me de mim para esquecer cada Natal. Do ir - friorenta, ano sim ano não - a casa de uns avós sem mais netos. Ou de ficar, nos anos de permeio, na confusão magnífica da família grande. Teria de esquecer o barulho que fazíamos, os jogos que ficavam para depois da meia-noite. Teria de esquecer as confidências e as inconfidências ou a forma como devorávamos os doces pela madrugada. Teria de esquecer que já fui criança. Que havia lareira e doces e brinquedos. E os primos e as primas, além da irmã. Teria de esquecer uma casa que já não é nossa, a família que se foi dividindo por casas novas e famílias novas e novas crianças, com novos brinquedos.

E, no entanto, amanhã à noite haverá casa cheia e doces e bolos e lareira. E crianças a brincar. E jogos depois da meia noite. Confidências e inconfidências, como de costume. Será noite de consoada em casa de família grande...

Porque será que já não sabe ao mesmo?

2005-12-22

Estranheza


aqui

Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.

Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito, ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha tristeza é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

António Ramos Rosa - Uma Voz na Pedra


Estranho mesmo é, na virtualidade, tanta gente me elogiar a gargalhada. Mesmo aqueles que nunca a ouviram...

2005-12-21

Ai o caraças!


aqui


Sou tão lerdinha! Só hoje percebi quem era o tal de António que tinha sido assassinado e havia mais candidatos ao crime do que jobs para os cartõezinhos cor-de-rosa.

Um pouco mais de azul




Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá Carneiro - Quase


Antes do Entroncamento, existia a 1 Pouco Mais de Azul. Ou a Azul. Ou - de forma mais carinhosa - a Azulinha. Depois do Entroncamento, existe apenas a Zu. O que mudou? Quase nada. E, no entanto, mudou tudo. A Zu é bem mais do que um simples nick. Tem cara, olhos, sorriso. Tem uns olhos azuis da filhota atrelados. E tem as outras Mosqueteiras atreladas também. A Zu é o ponto de passagem maravilhoso que é possível cruzar por vezes na net, quando deixamos de lado as máscaras onde tentamos esconder o nosso anonimato e passamos a ser mãos estendidas, prontas para afectos.

A Zu faz mais um aninho. E foi neste aninho que aprendi a conhecê-la. De certa forma, penso que foi um aninho que lhe fez bem. Anda mais perdida da net, escreve cada vez menos... Mas completou um percurso que a prendia a demasiados papéis e a demasiadas teclas. E deu uma volta por dentro também, acho.

Penso que a Zu não lamentará celebrar este novo ano. Nunca podemos lamentar celebrar um ano de conquistas.

Parabéns, minha querida. Leva lá um beijo "mosqueteiro".



(espero bem ter acertado no dia...)




2005-12-20

Dá-me música!


aqui



A todos, um bom Natal; a todos, um bom Natalllllleeee; que seja um bom Natalllllllll, para todos nós... la la la la lalala...*


Segurem-me, que é melhor! Podem ter a certeza que não iam gostar de me ouvir cantar. Até o Hino fui proibida de cantar na escola primária. E não costumam proibir cromo algum de cantar o Hino. Vejam só quantos não se estão a fazer à fotografia da mão ao peito e Hino desfiado, após Janeiro...


(* as coisas que aprendo a ler a Sofia...)

Ufa!



aqui


Acho que, finalmente, já está tudo...

2005-12-19

Só para informar...


aqui

... que estou de dieta, seus afogadores de ostras em cerveja preta!

Plágio do dia


aqui



mas eles parecem respeitar as mulheres. muito. e se nos mostram fotos de modelos ou actrizes semi-nuas, é pela beleza da imagem. de resto as "novas mulheres" também o fazem pela mesma razão. ficamos com a impressão de que são eles que passeiam os bébés nos carrinhos, que são eles que vão ao médico com os filhos. que cozinham melhor que as mulheres e acham graça à falta de jeito delas. preocupam-se com a saúde delas, pedem-lhes gentilmente que deixem de fumar. querem sexo com sentido porque odeiam aquele vazio que aparece depois de comer uma gaja. sabem como é, aquilo acaba e um tipo fica de repente com as calças na mão e ... ao mesmo tempo oferecem cumnilingus antes delas terem hipóteses de sugerir o felatio.

eu acho que a blogosfera, que é um media genial porque é media sem ser mass e por isso nos dá todas as sensibilidades pessoais, nos revelou esses "novos homens" que tanto queríamos encontrar. depois, eles não confessam, mas devem demorar cada vez mais tempo a arranjar-se antes de sair de casa. e olham para o rabo quando saiem do duche. ou seja, já não coçam apenas os tomates, que é herança deixada pelos "velhos homens". por outras palavras, eles estão mais femininos sensíveis.

2005-12-18

Os postalitos...



Tenho tantos amigos tão exageradamente longe, que me pesa a distância mais ainda do que a própria saudade.

Tal como o ano passado, mantenho os postais em suspenso e um nó na garganta cada vez que olho a lista de todas as distâncias que as amizades conseguem suportar. Mas é tão absurdo pensar em mandar um qualquer postal com palavras banais...

Abro páginas atrás de páginas de desenhos repetitivos e mensagens pisadas e repisadas em todos os Natais. As mesmas palavras, os mesmos bonecos, as mesmas animações. Não encontro nada que me agrade. Não encontra nada que me pareça suficientemente bom, suficientemente diferente.

Queria poder abraçar cada amigo este Natal. Dar num beijo o calor do meu abraço; dar num sorriso todo o carinho que me percorre. Queria ter cada um por perto, partilhar com todos uma lareira acesa, o cheiro a pinho, um copo de maduro tinto, uma história. Queria poder fazer de todos a minha família na noite de consoada, abrir-lhes a minha casa, dizer a cada um como está no meu coração.

Tenho as minhas saudades espalhadas pelo mundo fora. Pesa-me a distância. Pesa-me tanto esta distância que todos os anos ando à volta dos postais de Natal e nunca consigo nada de jeito. É que não queria que fossem só palavras. Palavras vazias, ditas por todos. Queria ir junto, receber por cá os amigos...



Boas Festas!

Hadjni


Gaivina

O final do Verão traz sempre consigo poderosas trovoadas que fazem estremecer as vidraças do atelier, ali na praça Klausal, no centro de Peste. O ribombar seco, vindo dos lados do rio, ocupa toda a minha Budapeste. Vive-se uma atmosfera expectante de uma chuva que não cai ali, mas nuns quarteirões mais à frente, é capaz de lavar os restos das noites silenciosas da Hungria.

Aqui desenhei e vivi, no centro do antigo Gueto Judeu ao sabor do Outono.

Pediram-me, um dia, se não poderia ir dar umas aulitas de modelo a uma escola de jovens estilistas. Anui, achando que me faria bem sair um pouco da clausura do desenho. E soube muito bem...

Tinha duas jovens à minha disposição para essas aulas: uma, loira, vivida e insinuante. A outra, discreta e magra com os cabelos de um negro profundo: Hadjni.

Esta, acabou por tornar-se minha companheira no desenho, ao deixar que o meu traço percorresse o seu corpo à velocidade dos olhos.

O pintor húngaro que me apresentou as modelos, dissera de imediato:
- Essa? Mas essa é lésbica...

Hadjni trabalhava numa loja de produtos dietéticos em Buda, tomando pontualmente o eléctrico, na praça Karl Marx, para chegar à hora combinada ao meu atelier. Ganhava 2 euros, preciosos ( no ano de 1999 ), por cada hora em que desvelava o seu corpo aos caprichos daquela grafite que me deixava os dedos tintos de negro. Não me era estranha essa capacidade de combate dos húngaros. Conhecera um médico que preferia servir às mesas no "Café Opera", ganhando as gorjetas depois de cantar árias de compositores famosos, a fazer horas de banco, mal pagas, no hospital central.

Assim, em cada final de tarde, lá aparecia Hadjni cheirando a champô de frutas, tirando a roupa, de onde sobressaiam umas cuecas lindas às flores, de cores vivas.

Uma vez, foi um amigo homossexual que a veio trazer à porta, na esperança de eu querer um modelo masculino: não me apeteceu.

Fico ali estabelecido um tipo de relação especial entre modelo e artista. Fartámo-nos de trabalhar ao longo daquelas tardes abafadas, com pausas para o sumo de laranja, trocando impressões sobre as nossas vidas e nossos rumos. Depois de cada sessão, lá para os lados de Buda, a sua amante, mais velha, esperava-a. Então, a bela modelo vestia a sua roupa, cingida ao corpo, e lá ia escadas abaixo, sem que se escutasse o barulho dos passos contra o soalho. No dia seguinte lá estaria à hora combinada.

O trabalho e a comunicação correram tão bem que, um dia, no final da sessão abraçámo-nos e o beijo surgiu naturalmente:
- Oh! Beijei-te. Disse ela em Inglês espantado. Fora surpreendida por ela própria.

Mas a coisa ficou mesmo por aí, e nos desenhos que testemunham a passagem desse corpo pela minha vida.

Gaivina

2005-12-16

MENS AGIT MOLEM


foto: Helena Almeida



Mensagem absorta no conflito da resistência
Entre valores que respiram saudade
Na bruma cinzenta das imagens
Sentados nas sílabas afogadas

Amanhecer nos actos nocturnos
Gritos de soldados da memória nas pálpebras
Invisíveis guerras travadas na insónia
Tentativa de parto silencioso

Memória bebida nos olhos dos lençóis
Ordem no caos
Lentamente…observas a ebulição de lágrimas frias
Erupção vulcânica de corpos molhados
Mergulho inconsciente no sopro dos teus lábios


Se me sentar nas sílabas afogadas e beber a memória daquela noite na erupção vulcânica dos lençóis, poderei mergulhar nos teus olhos?


Nuno Albuquerque Vaz


_______

Este é o contributo do Nuno para o desafio do Corpo. Ficou ao meu critério publicá-lo, bem como à imagem que ele escolheu para ilustrar um texto tão lindo. Como poderia resistir a publicá-lo? Como poderia deixar de o partilhar convosco?

Obrigada, Nuno!

E, agora, vou juntar-te ali em baixo, no sítio certo :)

Anime um Amigo


aqui


Pronto, Gaivina :)

É que não é uma questão de competição. É só mesmo de animação. Ora diz lá que não ficas animado com o que te deixo...

Norte

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba


Mário de Sá Carneiro – Dispersão

Sou mulher do Norte, de olhos e tez clara. Corre-me nas veias o sangue dos Suevos e dos Visigodos, a par do sangue da latinização, ou dos judeus, ou dos árabes, que a linhagem não é pura, nem eu a queria tal.

E neste Norte - que é o meu - , a tradição passa-se ao borralho, de mãe para filha, no meio de tias e avós. Neste Norte onde se cantam músicas alegres e se faz guerrilha até hoje, preservando uma identidade, com uma vontade tão férrea que ronda o fanatismo. Este Norte que não é triste, nem quando os dias são frios e cinzentos. Neste Norte que sabe que o Fado não é a canção nacional, porque não há Fado que ganhe ao Vira. Neste Norte onde se tocam gaitas de foles e os pauliteiros ainda dançam em saias-kilt, onde os cabeçudos saem às ruas para espantar os maus espíritos e se procura o visgo dos Druidas nos caminhos do Gerês, enquanto nas penedias as capelas à Virgem substituem as grutas sagradas consagradas a Astarte, ou a La Morrighan, a grande Deusa, a força fertilizadora do caos, a Mãe – Mater – que dá origem à criação.

Talvez seja por tudo isto que não entendo como a sociedade do Norte pode ser tão poucochinha, tão fanática e canastrona, tão machista e patriarcal. Talvez as mães só saibam passar as tradições ao borralho para as filhas; no leite delas vai a tacanhice directamente para o cérebro masculino.

2005-12-15

Anime uma Amiga


(recebida por mail - clicar na imagem para ver melhor)


Como não tenho tempo para "blogar" e como fui alvo de uma "mão amiga" que resolveu animar-me o dia, decidi não ser egoísta e animar muitas amigas de uma vez.


(Como eu percebo o moço! Com o frio que está, temos de tentar manter as mãos quentes de qualquer maneira... E, verdade seja dita, não me importava nada de experimentar aquele forninho...)

Corrida Anual



aqui


Alguém estranha se eu disser que a comida estava fria e era uma merda? Que os colegas que não vi - felizmente - durante um ano, estavam ainda mais insuportáveis do que o costume? Alguém se espanta por me terem calhado umas peúgas no sorteio das "lembranças"? E ainda por cima com pais natal e renas?

A gripe está pior e amanhã há mais outro jantar-"convívio". Porra para o convívio! Pelo menos o tinto do de hoje ainda escapava... Mas amanhã... Numa churrascaria? Uma churrascaria? Estão a brincar comigo, só pode! Eu vi logo que não podia ser coisa boa quando os chefes se ofereceram para pagar... Promete ser (ainda) pior, portanto. Foda-se! Suponho que receberei qualquer merdice das lojas dos chineses, tão má, mas tão má mesmo, que nem terei coragem de guardar para distribuir no ano que vem...

2005-12-14

Até me faltam palavras!


cartas baralhadas


Estou profundamente baralhada, profundamente enternecida, profundamente saudosa. Estou felicíssima. Radiante. Sem palavras para a tanta da surpresa, do presente magnífico que me deixou no correio de voz do telemóvel.

Dizer-lhe do tanto de falta que me faz lê-lo, rir consigo, brincar um bocadinho, não chega para calar esta raiva por não ter ouvido o telemóvel. Dizer que o tenho procurado por esta net fora, ver em outros traços que me lembram de si. Dizer que gosto de si, porra! E que não lhe perdoo se não vier ver-me antes desse Feliz Natal que me deseja.

2005-12-13

Classificados



aqui


Eu queria uma história...

Ofereço ruiva para troca.

Não matarás!


Sadly one Sunday, I waited and waited
With flowers in my arms, for the grief I'd created
I waited 'til dreams like my heart were all broken
The flowers were all dead and the words were unspoken
The grief that I knew was beyond all consoling
The beat of my heart was a bell that was tolling
Saddest of Sundays

Then came the Sunday when you came to find me
They brought me to church and I left you behind me
My eyes would not see what I wanted to love me
The earth and the flowers of the lover above me
The bell tolled for me and the wind whispered 'never'
But you I have loved and I bless you forever
Last of all Sundays

Diamanda Galas - Gloomy Sunday





Se há coisa que não consigo imaginar é como viveria com a minha consciência se fizesse parte de um daqueles júris americanos, tão pródigos em condenarem pessoas à morte. Porque, se há crimes demasiado hediondos, uma condenação à morte é também um crime de morte. E haveria sangue nas minhas mãos...

Todas as vidas são demasiado breves. Todas são demasiado preciosas. Matou. Não tinha esse direito. Mas vinte e cinco anos depois - ou em qualquer outro dia - a quem cabe o direito de matar a coberto da capa da justiça, sempre cega?

E a cega justiça matou hoje. Pela mão do homem.

Cumpriu-se a lei. Morreu um homem nomeado para o Nobel da Paz. Mas será que se fez justiça? E quem lava o sangue das mãos dos que condenaram, ordenaram e não pararam a máquina cega da justiça assim vilipendiada no mais sagrado dos mandamentos: não matarás! Mesmo que seja para punir um crime de morte.

Nunca se fará certo um erro repetindo-o, ainda que a coberto da lei.

Não matarás!

Mas as mãos continuam sujas...

E Stanley "Tookie" Williams foi executado...

2005-12-11

Corpo


Gaivina



Sem ti, meu astrolábio de desdita, minha caravela de esperança, mais perdida fico, mais perdida estou.


Os desenhos são mais uma vez, como podem notar, do Gaivina. As palavras são minhas, antigas, e podem ou não deixar que vos influenciem.


Mas já sabem o que queremos, não é? Contem-nos uma história...
:)


Nota: cliquem na imagem para ver melhor.




As histórias:




  • Cruzeiro do Sul - Maria Árvore


  • Em carne viva - Hipatia


  • Sem título - J.P


  • Perdida - Rosmaninho


  • Abandonia - Ivar


  • Novelo Marinho - Palavras em Linha


  • Auto-Defesa - Uxka


  • Penteia-me - Maria


  • Nas Lonas - Fausta Paixão


  • Mens Agit Molem - Nuno


  • Esperando por ti - Zu


  • Espera - Jacky


  • Corpo Sonhado a Carvão - Ivo Jeremias
  • Pronto, Pai Natal



    Já lá tenho o sapatinho...

    2005-12-09

    Em carne viva

    Da tua voz
    o corpo
    o tempo já vencido

    os dedos que me
    vogam
    nos cabelos

    e os lábios que me
    roçam pela boca
    nesta mansa tontura
    em nunca tê-los...

    Meu amor
    que quartos na memória
    não ocupamos nós
    se não partimos...

    Mas porque assim te invento
    e já te troco as horas
    vou passando dos teus braços
    que não sei
    para o vácuo em que me deixas
    se demoras
    nesta mansa certeza que não vens.


    Maria Teresa Horta - A Voz
    aqui


    Não vou olhar-te agora. Sei que chegaste. Ouvi a porta. Mas estás atrasado, amor. Tive de começar sem ti, nesta posição fetal, recolhida sobre a minha nudez. Talvez para que os teus olhos, ao chegarem, me encontrem apenas as costas nuas. Ou talvez para sentir-me mais inteira, mais perto do útero onde queria chegar.

    Não, não vou olhar-te agora.

    Estou de olhos fechados, perdida em mim. Muito dentro de mim para haver espaço para mais alguém. Estou para aqui sozinha e não estou, perdida em mim e em ti também, mesmo que só tenhas chegado agora.

    Não, não vou olhar. Estou virada para dentro. Estou dentro de mim. Alargo-me, alago-me. Chegaste tarde. Quase demasiado tarde. Quase só me vias as costas hoje, nesta posição curvada sobre mim, para dentro de mim, só eu.

    Não ficaste na porta, amor. Sinto-te ai, em frente a mim. Mas ainda estou de olhos fechados. Zangada com o tarde que chegas nesta tarde em que cedo me perdi nos meus sonhos de ti.

    Que vês tu, amor? Vês-me a mergulhar em mim, abandonada dos teus dedos, preenchida de mim? Já sentes o meu cheiro, amor? Sinto o teu, enquanto resisto ainda a abrir os olhos para te ver.

    Ah! Mas isso é quase uma traição, amor! Como posso manter os olhos fechados se sopras assim um bafo morno sobre os meus mamilos, sobre os meus dedos, sobre o meu sexo?

    Já te vejo, amor. Ai sentado em frente a mim, a tentar devorar-me cada gesto. E é por isso que me ergo, amor. Assim, do largo, num lago, perdida em mim, para que possa perder-me agora em ti. Soergo-me amor. Já te vejo. Já me vês. Um pouco mais, agora. Mede-me! Em polegadas, por favor...

    E peço-te para vires embarcar comigo nesta tarde. Vem navegar, amor. Deixa-me fazer do teu corpo o meu mar. Deixa-me dar-te este lago, largo, que desenhei a pensar em ti, enfunando as minhas velas no teu mastro.

    Sem ti, meu astrolábio de desdita, minha caravela de esperança, mais perdida fico, mais perdida estou.

    Vem ser a minha âncora de carne em carne viva, rubra, afogada na rebentação das ondas em que vogo agora.



    (A minha história já cá está...)

    Não há fumo sem fogo


    Lima de Freitas - O Amante de Fogo


    André terminara aquele namoro de forma repentina. Vai se lá saber porquê...

    Tão pouco, Lídia entendera, por mais que pensasse no assunto, a cada fim de tarde passado em frente às couves que cresciam no quintal.

    Depois, deixou de fazer perguntas a si própria, sobrando só um calor, que lhe subia vindo do profundo da Alma, sem que o soubesse definir.

    Com o tempo, aquilo que sentia dentro dela foi ganhando uma temperatura elevada, só acalmada a cada copo de limonada bebido na escadaria fronteira à estrada. Os carros passavam e a temperatura aumentava...

    A mãe bem notava a filha afogueada, entendendo-a com os olhos de quem já vivera, pelo lado de dentro, toda aquela canícula do coração em época de despedida.

    Uma manhã, Lídia acordou sobressaltada com uma mancha gravada no linho limpo da fronha da sua almofada: Estava ali o recorte do seu perfil, desenhado a queimado sobre o tecido.

    Chamou logo pela mãe que não encontrou uma explicação imediata para aquele fenómeno. Mesmo assim, largou uma pergunta:

    - Com que sonhaste esta noite, filha?

    Lídia ruborizou respondendo baixinho:

    - Com o André...

    As duas mulheres entenderam logo o mal que se avisava...

    De qualquer forma, o Verão foi seguindo no seu ritmo pausado, de figo amadurecendo na figueira.

    Até que um dia, a mãe, que estava de volta do almoço da família, sentiu um leve cheiro a queimado, vindo dos fundos da casa. Chamou logo pela filha:

    - Ó Lídia! Lídia, onde estás?

    - Ai! Ai !Ai!
    Ouviu-se a voz da filha.

    Acudiu logo a mãe à sala, onde Lídia estava envolta em chamas, vindas de lugar nenhum. Foi só o tempo de pegar num jarro de água que servia às flores e atirá-lo sobre o corpo da sua menina.

    - Estava a pensar no André e ....peguei fogo.... Disse a filha de olhos abertos de espanto e regada de cima a baixo.

    - Ó filha da minha Alma, estás doente!

    E aquela "doença" passou a ser familiar lá em casa. Cada vez que alguém riscava um fósforo ou acendia um cigarro, todos os olhares se viravam para Lídia como que a confirmar se ela permanecia apagada.

    Até um amigo bombeiro lhe dissera, meio a brincar, meio a sério, que ou ela se curava ou estaria condenada a andar sempre com um extintor atrás. Pelo sim ou pelo não, passou a estar sempre disponível, uma garrafa de litro e meio de água, pronta para as emergências, em todas as divisões da casa. Em certos dias, o melhor lugar para Lídia estar, era mesmo debaixo do chuveiro...

    Mas como o bom tempo, aqui pela Beira, convida sempre às caminhadas, a mãe começou a desafiar a filha para uns belos passeios pelos quintais e carreiros da aldeia. Assim sempre ela ia distraindo o espírito, esquecendo-se do seu amante e mantendo-se convenientemente apagada. Os passos sobre a terra, conversa amena de mulheres, pequenos grandes nadas, enfim, aqueles momentos eram de grande alívio para a bela rapariga. E o hábito instalou-se, trazendo uma calma aparente aquele lar.

    Um dia, faltando-lhe a companhia da sua mãe para a costumeira caminhada, viu-se Lídia forçada a ir passear sozinha. Resolveu, então, ir para os lados do Mondego, a um local muito especial para ela. Desceu a encosta da Felgueira vencendo o caminho pedregoso e evitando o cão maldisposto do vizinho, até chegar ao remanso das águas. Era o seu sítio favorito.

    Sentou-se a descansar à sombra de um velho sobreiro, encostando a cabeça à grande árvore. Os seus pensamentos começaram a divagar soltos. E os beijos cálidos de André, queimando os lábios voltaram da memória. Brasas doces e demoradas, invadindo a sua boca, ali naquele mesmo local...

    Antes que desse por isso, já as ramas da árvore ardiam, e o mato todo em redor pegara fogo junto com ela. Só teve tempo para mergulhar apressadamente nas águas do rio apagando as suas chamas. Quando, encharcada, olhou em volta, toda a encosta ardia numa pressa desmesurada.


    Penso que assim fica explicada a origem do grande fogo da Felgueira, no Outono mais seco que conheci.

    Pois como diz o poeta: "o Amor é fogo...".

    Embora não se saiba muito bem como se faz o rescaldo dos incêndios do coração.


    Gaivina

    2005-12-07

    Pá! Porra, pá!


    aqui


    Eu nem gosto dos lampiões. Mas se jogarem o mesmo na segunda parte...

    E que grande golaço aquele!

    2005-12-06

    Sem papas na língua


    (recebida por mail)


    Há dias em que só nos aparecem daqueles que nem fodem nem saem de cima.

    Há dias em que eu tinha tanto mais para fazer, em lugar de estar a aturar cromos repetidos.

    Saiam-me da frente hoje! Por aqui já troveja desde as 09:00h e o tempo está com tendência a piorar. Que me tentem foder ainda vá. Mas pelo menos que o façam com jeitinho...

    2005-12-05

    Por uma vida


    aqui


    Às vezes, pequenos acontecimentos que já nada têm a ver connosco, fazem-nos pensar que cumprimos de alguma forma o nosso papel.

    Hoje celebro aqui uma vida que vai nascer. Não me pertence, não é minha. Mas também a vida pertencerá realmente a alguém?

    Sinto, no entanto, que talvez tenha ajudado alguém a ser pai, a querer sê-lo, a estar hoje disponível para pensar numa outra vida, para além da sua, dos seus medos. E não consigo deixar de pensar que, a termos algum pedacinho de uma vida que nunca nos pertencerá, talvez seja direito meu reclamar um pequeno quinhão.

    Um quinhão de esperança, talvez...