2006-04-28

A vida é conversável











Markus Raetz (folha de eucalipto sobre papel)


Sempre tive para mim que a vida é algo conversável.
Vou transpondo os acontecimentos da vida, perguntando-lhes do entendimento. Tenho uma máxima secreta que me aconselha a não esquecer nada, que não tenha entendido bem antes.
Assim, vou fazendo uma série de recorrências ao Passado e às pessoas que o habitaram, na esperança de poder desenhar melhor uma cartografia interior:
- Sucedem-se os encontros com antigos amores, amigos desavindos e livros recusados.
Tudo isso ajuda a reencontrar o som dos passos que fazem a nossa caminhada.
Sei que tu, leitor, dirás o mesmo que eu numa tautologia que habita os dias que vamos vivendo...

Intimamente


aqui


E, sim, tens razão: falo de intimidade. Ou talvez seja que, mais tarde ou mais cedo, tudo o que me dá tesão acabe transformado em palavras. Depois há o blogue onde é tão fácil colocá-las, nesta ilusão de que ninguém vê, ou que ninguém percebe. E as palavras vão dizendo o que sinto e o que quero, ou tão só o que gostaria. Acabo a misturar desejo com desejos, vontade com vontades, sonho e realidade. Acabo fragmentada pela excitação encerrada na palavra e quase fica tudo dito, não fizesse a realidade também parte da equação. E, aí, vão-me faltando as palavras, como se olhos nos olhos não tivessem nem arrumo, nem valor. E digo-as aqui, talvez porque saiba que não vens ler, que só cá chegas quando te enganas no caminho. Mas é libertador saber-te, saborear-te, longe das palavras que invento. Afinal, a voz continua a fugir-me. Largo-a para longe, lanço-a ao espaço. Olhos nos olhos, espero antes que me leias, enquanto permaneço muda. Ou falo demais, para nada dizer. Mas é que, contigo ao leme, limito-me a pedir bis. Várias vezes. Depois… bem, depois logo se vê para onde me fogem as palavras.

2006-04-27

Ciúme?

.....vêm sôfregos os peixes da madrugada
beber o marítimo veneno das grandes travessias
trazem nas escamas a primavera sombria do mar
largam minúsculos cristais de areia junto à boca
e partem quando desperto no tecido húmido dos sonhos
.... vem deitar-te comigo no feno dos romances
para que a manhã não solte o ciúme
e de novo nos obrigue a fugir....
.... vem estender-te onde os dedos são aves sobre o peito
esquece os maus momentos a falta de notícias a preguiça
ergue-te e regressa
para olharmos a geada dos astros deslizar nas vidraças
e os pássaros debicam o outono no sumo das amoras....
.... iremos pelos campos
à procura do silente lume das cassiopeias...

Al Berto - Amor dos Fogos


E imagino todos quantos te olham neste momento e eu sem te ver. E imagino todos quantos te saúdam e eu sem te tocar. E imagino os sorrisos que te dedicam - e que mereces, bem sei -, mas que eu não estou aí para contrariar. E imagino até os largos passeios beijado pela brisa, ou os raios de sol sobre a tua pele. Ou o cair do rol da noite, que também vai visitar-te amiúde. Ou a dona do café, que me faz sempre cara feia quando estou contigo e que, por mais que digas, sei bem por que não gosta de mim. Ou a menina da loja de música, ou o calmeirão que te vende o jornal. Estão todos ai, à tua volta, junto com todos aqueles que nem quero imaginar. E eu sem te ver. E sem que me vejas, que isto de estar longe da vista ainda me causa maior espécie.

Não, não é ciúme. Não pode ser ciúme. É quase ciúme. É mais um quase. Um não chega a ser, que se parece em demasia. Mas não é ciúme. Não pode ser ciúme.

E raios! Porque queres saber que roupa visto, ou se pintei ou não os olhos, ou se me ri mais do que três vezes para o senhor do café? Não me digas que te falto, que tens esses todos perto de ti. Eu estou apenas para aqui sozinha, a pensar se é ciúme ou não é esta falta que me fazes, as ganas que tenho de te esconder no meu mundo para que sejas só meu. Não, não me perguntes se vesti a saia que tu gostas. Ou se pus a camisola que tanto gostas de tirar. Tu estás ai de certeza com as calças que te ficam melhor e esse sorriso matreiro e esse ar de encantar. E eu para aqui sem ti.

E, não, não é ciúme. Não me digas que é ciúme. É só vontade de te agarrar.

Oh Frogas...


(recebida por mail)


... quando é mesmo que fazes anos,
sapinho?

Linda idade!


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Parabéns, Rosmaninho!

2006-04-26

Irra!


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Deve ser muito subversivo propalar a defesa da felicidade e do conhecimento. Aliás, todas as épocas mostraram-nos isso mesmo: conhecimento é poder, um poder roubado a quem gosta e quer manter o próprio poder. E a fórmula mais básica para impedir essa fuga do poder dos punhos de uns quantos, está no medo, está na culpa. Ora, nem o medo nem a culpa, que a cultura judaico-cristã impôs em todos nós, lidam bem com qualquer resquício de felicidade. É suposto sermos filhos de um Deus castigador e castrador e irmãos de um outro Deus flagelado. A pomba acho que só lá esteve sempre para enganar...

Letras

Adieu tristesse
Bonjour tristesse
Tu n’es pas tout à fait la misère
Car les lèvres les plus pauvres te dénoncent
Par un sourire (...)


Paul Eluard - À Peine Défigurée



Eu não sei desenhar. Se soubesse, desenharia desejo. E talvez ternura. E estrelas. E sorrisos. E gargalhadas.

Só não desenharia tristeza: fica melhor em palavras.

2006-04-25

Cravos de Abril


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Isto está para breve, rapaz. Está mesmo por um fio. Vais ver como tenho razão.

Que é lá isso, rapariga. Enxuga essas lágrimas, que o teu filho há-de voltar vivo para casa.

Oh miúda, que cantas tu? Já não te disseram que o Zeca é para cantar baixinho?


À memória do meu bisavô, que sempre acreditou e, no entanto, morreu quatro meses antes de chegar a liberdade, que tanto teimou que havia de vir, que tanto quis que viesse.

2006-04-23

Olho gordo


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Aqui está uma coisa que, em temos racionais, não entendo. Também é verdade que nunca me dei ao trabalho de investigar. É assim uma espécie de mito urbano – e eu acho piada aos mitos urbanos –, indo buscar as suas raízes à ruralidade. Talvez porque a ruralidade conseguiu preservar e diluir mais facilmente a herança pagã que todos carregamos.

Mas há, de facto, em quase todos nós esta apetência para acreditar na sorte, ou na falta dela, bem como no favorecimento que os deuses nos podiam atribuir ou retirar em cada momento. E, claro, na forma como a inveja alheia incide sobre nós e nos pode fazer dano.

Quando comprei o meu carro, por insistência da minha mãe, foi colocado na mala um alho com dois alfinetes espetados em forma de cruz. Ainda lá deve andar… Sei que está lá. Ou esteve. Para me proteger da má sorte, do mau-olhado, do olho gordo da inveja. Se resulta? Não sei.

Talvez resulte. Talvez não passem de acasos. Mas a primeira vez que bati de carro – e nem foi grande o acidente – foi por me ter desviado de uma criança de cerca de três anos que me apareceu a correr, vinda não sei de onde, dentro de um parque de estacionamento. Até hoje não faço ideia como vi a criança a tempo, porque estava a olhar para o lado esquerdo, numa curva, quando a criança me apareceu do lado direito, mesmo na direcção da roda do carro. Demasiado pequena para ser bem visível, demasiado ingénua para entender o que é um carro em movimento. Talvez tenha sido sorte. Talvez só uma boa visão periférica. Não sei como vi a criança. Sei que a vi… e tive sorte.

É que ele há coisa que, por incrível que pareça, devem ser mesmo uma questão de sorte. Ou fado. Ou acasos incrivelmente bem alinhados.


(por via das dúvidas, vou deixar na Voz um amuleto… que las hay, las hay!)

2006-04-22

Não concordo!


Posted by Picasa Cap


Não, não basta precisarem de nós para sermos lembrados. Acontece muito, todos sabemos. Mas também é um facto que há pessoas preciosas, sempre lembradas, não importa porquê. São aquelas que parecem estar sempre presentes, que dão sem precisarmos pedir; são as que partilham momentos, as que nada exigem em troca. Estão lá. Basta assim. Mesmo quando mais silenciosas – ou às tantas quanto mais silenciosas – continuam parte da forma como imaginamos o mundo.

Falo apenas por mim, claro, mas sei que muitos se podem juntar a esta minha afirmação: não sei imaginar a net sem o Cap, nem passear pelos blogs sem ir ao (re)prima. E nem preciso dele exactamente para nada neste momento, excepto o enorme prazer de o ter por companhia.

Salvé dia 18 de Abril


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Peter Murphy - Strange kind of love

Perdoa ter esquecido a data certa, Deep. Mas - mesmo atrasada - não podia deixar de dar-te os parabéns, ao som da música que sei que gostas.

2006-04-21

Espanto


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Será melhor levar a armadura, a perna de pau, não esquecer a dentadura e muito menos o olho postiço?

Música


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Dead Can Dance - Song of Sophia

A tentar relaxar... afinal, hoje já é sexta!

(Somos feitos também de memórias. Só precisamos de aprender a lidar com elas. E eu admito que não sou muito hábil...)

2006-04-20

Sem tempo


Claude Monet


Vivemos na era que nos nega o ócio, por estar tão imbuída da necessidade de fazer negócio. Violentamos os nossos corpos e os nossos sonhos num ataque diário de vozes roufenhas ou buzinas vindas de um qualquer despertador. E passamos o dia a bocejar. Inventamos mil técnicas para nos facilitarem a vida e procuramos qualidade de vida. No fim, temos pela frente mais um dia de negócios e engarrafamentos e acordar ao raiar da aurora. Não há tempo para o ócio. Um bocejo é quanto nos resta.

2006-04-19

Madrugada


Ariana Richards - Reverie


E é quando chegas a desoras, por entre os espaços que a noite tece ao abrir-se à madrugada, que nasce um calafrio na minha espinha. Começa breve, no cós das costas, que para estas coisas as costas são um espaço com costura.

Sobe lentamente, como que dedilhado, imprecisa-se por entre os gumes da minha pele arrepiada. É quase como um sopro, ou um suspiro. Tem sabor e cheiro, tem tacto. É um ir e vir subtil, um ensaio quase geral a que falta a música.

Chega a saudade por entre as primeiras luzes da manhã, levanta os lençóis e aloja-se junto. Abraça-me e ficamos lá as duas.

Mas estou fria, sozinha, enrodilhada na vontade de te ver chegar a desoras, para me abraçares o corpo pelas costas, fazeres com as mãos ninho no meu peito e me despertares o corpo e os sentidos.

Comprimo-me assim contra o vazio feito lembrança. E ainda te sinto o cheiro a limão e baunilha, com laivos de maresia. Sabor agridoce, como lágrimas sorridas. Ou o toque da distância, quando a saudade me vem acordar, neste imperfeito chegar de coisa alguma.

Um fado de te sentir sem te ter verdadeiramente, sempre a desoras, como as luzes da madrugada ou os primeiros raios de sol, que não me aquecem, enquanto brilham sobre a minha pele nua.

Hipatia





«Software without borders. Knowledge without frontiers, that is Hipatia. We strive to have free knowledge, in action for towns and villages of the world.

Hipatia came up as a spontaneous coordination of people from all around the world that share a vision and a goal. And the vision is to have a global knowledge society based on freedom, equity and solidarity. Manifesto of Hipatia outlines this vision in detail.

Hipatia people want to:

- promote freedom of (and free sharing of) knowledge, as is the right of all human beings to access, use, create, modify and distribute knowledge freely and openly;
- realize, favour and/or promote the sustainable diffusion of human knowledge.

To make this goals reality hipatia people promote:

- public policies, human and social behaviours and outlook that favour free accessible, sustainable and sociable technology and knowledge;
- solidarity in the use of knowledge in the framework of an economical and social model built on the principal of equality of all human beings in all the countries of the world.»


Não sei bem se era algo assim que querias, Mad, mas o acesso ao conhecimento e à informação foi sempre uma das melhores formas para fazer de cada ser humano ou um escravo, ou um senhor do seu destino.


Defende o teu direito de pensar, porque pensar errado é melhor do que não pensar.

Hipátia de Alexandria
______________

Desafio (ver pormenores no Aliciante) lançado a:

2006-04-18

Parabéns, Cota Marada!


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Até me faltam os adjectivos face à exuberância dos predicados. Mulher espantosa! Leva lá um beijo de parabéns…

(Não ouves o telefone, carago?!)

Não há pachorra!


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Normalmente, quanto mais cansada estou, menos durmo. E entro num ciclo vicioso. Fico de rastos. E, sim, estou cansada, farta, sem vontade. Tenho o ego a precisar de obras e muitas vontades de silêncios. Não me apetece escrever, nem comentar. Tenho sono. Doem-me os pés, dói-me a cabeça. Estou com um mau humor que não se aguenta e só me apetece pôr fogo no mundo, ou mandar todos àquela parte, sem pachorra para imbecilidades e gente lerda e cromos repetidos... Raio de dia!

2006-04-17

Pá!


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Já murcharam tua festa, pá

Mas certamente

Esqueceram uma semente

Nalgum canto do jardim


Chico Buarque – Tanto Mar


Para mim, continuarás sempre à distância de um telefonema, que não sei desistir de ninguém. Mesmo que seja preciso dizer-te outra vez que não precisas expor-te em demasia. E mesmo que te zangues ainda mais uma vez comigo por o dizer.

Fio de prumo


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Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Tem maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.

Miguel Torga – Identidade


Deixo as mãos estendidas à espera de dar. Para que não se toldem as emoções, nem endureça o sentimento.

E é tão só a minha forma suprema de egoísmo.

Mas um dia… um dia aceitarei receber. Para que os astros se equilibrem e eu encontre, finalmente, o meu prumo.

2006-04-13

Verto-te!

Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
- És tu, senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.

António Botto - Canções


E quase me envergonho. E quase, quase, fico mais corada ainda, como se não bastasse apenas o quente que me sinto pelo quente que me dás. Por me apanhares assim desprevenida, com os olhos meigos e os gestos dengosos que reservo para os momentos em que as saudades anunciadas quase me partem o coração. Queria pedir-te colo, sabes? E, no entanto, fujo para o riso, como de costume. Para não perceberes o meu ar envergonhado, quando me atiras a frase de reconhecimento pela ternura que me lês nos olhos. “E, afinal, também sabes ser meiga. Está tudo ai”, dizes, enquanto me apontas os olhos na meia-luz. Rio-me e pergunto “Onde? Onde foi parar a gaja que sou eu?”. Mas sei, como tu sabes e se calhar já sabias, que há momentos em que dispo a gaja dura, a mando ir para longe e me refugio no teu colo para me preencher de tanta desta ternura, toda a meiguice que me dás e que, depois, me transborda assim pelos olhos.

Repostando

Na zoologia do fala-só
Há muitos animais de tiro
Há o tiro-liro e não só
Também o tiro-liro-ló


José Mário Branco - Tiro-no-Liro


À conta de uma coisa que o Gaivina me disse ontem, fui até aos arquivos tentar encontrar textos perdidos que, há distância de quase dois anos, mereçam da minha parte um olhar menos crítico. Confesso que fico sempre surpresa com algumas coisas que já fui escrevendo, ou porque lhes acho agora piada, ou porque voltam a fazer sentido.

E como o fim da Quaresma tem para mim muito pouco significado, sendo até que, caso fosse católica, tinha ficado hoje muito preocupada por descobrir que peco por (ainda) ler jornais e por passar algumas largas horas por semana na net, recupero um velho post sobre cabras.

É que nem de propósito…

Bem, deixo-vos este “
Discos Pedidos”, publicado originalmente a 06/09/2004, quando ainda ninguém lia a Voz.


aqui


Hoje pedi inspiração a alguém. Pedi um mote. Sempre gostei de ter motes na escrita. Nada de transcendente. Copiar uma parte de uma ideia não será plágio, não me digam o contrário. Porque nem será bem uma cópia. É uma inspiração. E se é inspiração, então tratarei de fazer de tal um elogio.

Como dizia, pedi um mote. "Cabras", foi a resposta. "Cabras das verdadeiras ou daquelas que todos conhecemos, mais tarde ou mais cedo, na vida?" E a resposta deixou-me abalada: "das verdadeiras".

Ora bolas, eu nunca vivi no campo. Sei lá como são as cabras verdadeiras! E recuso-me googuelar a propósito de cabras e bodes e quejandos.

Bem, lembro-me dos balidos quando ainda não era proibido reuni-las no jardim das Antas em vésperas de S. João, antes que uma facada a jeito as preparasse para o forno... Será que serve?

Ai! Isso não eram as cabras! Eram cabritos... Eram? Talvez fossem.

Bem, dependia dos bolsos do comprador. A carne de cabra parece que é mais dura... Mais barata? As cabras são da espécie económica da coisa? Ou isso era o anho? Ai, deuses. Sei lá eu. Até porque nunca conheci uma cabra económica nem uma cabra topo de gama.

Que raio de mote!

Era bem mais fácil falar das outras cabras, não? Tenho a certeza de que seria... Até porque não me sai da cabeça a oferta que me fizeram há uns tempitos. "Desperta a Cabra Que Há em Ti", era o nome do livrinho. Lembro-me do meu ar de parva a olhar para a capa e a pensar para os meus botões a troco de quê se devia tal oferta. Até hoje não sei a resposta, confesso. Nem quero perguntar. Não sei se já estou a caminho de cabra ou se, pelo contrário, alguém acha que não chego lá. É que nestas coisas de acordar a cabra...

Pensando melhor... Não sei ser cabra? Hum! Essa é mesmo muito estranha... Sempre pensei que a capacidade para a cabrice era assim uma espécie de dom feminino. Claro que depois, como em tudo, há as que exercem e as que não...

Admito! A estratégia de queimar o cabelo com o cigarro a figuras femininas indesejáveis sempre me pareceu uma excelente política social a manter e, quiçá, a impor sempre que as circunstâncias se tornassem propícias. Cabrice. Mas não sei se suficiente. Talvez para quem fica com a peruca às escadinhas...

Hoje não sai nada de jeito destas teclas, está visto. Lá se vai a compostura do blog à vida. Mas há dias em que me deprimo a mim mesma. E hoje não me apetece!

2006-04-12

Ao meu tom




Do fundo do sonho verde onde me afundo, enxoto o cansaço e espero que as palavras se alinhem. Não quero o hoje. Não me apetece este estar aqui. Queria ainda o verde da Primavera que começa a transbordar os seus cheiros e os meus sentimentos que vão de arrasto. No verde ainda. Este sonho verde, plantado por entre risos e pinheiros mansos e papoilas alegres. O meu verde maresia. O meu verde esperança. O meu olhar perdido.

E não me apetece estar fechada a ver os dias crescerem. Nem estar a olhar para o écran. Quero o rol das noites ainda frias, o esvoaçar das andorinhas pela manhã. Quero os pés sem meias, soltos, largar as lãs e os casacos que ainda não tive paciência para arrumar.

Preciso arejar tudo. Esfumar-me enquanto defumo a casa, defumo a vida. Quero um sonho verde. Quero o calor da esperança feita de cores ainda frias.

Tretas!


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Até me ando a portar bem...

2006-04-11

A minha tribo


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Às vezes, os amigos andam tresmalhados. Perdem-se. Fogem. Escondem-se. Depois regressam de mansinho, ou então bem de surpresa. Estão lá outra vez e é quase como se o tempo não tivesse passado. Ou, então, como o tempo está por demais contado e há tantos e tantos quilómetros de permeio, fazemos o possível e o impossível para aproveitar cada segundo. E é como se não tivesse passado tempo algum. Como se afinal não tivesse sido mais do que um instante e tudo pode ser maravilhosamente cúmplice e brincalhão, com gargalhadas a propósito de pequenos pormenores que ninguém percebe, mas que os nossos amigos entendem bem demais, porque se riem com e das mesmas coisas.

Os afectos podem ser coisas profundamente estranhas, entranhadas. Fazem-se de liberdades e de formas de estar e de falar, do que se desculpa e que aparentemente é indesculpável. Ou sequer será necessário entender estas coisas. Gozá-las como privilégios e esquecer tudo o mais. Saber que se anda a escalar falésias como um macaco só porque lá no fundo está um paraíso e ser ainda assim teimosa e nem sequer aceitar uma mão de ajuda, porque se cairmos vamos sozinhos e não arrastamos ninguém connosco e do outro lado riem-se alto da nossa figura e só nos dizem “que cabrice de gaja com mania que é independente”. Ah pois sou! E talvez por isso gostes de mim, assim um tantinho. Porque não te arrasto comigo, nem deixo que me arrastes. Mas uma falésia não é uma vida, que para a vida sabemos os dois o quanto as nossas mãos se podem estender. Como só se estendem verdadeiramente as mãos aos amigos. Os que são sempre, não importa onde, como ou porquê. Os nossos amigos lindos, por vezes tresmalhados, às vezes com os mesmos defeitos que sabemos ter em nós; outras vezes com umas quantas pancas que nem chegamos a tentar perceber.

Nos olhos dos amigos, vemos o melhor de nós. Vemo-nos plenos, porque os amigos não descartam o feio, só porque é feio. Sabem que também lá está algo não tão feio e afinal a aparência só serve mesmo para impressionar quem não tem mais que um Tico e um Teco preguiçosos, feitos de fogos-fátuos de ilusões que passam sem deixar rasto, mesmo quando tanto se esforçam numa qualquer senda visceralmente obtusa.

Os meus amigos são perfeitos. Maravilhosos. Exactamente porque não são assim tão perfeitos nem tão maravilhosos e porque me aceitam sem eu ser perfeita nem maravilhosa. Os meus amigos preferem ver o que está dentro da embalagem, não ficam presos à publicidade enganadora nem se armam em fazer de qualquer dor de corno pequenina um grande e malcheiroso traque, que apenas serve para libertar gases com efeito de estufa.

Às vezes olho à volta e acho que nem mereço. É que não meço as palavras e, deste lado, não se alimentam grandes rodriguinhos no ensaio para dizer uma qualquer verdade. Mas, depois, penso nos meus amigos e, de uma forma ou de outra, eles são muito parecidos comigo e também sabem dizer verdades, mesmo que até doa, mesmo que nem seja bom de ouvir.

E o mais estranho é que sou, por natureza, uma amiga ausente. Não gosto de telefones, não escrevo dez mails por dia, não me encafuo no MSN a saber as novidades. Gosto de pensar que os amigos sabem sempre onde me encontrar e que sabem que, caso precisem de mim, eu andarei por perto. Nem que seja só para os salvar de aranhas gigantes e peludas. Ou então saber que talvez eles me deixassem salvá-los. Porque nestas coisas das amizades sou muito protectora. E, vá-se lá saber porquê, até sou capaz de reservar para os meus amigos os abraços que me dão o tanto de calor que me aquece todas as ausências; ou os sorrisos; ou olhares transbordantes de ternura.

Não tenho nenhum amigo padrão, daquele tipo perfeitinho, com o carro e a casa certa, que serve apenas para mostrarmos aos vizinhos. De uma forma ou de outra, todos os meus amigos são muito pouco padronizáveis, cheios de idiossincrasias deliciosas, capazes de me enriquecerem como pessoa e muito pouco interessados no enriquecimento material. Talvez por isso os preserve por entre os pingos das ausências, das tantas de vezes que nos perdemos por uns tempos uns dos outros, da merda toda que já nos podia ter separado e nunca separou.

Os meus amigos são lindos. São gente e não apenas ilusões de gente à procura de um espelho onde aparecerem como mais do que neblina. Não mendigam afectos. Não tentam aprisionar-me em grilhetas de obrigações. Não me seduzem nem se deixam seduzir com ninharias.

Talvez por isso eu tenha umas garras tão afiadas quando se trata de os proteger. E não é sequer que eles precisem de protecção, que são tão ou mais senhores do seu nariz do que eu. Mas talvez os meus amigos saibam como eu preciso de afiar as garras por eles, mais do que afiaria alguma vez por mim. Como uma qualquer loba a defender a sua prol. Talvez a minha amiga Vanus tenha razão quando diz que sou fêmea alfa. Bem sei que não era bem neste sentido, mas uma loba dominante talvez seja uma figura que se adapta a mim, quando se trata de proteger, confortar, alimentar e deixar seguros todos quantos caíram na asneira de gostar de mim e de me preservarem nos seus pequenos, limitados, profundamente enriquecedores, círculos de amigos verdadeiros.

No fundo, tudo isto para dizer que tenho novamente uma alma tresmalhada na alcateia. E estou profundamente feliz.

2006-04-10

Lindu


Lindu, aprendera precisamente, pelos mesmos livros que eu aprendi, naquele tempo em que o livro da escola era um só e o mapa do “Mundo Português” abrangia as tantas nações que falam a nossa língua. Estudámos, pois, pelo mesmo livro de capa dura onde figuravam uns meninos de calção, fazendo um gesto de saudação, bem estranho aos nossos dias.
Na parede da sala de aula, um mapa do “Grande Portugal”, contendo Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e Macau, juntamente com a porção de terra que reconheço ser o meu país, limitado, como sei, pelas suas fronteiras.
Mas tínhamos que estudar muito mais...
Do Rovuma ao Cunene, passando pelo Douro e o Tejo sulcando planícies imaginadas de um Portugal, cada vez mais vasto!
Lindu, gostava daquele mapa, particular, contendo todas as linhas de caminho de ferro de Portugal e Colónias...Isso, fazia-o sonhar...
Imaginava os comboios percorrendo planícies em Africa e contornando montanhas em Portugal. E a matéria tinha que estar decorada na próxima aula, ramal por ramal, numa sequência de viagens imaginárias que ia construindo numa cartografia interior...
Aos poucos, o seu coração crioulo, foi imaginando uma linha de comboio que percorria a sua ilha de S. Tiago, em Cabo Verde, de lés a lés. Uma espécie de automotora veloz que ligaria a cidade da Praia ao Tarrafal, recortando, numa pressa, as levadas da serra da Malagueta com a sua mancha vermelha.
Cada vez que alguma revista ou jornal, trazia uma fotografia de um comboio ou estação, Lindu pegava na sua tesoura e recortava aqueles pedacinhos ferroviários que faziam a sua existência imaginada. A colecção de recortes, presa com fita-cola sobre a sua cama, atestava um mundo que corria sobre carris.
Lindu cresceu, como todos crescemos, uns com dores, outros não. Teve vários filhos de mulheres diferentes, mas sempre um comboio viajando a imaginação.
Como todos sabemos, Cabo Verde é terra de imigração, sendo o destino de um pai, o deixar partir...
Assim partiu, para a “Tera Longi”, Teresinha, sua filha mais velha, mas de avião.
Quando Teresinha teve o primeiro filho, de um patrício igualmente imigrado, mandou chamar seu pai a Portugal, à cidade do Porto.
Lindu, fez as malas e zarpou para a ilha do Sal, para apanhar esse avião para Portugal.
Na bagagem, para além de conhecer o seu neto, um projecto íntimo e secreto...
Quando lá chegou, tomou logo a “Linha do Norte”, no primeiro “inter-cidades” disponível.
Desceu no Entroncamento. Queria conhecer o Lugar de onde todos os comboios partem para o resto da Europa....
Fui recebê-lo à estação de S. Bento, mais tarde...
Chorámos os dois, com os nossos cabelos brancos, vai-se lá saber porquê?
Teresinha estava lá, com o bebé nos braços, enquanto o altifalante anunciava um percurso de regresso a Lisboa, sem falhar nenhuma estação.

Será que alguém experimentava?





Hipatia Pills:



Will cause an increase of craziness


'What effect do you have on people?' at QuizGalaxy.com

Roubado à Jacky.

Graça-Prazeres


aqui



O
28 faz um aninho e hoje, como já há largos meses, recomendo a visita ao cantinho da Lisa.

Continuemos a partilhar a alegria de dar. É tão mais grato o tanto que acabamos por assim receber, sem necessidade de andar a mendigar, como o fazem todos aqueles que acham sempre que o maior prazer é no receber em lugar de estar no dar.

Parabéns,
Lisa. E que venham muitos mais anos de Graça-Prazeres. Tlim-tlim.

Aviso: estou de volta!



Depois conto como foi. Para já, tenho de sobreviver a este primeiro dia caótico do pós-férias.