2015-09-30

Papa Francisco



Em 2007, na homilia do Dia Mundial da Paz, Bento XVI afirmou «junto com as vítimas dos conflitos armados, do terrorismo e das mais diversas formas de violência, temos as mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo aborto, pelas pesquisas sobre os embriões e pela eutanásia». Na prática, chamou-me terrorista. Chamou terroristas a muitos de nós, todos aqueles que não metem no mesmo saco que a violência e a fome, o aborto a pesquisa científica ou a liberdade.

E talvez eu seja mesmo terrorista aos olhos de alguém como o Papa Emérito. Afinal, devo representar o medo para todos aqueles que sempre quiseram um mundo ordenado e a preto e branco, com hierarquias, dogmas e estratos, o nós de um lado e os outros, os diferentes, lá longe, no vão da escada da vida. Talvez eu personifique de facto o terror daqueles que não sabem o tanto de medo que os move: mulher branca, adulta, com direito a voto e voz, independente, senhora do meu ganha-pão e autoridade para dispor dos seus proveitos, que nunca quis ser só esposa, ou só mãe e muito menos cônjuge, defensora do direito à vida cada vez que o carrasco se aproxima com o nó corrediço ou a injecção letal; defensora da vida de todas as mulheres, até daquelas que não querem ser mães; defensora da eutanásia, porque somos livres de dispor do nosso corpo enquanto ainda temos capacidade para decidir em consciência; defensora da pesquisa científica, mesmo que em células estaminais, porque todas as vidas que podem ser salvas merecem esse esforço; defensora do preservativo e dos contraceptivos; defensora de uma igreja que, se se quer virar para a família e fomentar valores familiares, então tem de passar a saber o que é constituir família; defensora de impostos para os padres; defensora de um Estado laico onde os representantes de apenas uma igreja, bem como os símbolos dessa mesma igreja, não têm lugar em cerimónias que se dirigem aos cidadãos, todos os cidadãos, sem diferenciar nem credo, nem raça, nem género.

E talvez porque em cada discurso que lhe ouço o Papa Francisco se afasta mais e mais do discurso viciado, misógino e retrogrado de Bento XVI, gosto de novo Papa. Não concordo com a doutrina católica em muita coisa, quase tudo o que se afasta da ética moralizada e quer apenas ser moral empacotada. Não concordo com os dognas, a infalibilidade, as mil e uma regras sem sentido inventadas ao sabor das várias conjunturas e momentos históricos, nem com a ideia de um Deus castrador e castigador ou qualquer ideia de paraíso. Mas o novo Papa - se o deixarem viver - é uma lufada de ar fresco.

O mesmo não se pode dizer da direita norte-americana. Ver e ouvir o que disseram nas últimas semanas a propósito do Papa Francisco, tem cheiro a tudo, menos a frescura. Cheira, sobretudo, a ignorância e idiotia. E o pior é que um dia destes ainda temos uma besta tipo Trump a ganhar as eleições americanas e a achar que manda no Mundo. Ora, o mundo já está mais do que afundado em esterco e em crise. A haver Deus, que nos poupe da prosápia e sede de poder da direita republicana dos EUA. Cheira demasiado ao mesmo tipo de fundamentalismo e radicalismo dos países como a Arábia Saudita ou o Irão onde, de certeza, eu teria sido considerada herege, terrorista e condenada à morte por crucificação como o desgraçado do Ali Mohammed al-Nimr.

Se o Papa Francisco é o homem mais perigoso do mundo, porque não podemos ter uns quantos como ele a candidatarem-se a eleições? Vejam só a merda que nos sobra...

2 comentários:

deep disse...

«E talvez porque em cada discurso que lhe ouço o Papa Francisco se afasta mais e mais do discurso viciado, misógino e retrogrado de Bento XVI, gosto de novo Papa. Não concordo com a doutrina católica em muita coisa, quase tudo o que se afasta da ética moralizada e quer apenas ser moral empacotada. Não concordo com os dogmas, a infalibilidade, as mil e uma regras sem sentido inventadas ao sabor das várias conjunturas e momentos históricos, nem com a ideia de um Deus castrador e castigador ou qualquer ideia de paraíso. Mas o novo Papa - se o deixarem viver - é uma lufada de ar fresco.»

Subscrevo. :) Suspeito que não vão permitir que viva muito tempo.

Bj

Hipatia disse...

Já devem ter o veneno pronto desde que disse o céu não está reservado para católicos :-D