2010-11-30

Dar

aqui


«Recolhas do Banco Alimentar bateram recordes e dispararam 30%.»


Se calhar porque, numa sociedade de excessos, ensinar a pescar nunca pareça suficiente. Ou talvez porque, quando estendemos a mão a quem sofre, é o nosso sofrimento que mitigamos, o desconforto de nos sabermos a salvo, da arbitrariedade que nos anula no sofrimento absurdo de outro humano tão parecido connosco, tão diferente na sorte. Por todo o cinismo que os anos colaram em mim, é também por isso que dou ainda.

2010-11-25

Nunca nada muda o bastante

Irma Gruenholz


É certo que, de certo modo, estamos todos mais atentos. Mas isso não tem servido de nada às tantas de vítimas, mesmo quando denunciam, mesmo depois das queixas na polícia, mesmo quando nem assim estão seguras.

Se mudou alguma coisa depois de passar a "crime público"? Mudou: todos podemos denunciar, quando nos deixamos das velhas tretas do "entre marido e mulher" e o crime não desaparece quando a mulher, quase sempre coagida, retira a queixa. Mas isso não quer dizer que não esteja praticamente tudo mal à mesma: não há acompanhamento real dos queixosos pelo que, quando o agressor aparece para transformar em actos as tantas de ameaças, não há qualquer barreira ao seu sucesso. Vai preso a seguir, é certo, ou mata-se como um bom covarde. Mas isso deve interessar bem pouco à vitima.

E a carnificina continua, sendo que agora tem forma de estatística religiosamente "printada" nos jornais.

aqui

2010-11-23

But the ghosts still haunt the waves


Found at bee mp3 search engine


aqui

The island it is silent now
But the ghosts still haunt the waves
And the torch lights up a famished man
Who fortune could not save

The Pogues - Thousands Are Sailing

2010-11-20

Rascunho




Tripeira, sem tento nas letras nem açaimo nos dedos, há dias em que chego ao final da tarde ao blogue e só me apetece pintar a página de palavrões para lavar a alma do descalabro da vida que nos sobra da labuta. E exclamo sem dó, com um enfático ponto respectivo: foda-se!, mesmo que raramente publique. E ultimamanete o rol de obscenidades tem sido tamanho que a lista de palavrões já não cabe no espaço diminuto de um final de tarde cansado. A crise tão nem trazido o melhor de nós! E há gritos que engulo e, na garganta, ganham um granulado de fel que me enoja. Se não tivesse um blogue, talvez desse por mim a berrar à janela para o campo vazio e gelado lá ao fundo. Assim, vou ficando só em rascunho.

2010-11-15

Ou dito muito melhor

.


«O que é inacreditável é estas coisas já não indignarem ninguém, olharmos para estas ignomínias e fingirmos que é normal; ficarmos calmos quando se transcrevem conversas privadas sem qualquer tipo de interesse que não seja o da mera coscuvilhice; ignorarmos estes actos sem que pensemos, um bocadinho que seja, no que isto representa para a nossa liberdade e para os nossos mais sagrados direitos.»

Pedro Marques Lopes


2010-11-14

Media

aqui


Nunca nenhuma vida tem valor realmente idêntico a outra quando vista pelo prisma de valores que vai enformando estas notícias que nos sobram. E é que já nem é o cão a morder o homem ou o homem a morder o cão; é mais do que isso: é quase como se fossem homens transformados em matilhas. Havendo sangue, ou tragédia, ou uma hecatombe, tanto melhor, mas também basta conspurcar a vida privada de qualquer um. E a sociedade que tudo vai engolindo, cada vez mais anestesiada, mais comatosa, tanto que lhe tentam dar cada vez mais pão e circo, a ver se ainda reage, a ver se ainda há reacção possível. E as tragédias são só fait-divers; só a notícia bombástica vende. E vamos ficando calejados contra a tragédia e os factóides, servidos a qualquer hora de maneira a que a indiferença vá alastrando, até que já quase nada pareça indigno. É um mal generalizado e um tique do jornalismo que temos: explorar à exaustão o fácil, o sentimentalóide, o grotesco, as opiniões dementes de alguém, em lugar de expor factos sem julgamentos morais. A isenção nunca existiu afinal e a ingerência é arma nas lutas diárias pelas audiências e nos agrados necessários aos patrões.

2010-11-12

Aung San Suu Kyi



Será desta? E que liberdade a espera?

Números


aqui

Os números são coisas muito jeitosas. Se bem que, no dia a dia, seja fácil e evidente uma soma de dois mais dois (ou, cada vez mais habitual, um subtracção de quatro), há alturas em que até o mais pragmático dos resultados tende a esconder uma qualquer pirueta. E é com cada pirueta que já nem estranho o número: afinal, isto já é um circo há muito tempo.

E os números são especialmente jeitosos com eleições à vista: dão para tudo e são pragmaticamente adaptados às piruetas que interessam. Tirando isso, não servem realmente para nada, ainda que seja óbvio o jeito que aparentemente dão.

Atolados na crise, nas insuficiências crónicas, nas sinergias perdidas, nas falsas promessas ou nas verdades mentirosas, já nem estranho o jeito que se dá aos números. Como se bastassem agora e fossem claros como cristal, usados como adagas ou, pior ainda, como arma de gatilho rápido ou uma qualquer caçadeira com mira num zepelim.

Mas o que me assusta realmente é esta moda de agora de ver tantos em vibração orgásmica com os números da desgraça. Como se a pirueta afinal nem fosse uma foda mal dada; como se na desgraça colectiva reencontrassem finalmente o tesão.

2010-11-11

(...)



Um sítio onde não sei como vou fazer para poupar é nos concertos. É que há coisas que se transformam num crime para a alma se deixamos de usufruir.


2010-11-08

Novamente "os salvadores da pátria"

aqui


Ando cada vez mais fartinha de todos os caramelos que, com ar pomposo, nos anunciam as suas soluções milagrosas (ou ameaçam com o apocalipse) em "prime time". Como se fossem inocentes. Como se não lhes conhecêssemos as trombas e tudo o que fizeram e tudo o que nunca souberam fazer.

2010-11-05

Poeta

Cuando tu apareciste,
penaba yo en la entraña más profunda
de una cueva sin aire y sin salida.
Braceaba en lo oscuro, agonizando,
oyendo un estertor que aleteaba
como el latir de un ave imperceptible.
Sobre mí derramaste tus cabellos
y ascendí al sol y vi que eran la aurora
cubriendo un alto mas en primavera.
Fue como si llegara al más hermoso
puerto del mediodía. Se anegaban
en ti los más lucidos paisajes:
claros, agudos montes coronados
de nueve rosa, fuentes escondidas
en el rizado umbroso de los bosques.
Yo aprendí a descansar sobre sus hombros
y a descender por ríos y laderas,
a entrelazarme en las tendidas ramas
y a hacer del sueño mi más dulce muerte.
Arcos me abriste y mis floridos años
recién subidos a la luz, yacieron
bajo el amor de tu apretada sombra,
sacando el corazón al viento libre
y ajustándolo al verde son del tuyo.
Ya iba a dormir, ya a despertar sabiendo
que no penaba en una cueva oscura,
braceando sin aire y sin salida.
Porque habías al fin aparecido.

Rafael Alberti - "Retornos del amor recién aparecido"



2010-11-03

Sakineh

aqui

«Bienheureuse mobilisation qui a permis, en effet, de faire du visage de Sakineh une icône mondiale, un symbole et de différer ainsi, pour le moment, la date de sa mort annoncée ! Pour nous, bien sûr, le combat continue.»

Bernard-Henri Lévy


Para já, Sakineh continua viva. Mas é preciso continuar a fazer barulho, ou, como apelidou um alto cargo iraniano, continuar com a insolência de transformar esta mulher num símbolo e esperar, assim, que não seja transformada em mais uma vítima sem nome.



_____
ver aqui o que (ainda) se pode fazer.