Talvez eu sofra de um mal tão ou mais corrosivo do que o cansaço, que é este olhar que me sobra cada vez mais cínico e desencanto sobre as coisas e, muito especialmente, como se fazem as coisas. Mas a verdade é que todos temos um espectro limitado que, a partir de certo ponto, já não estica mais. Ai começamos a repetir-nos. Podemos não nos importar com isso e, como tantos, limitar-nos a usar a fórmula já testada para dizer sempre o mesmo de maneira diferente. Mas eu nunca consegui arranjar uma fórmula e deixar-me prender por ela…
E talvez tenha errado na frequência com que aqui venho, até na frequência com que vos leio. "Isto" provoca-nos erosão quando publicamos diariamente. Há alturas em que é relativamente fácil, porque há muita agitação por todo o lado à conta de um qualquer acontecimento (o Mundial, as eleições, a IVG...). Mas depois há os outros dias todos e, nesses, pode não haver uma qualquer muleta, como a crítica política (muitas vezes já quase factual, ainda que debitada como se fosse obra prima) ou o futebol. No extremo oposto, os textos sensíveis e poéticos, quantas vezes apenas forma, exercícios de saltar à cueca e, também eles, já espartilhados numa fórmula gasta. Talvez fosse fácil se me tivesse decidido por uma qualquer fórmula (que obviamente até tentei os modelos acima) e tivesse ficado com ela. Mas a verdade é que fiz disto um diário e a nossa vida, por mais padronizada, não se rege por fórmulas estanques.
E eu até preciso normalmente escrever, quase como algumas pessoas precisam pensar alto. Sempre foi assim que me organizei. Mas também é verdade que sou uma pessoa muito banal, muito igual a toda a gente: aquilo que conheço e que me interessa é limitado; tenho vida fora daqui; trabalho e tenho contas para pagar; não sou interessante o suficiente para não me esgotar como tema, ainda que o tema não seja exactamente eu e sim as coisas que me interessam o que, se formos a ver bem, até deve ser quase a mesma coisa.
Quanto ao registo, há sempre outras opções. Este meio acabará gasto também. Não seria o primeiro, nem o último. Talvez se gaste a tempo de o conseguirmos levar atrás para os arquivos do que há de vir, como se parte da nossa memória.
(e isto tudo disse eu ao Zé, há uns tempos atrás, enquanto todos pareciam partir para qualquer lado; isto sou eu ainda, muitas semanas depois, a dizer que talvez… pois!)