É certo que, de certo modo, estamos todos mais atentos. Mas isso não tem servido de nada às tantas de vítimas, mesmo quando denunciam, mesmo depois das queixas na polícia, mesmo quando nem assim estão seguras.
Se mudou alguma coisa depois de passar a "crime público"? Mudou: todos podemos denunciar, quando nos deixamos das velhas tretas do "entre marido e mulher" e o crime não desaparece quando a mulher, quase sempre coagida, retira a queixa. Mas isso não quer dizer que não esteja praticamente tudo mal à mesma: não há acompanhamento real dos queixosos pelo que, quando o agressor aparece para transformar em actos as tantas de ameaças, não há qualquer barreira ao seu sucesso. Vai preso a seguir, é certo, ou mata-se como um bom covarde. Mas isso deve interessar bem pouco à vitima.
E a carnificina continua, sendo que agora tem forma de estatística religiosamente "printada" nos jornais.
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12 comentários:
Basta a vítima estar tão aterrorizada ou coagida para se calar em julgamento, ou mesmo desmentir os actos de violência, para o biltre ser absolvido por falta de prova.
O que falta é um sistema que proteja a vítima, e lhe dê confiança, segurança, a ajude a reconstruir a vida longe da dependência (monetária, psicológica, seja o que for) que a torna alvo das agressões.
Amanhã ainda procuro na net um acórdão que absolveu uma senhora que, ao fim de décadas de agressões e maus tratos, um dia deu na tola ao rico maridinho e o matou. Acho que entra para a história (surpresa: o juiz presidente do colectivo era homem. há coisas que mudam, embora não pareça). O que se lamenta é que a senhora tenha chegado tão longe. Se houvesse outra mentalidade reinante, outros apoios... quem sabe.
(lembro-me desse acórdão, I. Foi coisa recente)
Hipatia, toda esta lamentável tragédia tem causas remotas muito enraizadas nas religiões e na recente emancipação económica das mulheres. Filhos que nunca presenciaram agressões do pai à mãe e mulheres independentes economicamente, terão menos probabilidade de serem potenciais agressores. Excluindo doenças mentais, obviamente.
As mentalidades não mudam com uma lei. Pode instalar-se algum medo, mas quem é doido nem medo sente. Era, por isso, necessário o tal acompanhamento psiquiátrico - do agressor e do agredido - que, a existir, é raro, porque é moroso e traz encargos ao Estado.
Infelizmente, além da violência exposta, a globalidade das mulheres sofre outro tipo de violência: a "escravatura doméstica", da qual pouquíssimas mulheres se livram. Por norma, as mulheres são escravas da casa, dos filhos, do marido, sendo raríssimos os companheiros que as tratam com respeito, que "partilham" as tarefas de casa. Usam, antes o verbo "ajudar" e fazem grande publicidade disso, como se lhes estivessem a fazer um grande favor.
Pelos motivos que julgo já ter partilhado contigo conheces a minha posição acerca do assunto.
Agradeço a tua insistência num tema incómodo para a maioria mas inevitável.
Vou tentar seguir o teu bom exemplo no meu blogue.
Interessa mais agir, claro, mas escarafunchar nesta ferida nunca é demais sobretudo quando é às bestas que dói.
Sim, I., penso que os problemas continuam os de sempre a montante e a jusante: do lado da mentalidade que nunca muda o suficiente e que faz que algumas pessoas se sintam donas de outras e pelo lado do medo corrosivo e da falta de um escudo protector para as vítimas, até quando elas já se sentem propriedade de alguém. Mas, pelo meio, há coisas que têm mudado, até nos julgamentos que alguém, racionalmente, tem de fazer sobre situações doentiamente alheias ao senso comum.
Essa senhora que foi absolvida não era aqui do Porto? Campanhã?
Paulinho, e se fosse eu a pôr a culpa na religião?...
Mas, sim, há tradicionalmente uma mentalidade talvez mais predisposta e que bebe as suas raízes tão longe como na misoginia que os homens quiseram ler e implementar a partir dos grandes textos religiosos. Mas é mais do que isso, acho. Tem haver com noções de poder e arquétipos do que é um homem e onde reside a sua força. Um homem de bem com a sua posição na sociedade, que não questione a sua masculinidade e a sua força, que não se sinta um zé-ninguém fora de casa, dificilmente vai para casa dar porrada na mulher. E se, por um lado, o facto da mulher ter saído da alçada do pater familia e ter encontrado a sua independência económica nos faria pensar que seria bastante para obstar a situações destas, a verdade é que não é assim tão simples. Se fosse, não tinham morrido 39 mulheres este ano e alguma independentes economicamente. Estou a lembrar-me em específico de uma professora e de uma bancária. Aliás, acho que não há grandes explicações, ainda que seja possível apontar algumas causas e, talvez por isso, é uma carnificina transversal à sociedade. Só nos resta prestar atenção.
E, no entanto, Deep, quantas mulheres não se predispõem alegremente a essa "escravatura doméstica"? Ou não as conheces como eu, sempre prontas a dar recados às outras, às que escolheram uma vida diferente, às que não querem a fama de super-mulheres nem sentem que a realização depende de um marido que ajuda pondo o lixo à porta, que sabe sempre como ter o jantar a horas e põe sempre o próprio emprego em causa quando telefonam da escola porque o fedelho tem dores de ouvidos? Mas daí a serem mandadas para o hospital com costelas partidas ou fracturas cranianas, ainda assim vai uma grande distância, não é?
Eu não tenho quaisquer dúvidas que, numa situação de luta corpo a corpo havia sempre de perder com um homem (pelo menos os homens que gosto), porque sou, realmente, mais fraca fisicamente. Mas também é certo que haveria de vingar-me de alguma forma e até uma cavalgadura acaba por adormecer. É esta capacidade para responder à altura que essas mulheres perdem. E, visto de fora, é isso, tanto como os resultados letais, que me deixa profundamente chocada, Jorge. Não conheço nenhum caso concreto, tirando situações com vizinhos e, essas, são sempre muito pouco claras. Não sei o que chegaria a fazer se o problema se apresentasse com alguém a quem quero bem. No limite, até essa cavalgadura acabaria por adormecer e talvez não houvesse o que parasse a minha raiva.
Eu tive a sorte de apanhar uma dessas bestas acordado e ele teve a de haver quem me apertasse o pescoço para eu parar de apertar o dele...
E vendo bem as coisas, porque a justiça feita assim vira-se contra quem a pratica, até foi uma história com final feliz.
Queremo-los bem vivos, mas lá dentro por muitos anos e sempre com medo de se baixarem para apanhar o sabonete no duche.
Era do Porto, penso que da Campanhã, sim. Pode estar-me a falhar a memória, mas acho que aviou o marido com um ferro de engomar, ou qualquer outra coisa que tinha à mão e o matou, quando ele, mais uma vez, avançava para ela. Foi um acto de desespero, coitada. Afligiu-me imenso que os filhos de tudo soubessem e tivessem crescido, saído de casa, e a não tivessem levado. Mas também não conheço a história por dentro, não posso julgar.
E saberem que quem lá está a tomar banho também tem filhas e irmãs, certo Jorge? O pior é que, normalmente, quando chegam ao xadrez já mataram a desgraçada.
Acho que era isso tudo, I. E merecido. Nem se chega a perceber como demorou tanto a dar-lhe com qualquer coisa pela cornadura abaixo.
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