2012-10-24

O monstro

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A democracia é como a liberdade: vai haver sempre quem saiba delas abusar. E será também como uma certa ideia de justiça, aquela que nos permite defender que é preferível um culpado solto do que um inocente na prisão. Os conceitos em si nada têm de errado; o que uns quantos fazem com esses conceitos, deturpando-os, adaptando-os aos seus interesses, corrompendo o seu sentido, é que sim. Não culpo a democracia, como não culpo a política, como não desbarato por completo os conceitos operativos com que aprendi a pensar o real e a inserir-me nesse mesmo real como ser político. Mas culpo quem usa e abusa da política, até tantos de nós que se mantém sempre confortavelmente arredados da política e da polis e dos mais básicos exercícios de cidadania. Os mesmos que apenas se lembram do Estado quando chega a hora de estender a mão, num exercício de demagogia em tudo semelhante à daqueles a quem entregamos a responsabilidade de nos governar esperando que não se governassem apenas a eles mesmos. Talvez afinal os culpados sejamos todos nós, habituados a uma certa ideia de democracia e demitidos de direitos e deveres. É porque tantos de nós se mantém assim de fora que o exercício político virou coutada de uma classe. E, como todas as classes, zelosa dos seus privilégios, temerosa de perder o pé, a viver à conta de quem apenas reclama e que nem sequer levanta o cu para ir votar. Fomos nós que fabricamos o monstro; não foi a democracia.

2012-10-21

RIP Manuel António Pina


Quem, como eu e a generalidade dos portugueses, não percebe nada de Finanças nem consta que tenha biblioteca e ouve repetidamente dizer, ao fim de um ano de inauditos sacrifícios, desemprego, miséria e fome, que "estamos no bom caminho", acabando por descobrir que afinal, em Março, a dívida pública portuguesa cresceu mais 26 mil milhões em relação a Março de 2011 (reinava então Sócrates, cognominado pelo actual Governo de "o Gastador"), perguntar-se-á legitimamente onde irá dar o "bom caminho".

Mas talvez, quem sabe?, seja assim que se combate a dívida, aumentando a dívida. Como o desemprego se combate facilitando e embaratecendo os despedimentos e destruindo emprego.

Dir-se-á que nem eu nem os portugueses mais pobres cuja existência tem sido imolada no altar da dívida, somos economistas, do mesmo modo que o menino que não conseguiu ver a fatiota invisível do Rei e gritou "O Rei vai nu" não era, obviamente, alfaiate. Mas quem escute as homilias diárias dos alfaiates da política de austeridade demonstrando, mediante equações só acessíveis a pessoas inteligentíssimas e com vastas bibliotecas, que "não há alternativa", esperaria ver o Rei, já não digo com sapatos novos, mas ao menos um pouco mais apresentáveis do que há um ano.

Sobretudo depois de, em Janeiro, o alfaiate-mor ter anunciado no Parlamento que 2012 seria o "ano de viragem económica para o país".


Manuel António Pina morreu sexta-feira, dia 19 de Outubro.

2012-10-11

Zombie


Nas últimas eleições para a Presidência da República tivemos a candidatura de uma convenção geriátrica, de corpo e mente e forma de fazer política, todos tomando a polis para seu interesse e nunca pelo interesse da polis. E ganhou a fava. Ou saiu-nos a fava: um Presidente abestido, de discurso azedo e ressabiado mesmo quando quer ser inócuo; um PR que foge do povo para o cu de Judas do 5 de Outubro para não enfrentar quem devia representar; um velhote que como político nunca valeu um vintém e fecha sempre a boca quando deve falar, só a abrindo para deixar cair migalhas de bolo-rei ou resíduos que fazem notícia nos jornais espanhóis. E o pior é que já sabíamos o que aí vinha, mas ainda demos a esta nódoa alojada em Belém segunda hipótese de (não) brilhar. Agora, com um governo de loucos incompetentes ao leme, estamos realmente órfãos e, por isso, talvez só nos sobre realmente a rua. Só falta saber por quanto tempo a rua continua pacífica.

2012-10-05

Circo

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E não era há anos tudo um circo? Com data marcada, juntavam-se os palhaços na bancada, diziam umas bacoradas, posavam para a fotografia e, no dia seguinte, tudo seguia como dantes. Iam lá fazer o frete. Sempre com ar de grande frete: corpos presentes, mas só isso. Na assistência, o povoléu olhava para a bancada e para os símbolos. Um circo como outro qualquer, mas com data marcada e significado há muito perdido. Pensando como foi durante anos, enquanto a abundância aparente desconsiderava tradição e história, vejo a tempestade num copo de água. Um copo pequenino e talvez por isso tão pronto a transbordar. Se nos tiram todo o respeito, como sobrará respeito para dar?

2012-10-03

Zé Povinha



 - Sobretaxa de 4% em sede de IRS para todos os trabalhadores. Ainda falta saber se será feito num único mês ou repartido por todos os meses;
 - Escalões do IRS vão ser reduzidos de oito para cinco, o que implica um aumento de impostos, devendo a taxa média efectiva passar dos actuais 9,8% para 11,8%, a que se junta a sobretaxa. Quem paga taxa máxima de IRS vai pagar 54,5%, apurou o Negócios.
 - A taxa de solidariedade de 2,5% para quem está no último escalão do IRS mantém-se
 - Reposição de um subsídio para a função pública, mas aumenta-lhe IRS, nomeadamente porque a função pública também é abrangida pela sobretaxa de IRS
 - Reposição de 1,1 subsídios aos pensionistas e reformados; Ministro das Finanças já tinha anunciado, em conferência anterior, à redução das pensões a quem aufira rendimentos acima de 1.500 euros, com cortes entre 3,5% e 10%
 - Os rendimentos com juros, dividendos e royalties vão estar sujeitas a taxas liberatórias de 28%, apurou o Negócios. Estas taxas já aumentaram em 2012 para 25% e em Setembro Vítor Gaspar anunciara a subida, ainda este ano, para 26,5%. Mas para 2013, ainda sofrerão novo agravamento
 - IMI vai disparar em 2013 sem cláusulas de salvaguarda - Imposto sobre tabaco aumenta, mas não foi explicado em quanto
 - Tributação sobre bens de luxo aumentam. Vítor Gaspar já tinha avançado que isto iria acontecer, nomeadamente ao nível da tributação a barcos, carros de alta cilindrada e aeronaves. Também os imóveis com valor acima de um milhão de euros vai ver agravado o imposto. Estas medidas são para 2013, mas iniciam-se já em 2012
 - Novo imposto sobre transacções financeiras, mas sem se saber os moldes, já que a medida não está ainda definida na plenitude
 - Para as empresas: Derrama estadual máxima, de 5%, passa a ser aplicada sobre lucros que excedam os 7,5 milhões de euros (até agora era de 10 milhões de euros). Aos lucros acima de 1,5 milhões de euros já era aplicada uma derrama de 3%, à qual Vítor Gaspar não se referiu
 - Aumento da base de incidência de IRC para empresas, limitando-se as deduções fiscais com créditos, à semelhança do que Vítor Gaspar já tinha anunciado
 - Indemnizações compensatórias para empresas públicas vão diminuir, mas não foram avançados valores.


E cá estou eu, de manguito preparado, vítima certa da caça cega aos cobres que sobram da classe média acossada.

2012-10-02

(...)



Now Tom said "Mom, wherever there's a cop beatin' a guy
Wherever a hungry newborn baby cries
Where there's a fight 'gainst the blood and hatred in the air
Look for me Mom I'll be there
Wherever there's somebody fightin' for a place to stand
Or decent job or a helpin' hand
Wherever somebody's strugglin' to be free
Look in their eyes Mom you'll see me."