2010-05-29

Avó

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Está em ti hoje toda a minha noção de eternidade, avó: uma eternidade que cabe na palma da tua mão enrugada; que está nessa essência que sou sendo parte de ti, parte da mãe que pariste e que me pariu a mim; nas pernas que herdei orgulhosa; no formato do corpo, no tom de voz, na falta de mariquices. Está nesta crença que tenho em mim de que repetirei os teus passos de forma nova, mas ainda assim com os mesmos caminhos. Está na evidência genética do que sou, esta coisa em que me transformo enquanto as minhas rugas, ainda tão diferentes das tuas rugas, se vão construindo em desenhos semelhantes.

Chegasse eu a ter essa mão feita pano enrugado, cinzelada a linhas de história e de crescimento, sei que seria muito parecida com o que és hoje: pequenina, frágil, com medo da morte que é cada vez mais como a vizinha que te pisca o olho todos os dias. Chegasse eu a essa idade, ia querer ter essas mãos sulcadas pelo destino. Chegasse eu à tua idade, queria ter uma palma da mão onde coubesse ainda a família, num retrato desbotado pelo tempo, quando o tempo ainda era medido em mais do que instantes.

É que sei que herdei nos genes isto que me faz tão parecida contigo, mesmo sendo tão diferente. É que sei que a eternidade se mede não num qualquer paraíso que tantos julgam intuir como verdade, mas sim na memória que os outros não querem perder de nós. E uma mão assim sulcada é uma mão eterna: já acariciou e foi acariciada por tanta gente que, ao ser tão amada, será eterna enquanto permanece indelével na memória daqueles que seguraste nas tuas mãos, contra o teu peito, no teu carinho.

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A minha avó fez anos no dia 26, rodeada por mais de meia centena de familiares e vários amigos. É a matriarca que mantém uma família de doidos unida, que merece que gente de Abrantes, da Guarda, de Lisboa e até do Brasil se desloque de propósito para lhe cantar os parabéns por uma vida longa e rica. É uma celebração a que dificilmente terei direito, eu que não tenho filhos nem esperanças de chegar aos 90 anos rodeada de tanta gente. E, no entanto, quando me vejo ao espelho, vejo cada vez mais traços em mim que mimam cada expressão e cada ruga da minha avó. Não seria um mau futuro chegar aos 90 anos lúcida e a saber-me tão querida.

8 comentários:

Bartolomeu disse...

É um enorme bem, conhecermos de onde vimos, onde estamos e porque estamos. A forma segura, de sabermos para onde vamos... e porque vamos.
Parabéns à vóvó e à neta!

Filipa Paramés disse...

Homenagem bem bonita.
Parabéns avó :)

Anónimo disse...

Que inveja de ti e dela...
Não tenho avós há uns doze anos e olha que o último (neste caso, a última) que se foi, tinha 101 anos!
Muitos Parabéns!

I. disse...

Parabéns à tua vó!
A minha fez 94, aqui há dois mesitos, na companhia de filha, netos e bisnetos. Não chego lá, mas tê-la (ainda) por cá é tão importante :)

Hipatia disse...

Esta minha avó casou aos 16 anos e levou um irmão de 6 e uma irmã de 4 para acabar de criar. Ainda aceitou depois um sobrinho e, mais os 4 filhos, deu destino a toda a gente e curso superior a quase todos. Ela, que andou na escola 6 meses e sempre se recusou a não saber ler nem escrever, mantendo por teimosia o hábito de nos deixar recados que, se mesmo que não fossem no português correcto, eram sem dúvida mais do que inteligíveis. Na realidade, eram recados parecidos com o "smsês" dos putos de agora. A minha avó sempre esteve muito à frente!

Hipatia disse...

Obrigada, Filipa :))

Hipatia disse...

Não sei se a minha avó chegará muito mais longe, Paulo: está com uma anemia, tem diabetes e não lhe apetece comer nada. Ficou, de um momento para o outro, demasiado velhinha para acreditarmos que resista ainda mais uma década. Mas não será por falta de tentarmos! Ela é a matriarca e não sei se a família voltará ao mesmo quando ela nos faltar. E a minha família de doidos gosta de ser como é.

Hipatia disse...

Também não devo chegar aos 90. E nunca chegarei aos 90 rodeada de tanta família, isso é certo. E, bolas!, foi bonita a festa, pá :D