2013-02-16

Carta aos amigos mortos

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Eis que morrestes - agora já não bate 
O vosso coração cujo bater 
Dava ritmo e esperança ao meu viver 
Agora estais perdidos para mim 
- O olhar não atravessa esta distância - 
Nem irei procurar-vos pois não sou 
Orpheu tendo escolhido para mim 
Estar presente aqui onde estou viva. 
Eu vos desejo a paz nesse caminho 
Fora do mundo que respiro e vejo. 
Porém aqui eu escolhi viver 
Nada me resta senão olhar de frente 
Neste país de dor e incerteza. 
Aqui eu escolhi permanecer 
Onde a visão é dura e mais difícil 

Aqui me resta apenas fazer frente 
Ao rosto sujo de ódio e de injustiça 
A lucidez me serve para ver 
A cidade a cair muro por muro 
E as faces a morrerem uma a uma 
E a morte que me corta ela me ensina 
Que o sinal do homem não é uma coluna. 

E eu vos peço por este amor cortado 
Que vos lembreis de mim lá onde o amor 
Já não pode morrer nem ser quebrado. 
Que o vosso coração que já não bate 
O tempo denso de sangue e de saudade 
Mas vive a perfeição da claridade 
Se compadeça de mim e de meu pranto 
Se compadeça de mim e do meu canto.

Sophia de Mello Breyner Andersen

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