2005-10-08

Tardes mansas

Quem vê T.V.
Sofre mais que no W.C.

Táxi – T.V.W.C.


Há filmes a que preciso voltar de quando em vez. Um deles é já um cliché de quase todas as histórias e será também um em muitos blogues. Mas não deixa ainda de ser o meu cliché, pelo tanto que me faz sentir de cada vez que o vejo. Resgato-o sempre que tenho necessidade de opor à míngua da televisão a grandeza projectada noutros écrans. Mesmo que, como hoje, seja na minha televisão que, mais uma vez, o contemplo.

E parece-me sempre certo escolher o "Cinema Paraíso" para mote de tardes mansas. Pela forma bela e completa como faz um exercício de memórias, as nossas e as do cinema.

Lembram-se do “La Nuit Americaine”, do Truffaut? Também é um elogio ao cinema e, no entanto, o tom é completamente diferente. Mas há uma cena, um sonho, em que o realizador (Truffaut "himself") recorda uma escapada na escuridão da noite para roubar um poster do "Citizen Kane" da parede em frente a um cinema... E eu sempre imaginei que o Tornatore podia ter feito o mesmo, com o mesmo carinho, saudade e amor pelo cinema, que deixa transparecer no imensamente belo "Cinema Paraíso". Aquela cena final, com um realizador de cinema envelhecido e desencantado, sentado na escuridão de uma sala de cinema a ver uma colagem de beijos censurados, tem o peso das nossas memórias e quem ama o cinema consegue imaginar o que está a sentir a personagem de Jacques Perrin...

O cinema Paraíso foi derrubado; o Toto cresceu e deu origem a um homem desencantado; o Alfredo morreu; a televisão impôs-se e tomou o lugar que era reservado noutros tempos às salas de cinema... E, no entanto, lembro-me de ter lido uma crítica ao "Cinema Paraíso", em que se fazia referência àquela maravilhosa cena da projecção para as paredes da praça, referindo que o que é verdadeiramente lamentável não é o facto de o écran ter minguado mas sim o facto dos écrans não continuarem a crescer para conseguirem reflectir cabalmente a grandeza de alguns filmes.

Tudo o que é de facto espectacular devia ser visto a uma escala semelhante: alguns filmes, alguns livros, vários poemas e partituras, algumas vozes.....

Mas é cada vez mais difícil encontrar o encanto certo. Então volto aos encantos já antigos, portos seguros para tardes mansas, em dias em que já não há reflexão possível para o tanto de nojo com que pinto o quotidiano.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais Vozes

On : 10/9/2005 4:54:17 AM TheOldMan (www) said:

O encanto não existe. Somos nós que o criamos e projectamos sobre as coisas e os outros.

Hoje está uma chuva encantadora, mas amanhã vou-me molhar...





On : 10/9/2005 7:23:09 AM mochofalante (www) said:

olha, fiquei deliciado com o teu post. e Porquê? Porque em primeiro lugar mencionadas um filme que eu simplesmente adoro e que não me canso de ver e depois a forma como escreves é deliciosa....

Num dia cinzento e chuvoso como o de hoje, só apetece beber um belo chá e ao sabor de uns belos scones, revemos "Cinema Paraíso" no sofá embrulhado na manta da sala.... as eleições??? que se lixe!

Bom fim de semana


On : 10/9/2005 7:36:21 AM Hipatia (www) said:

Aqui está cinzento, mas não chove Old Man. Talvez anda chova. E eu andava com saudades da chuva

E claro que tens razão: nuns dias o encanto, nos outros o desencanto, às vezes exactamente pelos mesmos motivos. Acho que também me molho amanhã...




On : 10/9/2005 7:37:58 AM Hipatia (www) said:

Obrigada, Mocho

Mas olha que eu vou votar. Afina, vou sempre. Depois regresso para o sofá. Mas, no entretanto, passo no clube de vídeo, porque ver "especiais eleições" é mais do que aquilo que posso tolerar


On : 10/9/2005 8:54:58 AM mochofalante (www) said:

Eu também vou votar, até porque só assim tenho liberdade de criticar à vontade..... mas depois, depois lá vou eu para a sala ver um bom filme


On : 10/9/2005 10:37:44 AM Hipatia (www) said:

Como eu, Mocho

Aliás, é exactamente sobre isso que vim agora, aqui, postar