Naquele lugar sem nome para qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue de um peito aberto sai
O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu
Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina, à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou
Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas de uma nação
Pedro Mandes
A Isabel pediu um dia com o Zeca. E nem era preciso pedir. Zeca Afonso faz parte da minha história. É, talvez, a primeira música que lembro ouvir, sentada no colo do meu avô, enquanto me diziam que não podia ser mais alto, que não podia contar na rua. E Zeca Afonso tocava. E tocava-me. Toca-me ainda. Porque faz parte da minha história. Porque o junto nas memórias às memórias da minha família, ao meu avô que também já cá não está.
E a homenagem é ao Zeca Afonso, neste dia em que se fala da sua morte; mas é também a homenagem ao meu avô. E, acima de tudo, a todos os pintores - todo o tipo de pintor: os que pintavam com aguarelas ou óleos, os que pintavam com palavras, os que pintavam com acordes, os que pintavam apenas com as trinchas ou os arados do trabalho quotidiano - que celebraram a vida por entre o escuro e triste deste País.
Foram-se os vampiros de outrora; sobram os vampiros de fato novo, promovidos a doutores. E os pintores caem ainda por terra. Haja quem os cante!
11 comentários:
Até me arrepiei toda! :)
Tens toda a razão! O que é preciso é avisar a malta que os doutores do poder de agora são novos vampiros. Sejamos nós os novos pintores para colorir isto. :)
O ano passado, à conta da entrega pela maçonaria de um livro onde estavam os nomes dos bufos do antigo regime, escrevi um post para a Mar sobre os vampiros. Não me lembro se já me lias em Abril. Mas acho que, se não o leste na altura, talvez gostes de ver hoje este post. Tem todas as minhas dúvidas sobre os bufos de ontem e de hoje. E também a minha opinião sobre os vampiros que o Zeca Afonso tão bem cantou. O link é: http://vozemfuga.blogspot.com/2005/04/despojos-antigos.html
Confesso-te que uma das coisas que mais espécie me faz neste nosso tempo é o pouco que gritamos contra o que está mal. Ou cantamos. Ou denunciamos de qualquer forma. Falamos dos assuntos. Claro que falamos! Mas não estamos dispostos a sacrificar seja o que for por uma causa. A geração que o sabia fazer e que o fez de facto está a morrer aos poucos. As causas foram, aos poucos, perdendo sentido para a maioria, talvez porque essa maioria nunca tenha realmente vivido qualquer tipo de privação.
E, para além de tudo o mais, estas causas raramente fazem boas notícias, daqueles que agora vendem jornais e aumentos os shares das tv's...
Menina, este teu post está tão bonito! Bem haja ao Zeca por te inspirar. E por tudo o que fez ao longo da vida.
Em Abril do ano passado já te lia... só que quase não comentava. :((
E tens razão que os vampiros e os bufos "eles andm aí". Agora sob as elogiadas instituições nacionais que são o chico-espertismo e a cunha.
Depois as televisões ajudam à festa com programas como os reallity-shows, para dissolver todas as causas em coisas impróprias para consumo e promover junto das massas as aparências,os 15 minutos de fama, o sucesso mediático como reconhecimento de vida.
Concordo que nestas circunstâncias, a maioria não está disposta a sacrificar seja o que fôr por uma causa. Isso começa a ser tão reprovável socialmente como fumar em público.
Mas como sou casmurra julgo que ainda é possível ganhar as gentes para causas. Lembro-me de Timor, das preocupações ecológicas crescentes, de que o PS ganhou as últimas eleições para tirar de lá de vez o Santana, de que o Cavaco ganhou à primeira por uma unha negra. E em meios mais pequenos, é sempre possível reunir vontades para melhorar alguma coisa.
A meu ver,falta é um meio de ampla difusão de causas. Falta um "marketing" que toque a todos para sentirem as causas como suas e vestirem as camisolas.
Haja quem.
:-)*
Obrigada, Patologista :)
Na verdade, contra mim falo, Maria Árvore. Porque não sinto que invista o suficiente no que é necessário mudar. Porque há dias em que estou tão cansada que não tenho vontade de nada. Porque nunca vai chegar seja o que for. E não tenho voz suficiente para fazer a diferença, ou sequer empenho: há sempre um fim do mês à porta e a prestação da casa e o trânsito e o que vai ser para o jantar e o carro que está velho e o arranjar o tempo suficiente para abraçar quem quero e continuar a empilhar os livros que quero ler e os filmes que quero ver e... Sou um umbigo, na maioria dos dias. Não sobra muito espaço para o outro e nem sempre há vontade de sair à rua com lenços brancos e fazer de uma qualquer terra distante que nunca vi a terra minha a defender :(
Haja quem, J.P. Alguém que nos saiba levar também.
Esta música também me arrepia...
Para quem não saiba, o Zeca escreveu-a em homenagem ao pintor Dias Coelho, morto pela PIDE numa rua de Lisboa.
Não valeu de nada, pois a arte seguiu no sangue das suas filhas:
Conhecem a pintura da Teresa Dias Coelho?
Eu sabia sim, Gaivina. Aliás, andei pela net à procura de uma qualquer imagem da pintura de Dias Coelho para ilustrar o post mas, infelizmente, não encontrei nenhuma :( Até isso nos mostra como desbaratamos a nossa cultura :(( Apenas uma fotografia do pintor; nenhum dos seus trabalhos. Ou, então, eu não soube procurar :S
Mais Vozes
Parabéns por hoje
É hoje, não é? É q senão fiz fugura de tola lá no meu blog
vague | Homepage | 02.24.06 - 1:14 pm | #
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Não, não é É daqui a um mês certinho Sou "carneira"
Hipatia | Homepage | 02.24.06 - 2:16 pm | #
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