Na memória, guardo sempre duas micas em cima de uma cadeira à espera das primeiras badaladas do ano novo, enquanto todos os outros se perfilavam ancorados no chão. Já foi há dois anos que nos juntamos para a passagem de ano pela última vez: o ano passado porque não podia ser, este ano porque eu não vou poder ir. Vou mais a sul, estar com alguém de quem existe uma fotografia muito pitoresca – "ele e a manta", poderia chamar-se assim – tirada em casa da minha amiga. Faz parte de uma colecção de momentos, nunca de sabor repetido mas que gosto muito de repetir, numa sala de uma casa tão longe de onde estou sempre e tão perto de onde gosto de estar. É a casa da minha amiga, uma que já foi minha gémea.
Mas não somos gémeas, claro, mesmo que eu goste de pensar que somos uma espécie de irmãs, até quando discutimos e nos zangamos, como só se consegue fazer com quem nos é muito próximo, muito querido. E já nos conhecemos há uma pipa de tempo, bem antes do primeiro encontro num dia já distante de uma Campanhã que já está até diferente, quando celebramos com um abraço apertado a amizade que começou aqui na net. Isto, obviamente, depois dela relevar o facto de eu, antes mesmo de lhe escrever a ela, já trocar palavras com o marido.
A minha amiga tem um feitio do caraças. Deve ser um dos principais motivos porque gosto dela: nunca gostei de gente indelével, sonsa e sem espírito. É maior do que eu um pedaço e a sorte é que os bracinhos não são demasiado violentos. É só preciso tomar atenção aos pedantes, para não voarmos para longe. E imagino-a sempre enfiada em encrencas, mesmo quando não está, o que faz nascer em mim uma mania de me meter onde não sou chamada, o que quase sempre não é boa ideia, porque também tenho um feitio do caraças e uma capacidade inata para a pirotecnia. Mas acabamos quase sempre a rir-nos juntas: de nós, uma da outra, do mundo, das coisas boas e até das coisas tristes. E ainda há, obviamente, os lombinhos com tâmaras que mais ninguém faz igual. E só de estar aqui a escrever sobre isso já nasceu água na minha boca…
A minha amiga – que me conhece tão bem! – sabe como eu ia gostar de estar hoje com ela. Talvez a comer os lombinhos e a beber tinto, chegando depois quase de gatas à cama, bem disposta e com a conversa toda posta em dia. E era o que eu ia fazer: ia sair cedo, meter-me no carro e correr até ao abraço da minha amiga. Ia dar-lhe os parabéns e matar estas saudades. Dar-lhe uma lembrança pequenina que andei a catar com cuidado e ver a felicidade dos nicos com qualquer papel colorido só porque sim, enquanto a nina me perguntava pelo batom e pelo perfume para que o pai endoidasse mais um pouco com as manias coloridas e fedorentas que a bimba do Porto lhe mete na cabeça da cria. Mas depois abríamos outra garrafa e às tantas faríamos até um brinde...
Só que os meus planos saíram todos furados. Não vai poder ser. Não vou poder ir hoje… Mas vou ainda assim – aqui de longe – levantar um copo cansado, desacompanhado, à tua, miga. Pela saúde e pelo contentamento, enrolados em parabéns; pelo novo ano que começa e que tem de ser melhor; e por nós as duas, amigas ainda, apesar de e de e de. À cabeçada, se for preciso. Mas amigas.
Parabéns, Vanus.