2011-03-12

Geração à rasca


em 1994 foi assim


O que nos foi prometido em conforto material, em suaves prestações mensais, levou junto o nosso inconformismo. Eu olho para trás e lembro um tempo em que fui capaz de sonhar com um Mandela livre, um mundo sem bombas nucleares, sair à rua para festejar a queda do Muro de Berlim. Mas a última vez que sai à rua por qualquer coisa foi Timor há mais de 10 anos atrás. Pelas vítimas do Tsunami de 2004 fui a um concerto. Dentro do País, há muitos anos envolvi-me com uns tais de Estados Gerais e esperei que tudo ficasse melhor agora que, finalmente, o cavaquismo estava apeado ou assim parecia. Mas acabei rapidamente desiludida. E sobrou o referendo da interrupção voluntária da gravidez e a minha cidadania cada vez mais confortavelmente sentada no sofá. E a minha geração, excepto os que entre nós se fizeram especialistas da cunha e tecnocratas cinzentos dos aparelhómetros partidários, resume-se hoje a um bando de gente, derrotada à partida, incapaz de agir, sentada no sofá a insultar a televisão e a sorte, mas sem fazer nada para mudar a maré. E eu faço parte desta geração, envergonhada de fazer, mas sem mais vontade do que os outros de levantar o cu e os braços e fazer mais do que protestar.

E hoje vou ver os jovens sair à rua, esperando que as convocatórias pelo facebook lhes garanta realmente um verdadeiro direito à indignação e que não deixem que políticos e sindicalistas à moda antiga lhes cavalguem a onda de protesto. E espero que dali saia mais do que palavras vazias e actos nados-mortos: protestar apenas, sem fazer, é filme que já vi, vejo todos os dias, nas caras e nas acções dos que, como eu, há muito se arrastam à espera que amanhã seja um dia melhor para acabar com mais um qualquer castigo às costas. E pergunto-me se servirá realmente para algum coisa o protesto de hoje. Afinal, eu fiz parte da tal que foi chamada a geração rasca, a geração que saiu à rua contra as políticas de educação do cavaquismo para ser tratada à paulada e insultada e resumida, passados uns anos, à geração dos 1000 euros por mês. E os protestos foram nada e temo que os de hoje sejam menos ainda. É que à rasca estamos quase todos. Mas protestar apenas também já sei que não leva a coisa alguma.

6 comentários:

deep disse...

Estou contigo: dividida entre a vergonha de ficar de braços cruzados a assistir no sofá e céptica relativamente aos frutos que mais uma manifestação há-de trazer. Também já participei e já acreditei.
Hoje acredito que as manifestações começam também nos nossos locais de trabalho, reivindicando aquilo que está ao nosso alcance. Como acreditar que as manifestações de rua levam a algum lado quando aqueles que mais nos criticam e mais nos instigam a fazê-las " a bem da classe e/ou do país" são os primeiros a ser coniventes com o sistema e a "lamber as botas" dos "chefes" mais directos para não comprarem guerras e para conquistarem o seu lugar ao sol?

mfc disse...

Estive lá... e emocionei-me!

Anita dos Anjos disse...

Hj temos mais ferramentas para expressarmos nossas opiniões, temos voz! Sinto vergonha também de não fazer mais, não fazer a diferença em determinados assuntos! Mas a voz, eu me manifesto por palavras escritas, nelas me liberto e posso fazer com que o mundo me enxergue! Adorei seu texto...

Ótimo início de semana pra vc! Beijinhos... Passa lá no meu blog e confere a continuação do Conto! Bye bye

Hipatia disse...

Nos postos de trabalho não há hoje quaisquer garantias ou privilégios e trabalha-se cada vez mais e mais horas por salários que, na prática, estão mais do que congelados desde o tempo em que o Ti Cavaco inflacionou o escudo antes de passarmos a ter euro. E lá vamos todos os dias para a labuta, arrastando mais um dia porque ao fim do mês, com sorte, ainda sobram uns trocados depois de pagas todas as prestações e as contas e a gasolina e o IVA e o caralhinho. E, sim, fico deste lado a olhar, desconfiada e apática e sem fé alguma em passeatas ou qualquer tipo de manifestação de gente que parece ter como único objectivo na vida ser funcionário público :(

Hipatia disse...

Sabes o pior, Manel? É que eu já estive lá antes e agora já nem me consigo emocionar.

Hipatia disse...

Portugal está a passar uma fase muito má, Anjo. A crise económica está a dar cabo de nós, mas há uma crise ainda mais daninha, que se aninha na alma das pessoas, lhes tira esperança no futuro, fere de morte objectivos colectivos e individuais, se manifesta numa cidadania envergonha e num abismo cada vez maior entre a população e os políticos que vão levando a barca ao fundo. Não sei se chegam palavras hoje em dia; a mais das vezes, resumem-se a outra letra de fado e nunca muda a cantiga.