2005-10-09

Polis

Sempre senti que devo um romance ao meu irmão. Na vida há poucos homens com um verdadeiro sentido de honra e integridade política. O meu irmão é um deles. Salvou muitas vidas durante a ditadura. Viveu a mais dura clandestinidade talvez porque, marcado pelos ensinamentos do meu avô Gerardo, desde muito novo soube que não lutava para ser livre. O meu irmão lutou porque era um homem livre.

Luís Sepúlveda - Uma História Suja


Não caímos de pára-quedas na vida. Caímos num qualquer lugar. E esse lugar é, normalmente, uma família. Eu caí numa. E a vida caiu assim em mim também.

Por ter sido criada numa família específica, numa família de gente livre, que sempre soube que era livre, mesmo quando o poder lhes dizia que não, também fui educada nas velhas noções de direitos e deveres. E é meu direito protestar contra esta democracia franzina e raquítica, cada vez mais uma anedota, mas apenas enquanto exercer os meus deveres de cidadã.

E é por isso que voto. Que vou lá de todas as vezes. Que hei-de continuar a ir. Ou então não poderia protestar e fazia tábua rasa de todos os direitos que conquistaram para mim, homens e mulheres como os da minha família, que nunca se calaram, que sempre lutaram, porque sabiam que, enquanto o fizessem, eram Homens livres.

Ainda que muitos dissessem que combatiam para serem livres, na minha família a liberdade era o dado adquirido. O que importava era lutar para preservar esse direito. E isso implica sempre responsabilidades, das tais que me ensinaram desde cedo: um voto, uma escolha.

Fui politizada à nascença, muito mais do que por ter nascido no seio da polis. Fui politizada porque a Política (com letra grande, apenas aqui) sempre foi parte do caminho no meu posicionamento na vida e na sociedade. Porque os grandes arquétipos doutrinários sempre condicionaram as minhas escolhas, mesmo quando os via transformados em discursos ocos nas mãos de farsantes bem pagos a viver à custa de quem ainda quer acreditar.

Ser cidadão é não esquecer que se faz parte. É não ousar ficar de fora. Mesmo que seja uma anedota corrompida. Mesmo que já quase não queira dizer nada. Mesmo que pareça já não mudar nada.

E vou. Vou sempre.

1 comentário:

Hipatia disse...

On : 10/9/2005 2:20:39 PM maria arvore (www) said:

Para além de tudo o que disseste e que subscrevo, digo que deixar de ir é deixar de ter opinião.

Só deixarei de ir quando essa fôr a forma última de mostrar que a democracia passou a anedota inteira.


On : 10/9/2005 2:38:37 PM Hipatia (www) said:

Já estivemos mais longe dessa anedota inteira, Maria Árvore. Mas, apesar de tudo, ainda nos resta opinar. Contra, quase sempre. E engolindo muitos sapos. Ir lá e pôr a cruz, mesmo sabendo que, no dia seguinte, a merda está toda da mesma cor. Mas não podemos continuar a ser um povinho miserabilista que só sabe exigir sem dar nada em troca. A falta de consciência cívica talvez me assuste mais do que a anedota em que transformaram a política "profissionalizada" (isto, sim, é anedota) tal como a temos. Talvez seja, afinal, o que merecemos


On : 10/9/2005 3:11:36 PM Condessa às Avessas (www) said:

Pois é minha cara Hip...! Mas a minha voz não se deve resumir a estes momentos... deve estar inscrita no meu posicionamento crítico diário, na minha participação diária. Fui recentemente a um congresso que se primou, mais uma vez, pela queixa colectiva do que está mal no sistema. Propostas de alteração, de empenhamento na mudança, de criatividade e de autocrítica primaram, como é normal, pela sua ausência.
Para mim o voto é um direito e um dever do qual não prescindo mas questionar, na escola dos meus filhos, a Associação de Pais que assume uma postura ditatorial e autista é também um dever que se me impõe (entre outros). A minha participação crítica na sociedade não se esgota na cruz.


On : 10/9/2005 3:35:55 PM Hipatia (www) said:

Claro que não se esgota na cruz. Nem pode. E se não se percebeu que (também) queria dizer isso, então o post falhou redondamente. Porque queria dizer que também é precisa a cruz, como é precisa uma consciência cívica quotidiana. Não basta, não pode bastar, andarmos para aqui todos com o discurso dos coitadinhos, miserabilista, sem acção directa na parte que nos toca realmente. E suspeito que a grande maioria dos discursos não passa disso mesmo: palavras para serem levadas pelo vento.


On : 10/9/2005 3:43:24 PM Condessa às Avessas (www) said:

É claro que o teu post não falhou redondamente!!! Eu sublinho cada palavra que, de forma brilhante, lá colocaste. Só pretendi bater num ponto que é deveras esquecido. Se calhar, por estar ultimamente demasiadamente envolvida na situação que referi no comentário anterior, é que a minha resposta foi tão visceral. Desculpa-me por isso... mas já me devias conhecer melhor!


On : 10/9/2005 5:37:23 PM Zu (www) said:

Também eu te subscrevo, Hip: nunca deixo de votar, e vou educando a minha filha para que ela compreenda como esse é um direito que nunca devemos deixar de exercer.
A intervenção activa em muitos outros campos para além da cruzinha em dia de eleições é coisa mais complicada, mas que sinto cada vez mais como imperiosa, a começar por mim. E sobretudo por causa da anedota corrompida que parece ser grande parte de quem nos governa - se tal servir para nos obrigar a ganhar mais e melhor consciência cívica, já haverá alguma vantagem nisto.


On : 10/9/2005 6:33:52 PM mysticat (www) said:

eu até estive nas mesas de voto!

pena o voto n ser um dever como em muitos países. quem não vai, recebe uma bela coima. (aliàs nem percebo como é q o governo n se lebrou ainda disto.. olha o dinheiro q eles ganhavam!!)
não tem de pôr cruzes se não quiser. basta ir, nem q seja para mostrar o desagrado de tudo qt està à sua volta.

bjs*


On : 10/9/2005 7:48:03 PM Hipatia (www) said:

Às vezes, a acção cívica começa no nosso bairro. Ou contra uma Associação de Pais fascista e reaccionária

Beijo


On : 10/9/2005 7:49:33 PM Hipatia (www) said:

E fazes bem, Zu. Da maneira que nos estamos a transformar numa sociedade fast-food de gente que nem quer saber, há que ensinar aos mais novos quanto custou ganhar o direito a um simples voto. Especialmente para nós, mulheres.


On : 10/9/2005 7:50:33 PM Hipatia (www) said:

LOOOOL Misty.

Tu não lhes dês ideias, 'pariga. Olha que às tantas mudam a lei de propósito a tempo das próximas


On : 10/11/2005 6:26:23 AM mysticat (www) said:

já percebi!!!

se instaurassem esse sistema, ainda recebiam menos votos

mal por mal, mais vale a abstenção lolol

beijito!


On : 10/11/2005 7:37:55 AM Hipatia (www) said:

mas faziam uns bons quebrados

beijo

(e que tal? sempre sim ou nem por isso?)