2025-11-20

Café

Acordei hoje com a chávena a chorar por dentro. Não era drama — era falta de café mesmo, essa desgraça líquida que, quando falta, põe a alma a chiar como porta velha. Fui à cozinha com a esperança de quem procura redenção num pacote de bolachas, mas a lata do café devolveu-me apenas um suspiro metálico, desses que anunciam o fim dos tempos ou pelo menos o fim da manhã.

E lá fiquei, a olhar para a cafeteira vazia como quem contempla um romance impossível. O mundo continuava, claro. Os pássaros chilreavam, os vizinhos discutiam por ninharias, o correio trazia contas — mas eu, sem café, era apenas um cidadão diminuído, um ser em modo de rascunho.

Prometi a mim mesmo que amanhã farei uma peregrinação ao supermercado, talvez até de mangas arregaçadas, como quem assume um destino épico. Porque ninguém merece enfrentar a realidade assim, sem grãos infusionadas a emprestar coragem ao sangue.

Até lá, sobrevivo. Mas que se saiba: não é vida. É interlúdio

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