2005-11-30
Mais comPILAções
aqui
Almoçar com a prima...
Almoçar com a prima era sempre uma grande chatice. Mas ela sempre fora uma madrinha empenhada na união deles os dois, além disso pagava o repasto. Aparecia com o primo, apêndice silencioso naquele casal, e escolhia, como de costume, um restaurante despersonalizado da baixa.
Sendo assim, cederam ao novo convite, preparados de antemão, para o "filme" que se seguiria.
À hora certa, lá estava a prima, com o seu leal servidor, esperando numa mesa de canto e acenando com um guardanapo, como que a dizer – "Estamos aqui"...
Sentaram-se os dois amantes frente aos desusados parentes. A mesa, de longa toalha estendida roçando o chão, talheres compostos cumprindo a etiqueta e o sorriso intrusivo da prima na sua frente.
-Estou tão contente por tu e o André terem vindo almoçar connosco – Rematou a prima – Não achas Arnaldo? O primo Arnaldo acedeu com a cabeça, pois tinha a boca ocupada com as entradas.
Ajeitaram-se os protegidos nas cadeiras, pegando os guardanapos e consultando o menu. Mal tiveram tempo de passar os olhos pelo cardápio já a prima Ester vinha afirmando:
-Eu cá tratei de pedir o cozido à portuguesa para mim e para o teu primo Arnaldo. Ele é muito lento a tomar a tomar decisões - e continuou a prima - Acho que vocês deveriam fazer o mesmo....este cozido é tão famoso!...
- Lá vou comer, outra vez, cozido com estes dois – Pensou André com os seus botões.
Enquanto a travessa do cozido não chegava, a prima Ester falava e Arnaldo concordava meneando a cabeça e deglutindo pedacinhos de broa com manteiga.
Lena, cumprindo o seu papel de protegida, ia mantendo uma conversa conveniente, nos espaços que lhe sobravam, pois a prima falava "pelos cotovelos". Arnaldo mantinha-se silencioso, ostentando uma expressão enigmaticamente gulosa.
Por fim a travessa fumegante chegou à mesa. Sem esperar pelos outros, o primo Arnaldo, atacou o chispe e a farinheira, enchendo prodigamente o prato com couve.
A prima Ester serviu-se, no meio de um discurso ininterrupto, de uns quantos pedacinhos de carne e uma "migalhinha de arroz", e, sem perder o fio à meada, continuou:
-Sabes Lena, isto de sair faz-me muito bem. Mas tenho que puxar pelo Arnaldo, senão ele fica-me lá em casa de volta dos selos, com os gatos à volta dele a miar.
André serviu-se, escolhendo só o que queria do grande prato. Comeu um pouco e, depois, pôs-se a observar a conversa da sua amante com a prima. Achou-a bela naquele papel familiar: A fealdade da prima contrastava claramente com a alvura da pele de Lena. Sobretudo gostou da conversa "politicamente correcta", que ela mantinha com aquela prima mirrada. E Lena ficava bela com aquela sua saia.
-Sabes, fui no outro dia ao "shopping" e achei aquilo uma maravilha! Tem de tudo. É lindo.... – Continuava a prima – O Arnaldo lá veio comigo...
Lena continuou atenta à conversa da prima que desfiava sem parar. André manteve o copo de vinho na sua mão esquerda, enquanto a direita... Discretamente, o jovem procurou a suavidade da a coxa, percorrendo a pele com a polpa dos dedos.
Continuava a prima:
-Comprei uma mala lá no "Shopping", maravilhosa, havias de ver...E aquelas montras, minha querida, dão vontade de comprar!
O primo Arnaldo lambuzando-se de pingo de gordura colado ao queixo, respondendo afirmativamente com a cabeça a cada pergunta feita pela esposa.
E André de sorriso seráfico no rosto, muito concordante, concentrado na mão que explorava os segredos da sua amante.
Lena mantinha a compostura sem dar parte fraca no meio do monólogo da prima.
-O "Shopping" até tem um super mercado!
E André vencendo o tecido , sentindo com os dedos a floresta de pelos de Lena . E os dedos mergulhando por debaixo do pano rumo a um calor mais húmido.
- Tens que ir lá! Tudo na moda, tudo dentro da moda!
Os dedos de André, lá dentro, molhados pela água de Lena que se sentia toda a ruborizar, num calor vindo do lado de dentro...
E a prima:
-Sabes que mais Lena? Desde que namoras o André até andas com outras cores!
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Contributo do Gaivina
2005-11-29
O meu olho
Ivo Jeremias
Aqui atrasado, postei sobre a vontade que tinha de pôr na Voz uma foto linda que a Susana me tinha mandado. Na altura acabei por não o fazer, por um qualquer prurido relacionado com uma certa privacidade.
No entanto, quando li sobre o pedido do Ivo Jeremias, mandei-lhe um olho, pronto para ser trabalhado e apresentado no Olho Bem Aberto. É essa composição do Ivo que trago hoje para a Voz, babadíssima de orgulho e toda contente de me ver tão bonita e numas cores tão bem escolhidas para mim.
Sou mulher para vestir muito o preto. Quem já me conhece, sabe que é verdade. Mas também sabem que não deixo os vermelhos esquecidos. São as duas cores com que me sinto mais confortável, em mais sintonia. Sem me conhecer, foram as cores que o Ivo escolheu como dominantes.
E há aquele Gama centrado sobre a íris, a primeira letra do grego Hipátia. E não consigo deixar de achar que o Ivo acertou em cheio, mesmo que já tenha discordado por lá quanto aos grandes projectos e às ideias fixas: são apenas sonhos e teimosia, com um toque quente para temperar provocações e uma memória que quero perpetuada em todas as palavras que deixo - que todos me deixam - aqui por este Voz em Fuga, sempre a caminho do éter virtual de todas as convergências.
Obrigada, Ivo. Fizeste de mim uma estrela. Está lindo!
és um biscoito
Clicar na Imagem
Só para homens.
(Ou, dizendo melhor, só para hipnotizar os homens, que às vezes também é preciso dar-lhes um biscoito, uma cenoura, um... )
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2005-11-28
Tortura
aqui
É o sabermo-nos melhores e mais saborosas do que nunca, com o tempero do tempo, do conhecimento e da auto-estima. É termos a roupa certa, o cabelo bem no sítio e as outras partes ainda mais no sítio do que o costume. Pôr as costas direitas, deixar que o decote mostre o bastante, balançar o passo em cima dos tacões pouco habituais. É deixar o rasto do perfume mais quente e sedutor. É um bater de pestana e um suspiro sempre preso nos lábios entreabertos. É um olhar de cama e uma pele com aspecto saciado. É todo o ar de uma mulher bem fodida, melhor amada.
É tudo isso que sabe lindamente passear nas trombas do gajo que já não é nada, que nos deixou escapar, ou não nos soube ter.
E nem precisamos mudar-nos para o prédio em frente e aprender dança do ventre, tipo Shakira. Todas já usamos as nossas armas algum dia, de alguma forma. É uma espécie de demarcação de território, mas um território todo ele feito de uma psicologia bem feminina: não me tens, não te quero, mas nunca esqueças o que andas a perder.
2005-11-27
Olha quem faz aninhos!
Durante muito tempo, teve lugar cativo nas minhas caixas de comentários. Depois acho que se zangou. Eu não estou zangada - e isso convém que fique bem claro -, mas só pensar na ideia de votar Cavaco Silva dá-me a volta ao estômago. E, por isso, não comento lá no dele. É que parece que as nossas memórias políticas das duas últimas décadas deste País são completamente opostas...
Mas, não estando zangada e sentindo-lhe a falta aqui pela Voz, aproveito o dia de hoje para dizer: parabéns, abf! Que tenhas um dia muito, mas mesmo muito feliz.
2005-11-26
Melhor do que café :)
(recebida por mail)
(E não, também não os compreendo. Mas... ai! ai! Acho que fico nervosa...)
2005-11-25
Sem vontade
aqui
Nestes dias em que o frio das noites me gela a alma, sinto-me um jardim japonês, feito de areia, pedras e exercícios de paciência.
2005-11-22
2005-11-21
Algures
Come on inside
Takin’ that ride to nowhere
We’ll take that ride
I’m feelin’ okay this mornin’
And you know,
We’re on the road to paradise
Here we go, here we go
Talking Heads - Road to Nowhere
Algures, na A1, está um buraco negro, que tem sorvido alegria, vontade, esperança, calor, luz.
Algures, entre Coimbra e Leiria, deixei há muito tempo o melhor de mim.
Algures, na A1, deixei-me gelar um dia e faz frio ainda.
Algures, faz muito tempo, faz muito frio, fiquei perdida em nenhures e, por vezes, ainda lá estou.
Algures, gente como eu, escreveu ontem mensagens em fitas brancas, que laçaram balões, que voaram em direcção a céus de esperança, que se tingiam de nuvens cheias de lágrimas e lutos.
Algures, existe para demasiada gente um qualquer quilómetro trágico em qualquer A1.
Algures, está a minha dor ainda. E está também a estrada que não deixei de percorrer.
II Encontro Escritor Famoso
aqui
A todos os "culpados" por um serão e uma madrugada tão agradáveis, deixo o meu beijo de agradecimento e expresso o prazer que tive na vossa companhia.
Até ao próximo!
2005-11-18
O livro de agradecimentos
aqui
O Manel é um tuga como tantos outros. Trabalha com três bancos e tem cartões a mais de todos eles. Como todos os tugas, acha-se muito esperto. E como nunca conseguiu fixar o código de todos os cartões, juntou-os numa listinha, como se fossem números de telefone, e andava com eles na carteira.
O Manel resolveu ir beber um café à Ribeira. Não bebeu café. Meteu-se antes na cervejinha. Umas poucas. Cinco, seis, doze... perdeu-lhes a conta. Mas o empregado da tasca é que não se esqueceu de lhe apresentar a continha no fim. E vai daí, o Manel meteu a mão ao bolso da carteira, a tal carteira demasiado farta de cartões e com demasiada poeira onde antes já houve notas, e descobriu que um outro tuga qualquer, ainda mais esperto, se tinha abotoado à carteira gorda de cartões num qualquer momento da noite.
E o Manel lá contou os trocos e agarrou-se ao telefone a cancelar os plásticos. Mas já não foi a tempo: € 400 euros de rombo em cada cartão, que o tuga ladrão cedo percebeu que listinha telefónica era aquela.
No dia seguinte, lá vai o Manel em peregrinação aos três bancos: num tem o crédito à habitação, no outro tem a conta ordenado, no outro tem uma pequena poupança que tenta, em vão, esquecer que existe. Dá conhecimento do ocorrido a três empregados diferentes, uns mais fartos com a vida do que outros, uns com mais tempo do que outros, uns mais simpáticos do que outros. No último banco - o tal onde só tem uma pequena poupança - sugerem-lhe uma exposição dirigida ao banco, devidamente acompanhada da queixa apresentada à polícia, com um: "Se der, dá; se não der, pior você não fica. E, já agora, faça o mesmo nos outros bancos".
E o Manel tuga, em desespero de contas, lá conta os minutos roubados ao dia atarefado e faz três cartas.
Duas semanas depois, o Manel tuga recebe uma carta do tal banco onde só tinha uma pequena poupança: vão suportar os custos e dar-lhe os € 400 que tanta falta lhe estão a fazer. Dos outros dois bancos, os tais que lucram com a certeza do crédito mensal do ordenado ou os juros do crédito à habitação, só silêncio total. É que o Manel tuga não conta. É só mais um tuga.
Consciente do seu anonimato e da sua zerisse à esquerda, o Manel tuga nem quer acreditar na carta que tem na mão, nos € 400 que tem na conta. Dirige-se então ao tal banco, à mesma pessoa. Duas semanas depois, essa pessoa já nem sabe quem é aquele tuga Manel que tem à frente. "Queria o livro de agradecimentos", diz o Manel tuga.
E o tuga empregado de banco abre a boca de espanto, que agradecer é coisa que já ninguém faz e livro de agradecimentos é coisa que não há.
Pecados
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Vejam só o que encontrei no Bipolar...
E estou perdida de riso com os empates!
Para a Maré
No filme do Lawrence Kasdan, de 1983, "The Big Chill" ("Os Amigos de Alex"), um grupo de sete amigos dos tempos da Universidade junta-se para o funeral de Alex, o radical nas ideias e nas mensagens que, no passado, foi a força centrífuga que os juntou e que, passado tantos anos, os junta de novo, apenas porque desistiu e cortou os pulsos. A reunião é pois para enterrar Alex, mas é também para enterrar os anos 60. Ao mesmo tempo, durante um fim de semana, vão, por uma última vez, desenterrar o passado para ver se ainda encontram uma razão para o futuro que os aguarda na segunda feira seguinte.
O "Whiter Shade of Pale" faz parte da banda sonora e lembrei-me imediatamente do filme. Talvez por eu ser já de outra geração, daquela que preferia as festas de garagem, da geração em que as meninas se sentavam de um lado e ficavam aos cochichos à espera que um rapaz as viesse buscar para dançar. As meninas não ficavam pálidas: coravam de alegria e de vergonha. E os beijos já se davam, mas muitos ainda às escondidas, talvez atrás do pavilhão de ginástica, ou no canto mais escuro da tal garagem.... O recato e o amor sempre andaram de mão dadas, mas nunca empalideceram por isso. E todos sabiam o que se passava e todos tratavam para que se passasse com eles também...
Mas isso eram os amores em fase inicial, as primeiras tentativas de mocinhas de 14, 15 anos... Adultos hoje, temos mais é que assumir, frontalmente, os nossos amores e dizer-lhes o quanto gostamos deles, mesmo que não se aprecie particularmente algumas escolhas que eles fazem.
(...)
Pálida só de irritação mesmo, por ver que o nosso Alex, a nossa força aglutinadora, vai descambando dia a dia...
________
Sei o tanto que gostaste deste texto, quando o leste pela primeira vez. E, por isso, deixo-to aqui hoje, com o meu beijo de parabéns.
Que contes muitos, amiga!
2005-11-17
Asnice
aqui
E que tal voltarem a aprender a interpretar textos, em lugar de os lerem sempre munidos de palas?
Irra! É que há com cada imbecilidade de cada cavalgadura munida de teclado!
(Ai "até já", "até já"!... para que raios saio eu do meu umbigo? Cada vez que me aventuro para longe da Voz atrás de um qualquer fait-divers na moda, acabo irritadíssima...)
Hoje é o primeiro dia...
aqui
A principio é simples, anda-se sózinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no borborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.
Sérgio Godinho - O Primeiro Dia
Parabéns, Maria Árvore!
2005-11-16
Paciência
aqui
Querido menino Jesus, nas palhinhas deitado, dá-me paciência para:
- Enfiar-me nos Centros Comerciais;
- Fazer contas e conseguir esticar o subsídio;
- Ouvir a selecção musical do costume;
- Tropeçar em todos os que consegui evitar durante um ano;
- Não me tentar com qualquer merda, só porque é barata;
- Não me irritar com o aumento do tempo de espera pelo recibo do multibanco;
- Aceitar a falta de paciência das balconistas;
- Só encontrar L's e S's quando ando à procura dos M's;
- Lembrar-me que o queijo da serra ainda está proibido e os frutos secos também;
- Ainda cantarolar ao fim da décima quinta volta ao parque de estacionamento;
- Não buzinar nem mandar para a beira da puta da mãezinha todos os domingueiros que agora vão andar na estrada à semana;
- Não mandar apanhar no cu todos os políticos que conseguiram pôr-me cada vez com menos dinheiro no bolso e ainda aumentaram o IVA;
- Esquecer-me que existe a FNAC e todas as lojas de roupa de marca;
- Esquecer que existem sapatos novos lindos;
- Esquecer-me que há perfumes novos deliciosos;
- Não olhar para os manequins das montras antes de olhar para os preços;
- Aceitar as filas à porta das lojas dos Chineses,
- ...*
Caso não possas cumprir, menino Jesus - e só se ao fim de 2005 anos ainda estiveres em tão bom estado como pareces estar na fotografia -, vem cá a casa dar-me tu uma prendinha daquelas que me deixam sempre tão bem disposta que nem me lembro da crise.
_____
Adendas:
Menino Jesus, dá paciência também:
- À Caracolinha, para aguardar actos notarias e esperar o Pai Natal ao borralho;
- À Maria Árvore, para que aguente o suplício dos embrulhos;
- À Sofia (não sei qual é o link, buuuáááá), para que não desespere com os filmes de Natal, nem com o cheiro a bacalhau cozido ou a peru, a mais todos os doces assassinos para qualquer dieta;
- Ao Adesenhar, dá-lhe paciência para ter paciência;
2005-11-15
Mensageiros
And the clatter
As an angel
Hits the ground
U2 - Stay
Andam anjos entre nós, escondidos, sonhando a possibilidade de conseguirem segurar uma simples chávena de café; há anjos que querem ser homens para entenderem a espiritualidade humana... há anjos sobre espaços divididos e há anjos sobre espaços unificados, ainda que mais esquartejados, perdidos, à deriva...
Há anjos neste éter virtual, para nos lembrarem que as tricas, as intrigas, os atropelos, são afinal nada mais do que algo que, estando tão longe, se queda tão perto: o tempo (que me pareceu interminável tanta vez), sempre finito, ainda que perspectivado pelos olhos de quem o conta; a mudança, a inveja e a avareza, o amor... Quase nos perguntamos porque quererá ainda um anjo conhecer as vivências dos homens; porque haveria de querer sofrer as penas de uma espiritualidade perdida num mundo desencontrado, desencarnado.
Há anjos que se cansam de olhar sobre os ombros das almas mais que penadas que habitam um qualquer espaço enclausurado. Há anjos que lêem em posturas rebeldes algo de belo, mesmo que outros nada consigam aí ver e ainda são, hoje, capazes de tecer loas a fugazes figuras quase míticas de um mundo cada vez mais mediado...
Talvez porque os anjos são mensageiros de amor. O amor verdadeiro, aquele que não tem câmaras nem holofotes, ou letras e palavras, ou sequer artifícios; aquele que se perde em toques ou aquele que nunca se chega a tocar... Porque há anjos que vêem para além de tudo; porque há anjos que chegam ao fundo de mim e, com umas quantas palavras, me sabem mostrar que não há longe, não há distância... só mensagens de amor!
(ou porque este é "só" um dos meus filmes favoritos - de uma enorme colecção de favoritos -, e hoje alguém mo fez recordar.)
2005-11-14
O 'até já'
Não vou conseguir prometer que volto a postar todos os dias; ou sequer que respondo com a mesma regularidade. Quero tentar voltar a escrever "de dentro" e "para dentro", em lugar de borrar com letras um espaço que não sei ter vazio.
Queria ser capaz de coerência e fazer o "até já" que anunciei. Mas dei por mim a escrever testamentos noutros sítios, ainda com vontade de ter uma opinião e expressá-la. Dei comigo a sentir falta de ler as respostas que me dão, as opiniões que querem expressar aqui. E a sentir que, apesar do meu blogue continuar a ser escondidinho, já não é só o meu blogue.
O Substrato ia fechar. Nos últimos dias, andei a seguir a evolução da tragédia anunciada. Hoje, ao chegar a casa, depois de ter telefonado a uma pessoa para pedir ajuda e me aperceber que só o pude fazer porque blogo e assim conheci essa pessoa, descubro que o Substrato já não vai fechar. E, no texto do AdamastoR, estão também os motivos que me prendem à minha Voz: os comentários.
Comecei a Voz sem links e só não comecei sem comentários porque, completamente analfabeta na ferramenta nova com que ia tentar brincar, não sabia como fazer para os apagar. Também comecei a Voz sem contador de visitas. E até hoje não me fazem grande falta, porque não é assim que me deleito com a existência da Voz. Tenho uma média de 50 visitas por dia. E, no entanto, tenho muito mais comentários do que uma média dessas faria prever. E comentários "a sério", mesmo que por vezes também mandem beijinhos. E eu mande também beijinhos em alguns dias.
Há muitos meses atrás, a Duende ensinou-me a pôr links. Em Janeiro, o Draw ensinou-me a pôr um contador e descobri já não sei onde - talvez no Old Man - como fazer para ter os Referrers no fim da página. Depois, numa brincadeira começada numa caixa de comentários, lancei o primeiro desafio. Está ali ao lado e é um dos meus orgulhos, quando penso nestes tantos de meses a blogar. Por causa dele, está outro desafio ali em baixo, repleto da genialidade e da generosidade que, hoje em dia, parece já só quase haver na blogosfera.
E o blogue que começou sem links e só não começou sem comentários porque eu sou mesmo burra nestas coisas, hoje tem o CommentThis! (que teve um treco e está "em armazém" para quando passar o treco) e mais o Haloscan (que quase me faz chorar, por me apagar os comentários com mais de seis meses) e os comentários do Blogger, que quase nunca deixo visíveis. Mas vão ficar agora. Até o CommentThis! voltar. E são três sistemas de comentários porque o meu vício já não é tanto escrever. É ter a vossa companhia; a vossa simpatia; as vossas opiniões.
Continuo a precisar de férias e às tantas não é afinal da Hipatia que preciso de férias. É de mim. Culpar o blogue da minha sem vontade, ou o nick com que assino, não vai resolver nada. Até porque chega a um ponto em que o blogue não é só um blogue. O Adamastor hoje fez-me pensar nisso. E, portanto, a culpa é dele. Qualquer coisinha, sigam o link :))
2005-11-12
O Fiel Jardineiro
aqui
Há alguns filmes que nos perseguem, como se acordássemos no meio de um pesadelo, sabendo que é real, impotentes perante a tragédia, a dimensão da hecatombe, o feia e suja que é a realidade.
Até hoje, tinha três filmes como exemplos acabados disso mesmo: The Killing Fields, Biko e A Lista de Shindler. Todos eles filmes politicamente comprometidos, um grito, um drama personalizado. Todos eles baseados em histórias de alguém, centrando a tragédia na personagem para contar da tragédia de todos. A parte pelo todo. O exemplo.
Hoje, acrescento-lhes - e assumo que, provavelmente, passará a estar no topo dessa lista -, The Constant Gardener, de Fernando Meirelles, o mesmo que já nos tinha presenteado com A Cidade de Deus.
Por uma vez, o grito é anónimo, no sentido que as personagens são fruto da imaginação de John Le Carré; por uma vez, a dor que nos trespassa não vem do sabermos que a odisseia das personagens principais é verdadeira, que existiram mesmo, que precisam ser lembrados. Antes, por saber que estão lá para contar de uma tragédia maior ainda, maior do que poderíamos imaginar.
Desta vez, lembra-se todo um continente, todo um povo peão dos interesses sujos dos donos do dinheiro e dos interesses políticos prostituidos. E acompanha-se a história com aquele nó apertado na garganta, parte culpa, parte raiva, parte indignação, parte impotência.
E, no entanto, é bem mais que um manifesto político, é bem mais do que um thriller, é bem mais do que a exposição das verdades que o Ocidente não quer ver. The Constant Gardener é, também, uma belíssima história de amor. Um amor que se faz de fidelidade, de coragem, de auto-sacrifício, de querer acreditar que a verdade não é a que nos querem vender, mas antes aquela que nos querem ocultar.
Se tudo isto não bastasse, estão lá os actores: Ralph Fiennes e Rachel Weisz. Grandes, magníficos, intensos, profundamente verdadeiros. E as imagens de África na soberba direcção de Fernando Meirelles, que nos atira para o meio da história: umas vezes lindas o suficiente para nos tirar a respiração; outras com a dimensão das tragédias que só podem ser contadas em silêncios dolorosamente amordaçados.
E foi silêncio o que se fez na sala de cinema, mesmo depois de terminado o filme. Porque não havia palavras, quaisquer palavras, para dizer o tanto de sentimento que nos invadia o peito, fazia saltar algumas lágrimas, ou nos agrilhoava a garganta num soluço sufocado.
A ver. A ver mesmo.
2005-11-09
Bombons do destino
aqui
Toda eu tremi, com o tamanho do susto, com o tamanho do som. Pensei-me perto de morrer, enquanto todo o interior do carro se virava e revirava e o pobre bichinho, apesar do travão a fundo, se aventurava uns quantos metros para dentro da rotunda.
Sai do carro a pensar que estava pronto para a sucata. Voltei para dentro do carro porque não me aguentava nas pernas. Ganhei forças e voltei a sair. O homem já lá estava, às voltas dos dois carros: Que o seu não tem nada, só aqui uma amolgadela no pára-choques. O meu é que bateu contra o seu gancho do reboque. Fique calma menina, veja como não é nada.
Tratei de ganhar coragem para perguntar se queria meter aos cabrões dos gajos dos seguros, enquanto recordava como, da última vez que me haviam batido, depois da Seguradora da culpada se disponibilizar a pagar tudo, a minha ex-Seguradora não queria receber, porque não tinha gostado do desenho do acidente.
E o homem, no entretanto, a dizer que não, que preferia pagar logo e que o desculpasse, que tinha ido ao Centro de Emprego tirar a senha e estava a pensar na lua enquanto procurava um lugar para estacionar.
Fiquei com pena. Raios! Um desempregado! E não insisti no seguro, que os merdosos só existem para o chular o pessoal e o coitado não merecia um seguro agravado. Lá fiquei com a matrícula e o telefone e o nome e o BI. Lá dei o telefone e mais a matrícula e mais o nome e mais o BI. E prometi ao homem que iria ao meu mecânico saber da solução mais económica para um pára-choques que parecia nada ter.
Horas depois, sou obrigada a telefonar ao homem para dizer que o pára-choques afinal está partido em 3 sítios, incluindo os suportes. E que, se metesse de origem, eram mais de 150 euros e mão de obra. Perguntei-lhe se queria pagar em duas ou três vezes. Estava mesmo com pena do desgraçado!
Mas o meu mecânico é um santo e arranjou um pára-choques igualzinho e impecável, não sei onde nem como, conseguindo descer o preço da reparação para 70 euros, mão de obra incluída.
Telefonei outra vez ao homem e quase lhe podia sentir o sorriso do outro lado do telefone. Mas ainda perguntei se queria pagar só no fim do mês, quando recebesse o subsídio. Disse-me que não e, no dia seguinte, foi levar-me o dinheiro.
Aconselhei-o a ir ao meu mecânico, para pôr em ordem a óptica ao dependuro. Expliquei-lhe onde era e deixei-o ir à vida dele, ainda com pena e a pensar na minha sorte por ter o meu certinho no final do mês. Pensei que era o fim da história.
Mas, afinal, não foi o fim da história. Hoje, apareceu-me o homem outra vez, com uma caixa de bombons na mão: Menina, venho agradecer-lhe. Agradecer-lhe por ter tido o cuidado de pensar que eu não tinha dinheiro para esbanjar e toda a sua simpatia. E por me ter mandado ao seu mecânico. Estava lá outro cliente que me ofereceu emprego. Começo na Segunda-feira. Ainda bem que bati no seu carro!
E até me vieram as lágrimas aos olhos.
2005-11-07
Onde?
A promessa de outros seres
Que eu podia ter sido,
Se a vida tivesse sido outra.
Mas dessa fabulosa descoberta
Só me vem o terror e a mágoa
De me sentir sem forma, vaga e incerta
Como a água.
Sofia de Mello Breyner Andresen - Às Vezes
Onde acaba a palavra e começa o sentir? Onde fechamos os olhos às letras e abrimos as persianas à imaginação? Onde deixamos de ser só letras que se juntam ao acaso, para passarmos a ser uma tertúlia. Onde nos expomos cada vez com mais cuidado e, no entanto, nos conhecem cada vez melhor? Onde estão os meus limites para o que sei dar por aqui, sem corpo, sem mãos, sem olhos, sem voz? Onde estão os que já me configuram nas palavras e nos seus limites? Onde acabo eu e começa a Hipatia?
Há dias em que já não sei...
Loucas, loucas, loucas, andam as galinhas...
(recebida por mail)
Vou ter que passar a comer carne de cobra? Ou só fruta? E os trangénicos? E os adubos? E o resto da bosta com que borrifam ou injectam ou alimentam as coisas que comemos?
(Eu sei que até nem devia pensar assim, mas só me consigo lembrar do "Bowling for Columbine" e da merda que é viver atolada numa cultura de medo.)
2005-11-06
Para a Caliope
Godot
Tine Drephal
Todos nascemos loucos. Alguns de nós continuam a sê-lo.
Samuel Beckett – À Espera de Godot
Todos os dias! Talvez falando de tudo e de nada, esperando. Esperando que as palavras se alinhem, ao final do dia. Esperando que a loucura se esconda, vagueie para longe. Esperando, esperando, esperando...
Todos os dias espero a inspiração que me permita baixar ao ninho, baixar à minha condição, escorraçar o patético e o desesperado, vagabunda de mim.
Todos os dias espero a espera, vagando no tudo, vagando no nada, procurando um caminho nas existências banais, sem sentido, quando a voz me foge ainda mais um dia.
Todos os dias espero o meu Godot, um vazio que não chega se o amordaço em mil palavras, esconjuro em coisa nenhuma. Uma qualquer banalidade que se faz esperança, quando ainda há mais um dia em que a espera é a rota possível para longe do nada, para perto da inspiração, para mais perto ainda de um renascimento possível.
Na invenção das palavras, construo a espera. E fico esperando, esperando, esperando. Meu Godot, minha inspiração, meu caminho.
08-01-2005
________
2005-11-05
Rosa Verde - Para o Escritor Famoso
Dennis Okanovic (flower)
No patamar das horas,
inquinou as memórias,
contaminou o olhar.
Resvalou pelo tempo,
pintou o lamento,
confessou demoras.
Sobrou o vento,
roxo de esperas,
e uma rosa verde,
com espinhos lentos,
resumindo as eras,
do seu esperar.
Resvalou a frio,
para além das horas,
do tempo,
do lamento,
do verbo amar.
2005-11-04
The Night I Was Going to Die
Rui Guerra (the night i was going to die)
Pensou: this was the night i was going to die...
Mas era demasiado fácil e então não morreu.
E deixou-se ir, num sonho feito feitiço,
para voltar a viver.
______
(Nota: Já não está à experiência e é para o novo concurso do Escritor Famoso)
Desafio 'sumo de laranja'
aqui
E já há textos (passa a ter link próprio na lateral):
Tinha chegado de mansinho, entrado na sua vida com voz de veludo e olhos doces.
2005-11-03
Bem!
sejam a estes martírios condenados,
os que amam a voz e o grito de um poeta!
Que me prendam o corpo à poesia
algemada por palavras e por rimas
Seja esta a prisão das fantasias
Que será sempre a liberdade o que me cerca!
Bastet
Como se alguma vez eu fosse deixar uma "coisa" destas perdida numas Vozes do CommentThis!, sempre tão dispostas a passarem-se e a fazerem-me ficar sem os comentários!
2005-11-02
Para o Escritor Famoso
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
Sophia de Mello Breyner Andresen – Pudesse Eu
Há tantos poemas que poderia escolher. Há tantos que dizem o que não sei dizer, tecendo em palavras as emoções que me guiam. Há tantos, mas tantos poemas de amor, de dor, de negrume ou alegria, de paixões balançadas, ou de versos esguios. Há tanta palavra bailada, em ritmos sincopados, ou desenhando nas métricas pensamentos voláteis. Há tanto poema. Tanto! Que quase não sei escolher. E então fecho os olhos. E suspiro um "pudesse eu..." E deixo aqui Sophia. Porque sim. Porque há demasiados poemas. Ou porque estes quatro versos resumem o meu olhar sobre o futuro agrilhoado ao presente.
Proximizade
Proximidade e mão amiga. "Proximizade", feita do entusiasmo voluntário de quem quer ajudar a combater a apatia, a dispersão e a insensibilidade que nos ameaça se continuarmos indiferentes ao que se sabe e ao que se vê.
Aqui, já está a acontecer.
Se a imensidão dos dramas torna as hecatombes tão grandes que não conseguimos sequer imaginar a dimensão das tragédias, então que se imagine uma onda rubra de lágrimas; que se imagine um lago de mágoa; que se imagine a dor calada que nos fere as consciências.
Perante tais cenários, sempre achei que sou demasiado banal para ser capaz de fazer qualquer diferença. Mas, ainda assim, não desisto de tentar.
E há mais quem não desista. E há Proximizade por isso.
Divulguem, por favor.
2005-11-01
...off
aqui
Estava a apetecer-me escrever, mas de cada vez que tento juntar palavras que façam sentido, só saem histórias tristes. E não me apetece pôr nada triste no blogue. Não agora. Não para começar um mês.
Antes falar de coisas doces, inverter o rumo ao pensamento. Desligar, às tantas. Ir dormir, talvez. Programar a televisão para apagar sozinha, sintonizar na voz mais monocórdica de todas as vozes monocórdicas que a tv cabo nos oferece, e deixar-me embalar para o mundo dos sonhos.
Amanhã será um novo dia, digo eu, armada em Scarlett. E... off.