2008-08-09

Década Perdida

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«É que os anos 80, não só para mim, creio, não foram uma década. Foram A Decepção. Foram tantas que não sobrou paciência para as decepções subsequentes.»

José Quintas



Estou com o José: não alinho pelos elogios fáceis a uma década que não sou capaz de dourar. Olho para trás e vejo demasiadas decepções, demasiada gente que se perdeu. Já uma vez escrevi sobre isso aqui no blogue: os que sobreviveram aos anos oitenta, de entre todos os que conheci, não foram certamente os melhores. E dos que de nós ainda cá andam, nenhum pode em consciência elogiar aqueles como os melhores anos da nossa vida. Posso até escrever posts sobre um café e um recuado e um grupo de amigos que aí se reunia. Posso até ter saudades desse café e desses amigos. Posso até guardá-los para sempre na minha memória, alguns deles num recanto de coisas boas, muitos outros num recanto de coisas que poderiam ter sido bem melhores. Mas aqueles foram anos perdidos que nos entopem ainda, com todas as promessas não cumpridas e todas as merdas que fizemos e que são ainda peçonha sobra a vida – envenenada para sempre –, que tivemos de continuar a viver.

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Esta mulher consegue fazer um gajo viajar no tempo e reflectir...
Mas... não estamos todos sujeitos igualmente à regra universal da livre arbitreriedade?!
Eu penso que sim e, consequentemente nada daquilo que acontece, apesar de surtir efeito e esse efeito ir incontornávelmente ser a causa para o efeito seguinte, nada pode ter o efeito que esteja exclusivamente sujeito à nossa vontade particular, mesmo que coincidente com a de outros milhares.
É esta lei que gera a energia necessária, alimentadora da dinâmica que por sua vez mantem o mundo num giro permanente e inalterável.
Aquilo que residualmente se instalou na nossa memória e que por vezes nos arruma nostálgicamente a um cantinho, ruminando que a nossa vida podia ter sido diferente, é a tal experiência que tambem nos faz sentir hoje, melhores do que eventualmente seríamos se tivessemos nascido 10 anos depois.
lolololololol

I. disse...

Tens razão, não foi grande década para crescer. Ainda me lembro da feroz crise, aquela que parece estar a voltar. E do muito pouco que se aprendeu com ela (eu vou sobreviver, mas à minha volta há muita gente que está em risco de bancarrota).

Mas o pior foram as ilusões que alguns alimentámos, as tais de mudar o mundo à mesa do café e que ainda faríamos alguma coisa de grande (em termos gerais e não apenas pessoais).

Grande cabeçada na parede, hein, que levámos na década "dourada" de 90?

Hipatia disse...

Mas não nascemos dez anos depois, não é? Eu sou a sôfrega herdeira do pós-Abril, aquela geração a quem as portas da liberdade foram escancaradas, a quem deram todos os sonhos e que, agora, quando era suposto estar a dominar a vida, acaba entupida em ressentimentos vários, confrontando o que foi capaz de sonhar com o pouco que conseguiu – pelo menos em termos geracionais – alcançar. Depois, em termos pessoais, os anos oitenta também não foram anos de fartura de alegrias. Foram caóticos e desbragados e excessivos. Tenho excelentes recordações de muita coisa daqueles anos. Mas também tenho muitas outras não muito felizes. E não sou capaz de olhar para trás e resumir-me a uma versão idealizada do que fui, do que fomos. Prefiro continuar a olhar em frente, mesmo que a minha actual noção de futuro esteja pejada dos dejectos do que já sonhei. Não é pensar como a vida podia ter sido diferente. É a certeza de que teve de ser diferente.

Hipatia disse...

Eu lembro-me de quando o FMI nos apareceu portas dentro. C’um caraças! Se voltamos a uma crise assim, não vai mesmo haver muita gente a sobreviver. E, depois dos anos de fartura dos dinheiros da UE a entrarem-nos porta dentro para serem tal malbaratados, temo que a imagem bíblica dos sete anos de vacas magras comece a ser uma realidade. Não sei é se estamos preparados para criarmos a oportunidade para os anos das vacas gordas, que podem sempre ir pastar para locais mais aprazíveis.

Anónimo disse...

Mais Vozes

O problema é que só nos decepcionamos quando acreditámos nalguma coisa . em 2008 com 44 anos já pouca coisa me decepciona
frogas | | 08.11.08 - 12:57 am | #

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É o que diz o Zé Quintas, não é? Já nem paciência temos para as decepções.
Hipatia | | Email | Homepage | 08.11.08 - 7:21 pm | #