2010-02-23

Erros de cálculo


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Mas quem é que se lembrou de construir uma cidade numa zona sísmica? Quando acontecer outro - que vai acontecer! - vamos ter de arranjar um culpado para os erros do planeamento urbanístico. Será que o Pombal serve? Afinal, reconstruiu Lisboa no mesmo sítio.

Sem palavras


© Gregório Cunha, daqui

É 23 de Fevereiro outra vez


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2010-02-22

E la nave va


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Olho à volta e penso em como o populismo gratuito se vai tornando cada vez mais rasca e se entopem todos os sinais de fait divers em lugar de se discutir o que realmente importa. Acabo a pensar que talvez um dia destes nos apareça um qualquer grande ditador orweliano (um verdadeiro, em lugar de um fabricado à guisa de papão). E a eloquência, essa veemência mesmerizadora, também pode ser mera cortina de fumo, uma cantiga de sedução. Temo mesmo que estejamos prontos para ser enrolados num qualquer cenário de admirável mundo novo, já que as épocas de crise (económica, sociológica, ética…) são pródigas em experiências políticas. Pior, que o aceitemos já, protestando talvez, mas nada fazendo para o evitar. A preguiça e o individualismo são grilhetas atrofiantes. E um dia o rebanho desata a correr e leva tudo à frente, enquanto renuncia ao imprescindível em nome de um qualquer valor deificado capaz de anular todos os valores reais. E não penso sequer que as mudanças sejam bruscas e que, de um momento para o outro, o mundo esteja completamente diferente. As mudanças serão passo a passo, lentas e progressivas: a cada dia se tolera mais uma perda, vai-se um bocadinho de dignidade, desbarata-se outra réstia de cidadania. Lentamente, para que ninguém se revolte enquanto se enrola num qualquer novelo de maravilhas e desejados por vir. É sempre assim o futuro, mesmo quando há revoluções. Ou retrocessos civilizacionais.

Perto demais


Foto AP daqui

2010-02-21

Diz-me com quem andas…


Fotografia © Miguel A. Lopes - Lusa

«Segundo disse fonte da organização à agência Lusa, estiveram presentes na manifestação "mais de cinco mil pessoas".»



Só me pergunto se aquela gente toda está confortável com o facto de, a partir de agora, ser confundida com os fascistas e neo-nazis que assentaram praça na mesma manifestação. Se realmente não se importam com isso. É que não acredito que todos sejam fanáticos, tirando o facto de terem visões fanáticas sobre quem tem ou não direito a casar-se.

Faz de conta...


Found at bee mp3 search engine

...que andas por aqui hoje e vens buscar o meu presente.

Parabéns, Miquinhas :)

2010-02-19

Durante o telejornal


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Comentário da minha avó (90 maravilhosos e lúcidos anos!) acerca de um certo político queixinhas cá da praça: "Homem pequenino, ou sacana ou bailarino".

Até me engasguei!

Dos gatos


GeekCats (clicar para ver melhor)

Chegou-me uma visita ali em baixo a uma caixa de comentários. Curiosa que sempre fui (devo ter costela de gato e um dia destes…), segui o link e fui dar ao GeekCats. Adorei! Aconselho a visitinha. A imagem acima está lá na primeira página e espero que vos sirva de bom aperitivo :)

2010-02-18

Basicamente


aqui


Que, nisso, sou do mais básica que há: basta ser loiro de olho azul e fazer duas covinhas na cara quando se ri. Uns abdominais bem definidos também nunca fizeram mal nenhum para descansar a vista.Serve?

2010-02-17

Ah!

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«Fernando Nobre, o presidente da Amnistia Internacional, é candidato à Presidência da República.»


Os que passam por aqui sabem que votei Manuel Alegre. Não volto a votar. E a confirmar-se esta notícia, penso que não terei dúvidas acerca de quem leva o meu voto.

E agora isto?

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«Assessores, chefes de gabinete, membros do Governo usaram o seu tempo, pago pelo erário público, instalações do Estado, meios informáticos públicos e informação privilegiada para fins de combate político.»

Eduardo Dâmaso



A verdade é que sempre achei que era dos poucos blogues que apenas se actualizava ou à hora de almoço ou no fim de mais um dia de trabalho. Havia alguns que se actualizavam com as galinhas antes dos seus autores partirem para a labuta, mas a grande maioria sempre foi mantida por quem, não estando desempregado, usava o tempo que seria de trabalho para dar uma saltada aos blogues, deixar um post, fazer uns comentários, cirandar como apetecesse, até que voltasse a vontade para trabalhar mais um bocadinho. Isto era tão evidente que também foi notório quando alguns deixaram de ter acesso incondicional às páginas, quase sempre por força da instalação de filtros pelas entidades patronais no que toca a acesso à net. Ficaram limitados e, por isso mesmo, deixaram de ter o mesmo ritmo de postagem, de leituras e de comentários. Não vi, nesse momento, ninguém admitir o despesismo ou sequer alguém levantar a mãozinha para admitir que andava a usar tempo do patrão para "cigarette breaks" na bloga. E também é por isso que olho para aquela coisa no CM e estranho só os visados se manifestarem. Então e todos os outros? É tudo mais uma vez virgem? Nunca foram à net brincar aos blogues enquanto o patrão pagava? E não vale a pena dar o desconto de aquilo não ser bem sobre o usar o tempo de trabalho. Pois, mas a questão do tempo de trabalho está lá. Como estiveram quase todos os blogues que conheço a usar esse tempo. E a ficarem agora caladinhos, que não é com eles. É com o Sócrates, obviamente. E os assessores no Simplex, que no Jamais e no outro do PP não havia disso, claro. E em todos os blogues, quisessem ou não saber de política. E eu, que não devo um tusto ao patrão à conta disto e por isso nem precisava dizer nada, acho um nojo. Um nojo pegado virem agora com o desperdício de recursos e que todos pagamos e não sei quê. Pois então eu, contribuinte, sempre paguei o tempo da maioria dos blogues que gosto e gostei de ler. E nunca me importei nem um bocadinho. Mas também não faço de conta que não sabia ou que era coisa que só acontecia em blogues políticos. Apre, que não pode valer tudo!

2010-02-15

Luta de galos


Roylynn Evans


Uns eram pela liberdade, agora estes são pela democracia. E eu olho e torno a olhar, que há pela certa um poleiro dourado em jogo, sendo que o galispo ainda não perdeu as penas e continua a cantar de galo na capoeira do povoléu do costume, já cansado de tanta luta. E, sim, o povinho do magalhães, dos rendimentos de inserção, das novas oportunidades e dos abonos ainda é a maioria e as novelas da TVI ainda devem ganhar a qualquer noticiário, jornal ou programinha de opinião política. Está difícil convencer o povinho, mesmo a gritar bem alto e repetidamente, não é? E nem há sol ameno para desculpa e já basta o mau tempo para estragar este alegre carnaval.

Filipe Pinto

2010-02-13

Anónima não. Com nick sempre

De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.

José Carlos Ary dos Santos – Epígrafe



Suponho que na minha escrita há dias em que sou morena e tímida; e noutros sou loira; noutros ainda sou alta, confiante; noutros serei mais masculina e noutros incrivelmente gaja. Talvez porque eu sou, dependendo dos dias, um pouco de cada coisa. Talvez porque a nossa personalidade seja formada por demasiados cambiantes. A minha, pelo menos, é. No fim, sobra que as minhas palavras são apenas um dos reflexos possíveis de mim. Não sou eu, ainda que o que escreva tenha um eu por trás. Não sou as minhas palavras. Ou, pelo menos, não sou apenas as minhas palavras. Sou um mundo de complexos e de ideias, de fragilidades e de forças; sou piada e sou lágrima; sou capaz de me rir de mim mesma, mas também sou capaz de ver em cada frase um ataque. E vai continuar a haver dias em que não saberei ser simpática; como haverá outros em que serei doce como mel. Dias em que escreverei textos onde todos conseguem rever-se e outros em que ninguém saberá do que falo. Tenho motes na escrita. Nem sei bem onde os vou buscar. Fazem sentido ou não, conforme os meus humores. Não serão nunca a minha totalidade, que essa, ainda assim, preservo como posso.

E também é por isso que não tenho um perfil público completo no blogue, nem um nome para além do nome Hipatia. Porque, por mais que digam, a Hipatia é já um nome, o meu nome por aqui, aquele que escolhi usar já há um belo conjunto de anos. Manter o nome que escolhi usar no blogue (mesmo que isso, tantas vezes, já não sirva para nada) é o que ainda posso fazer para me preservar. Para que não tenha novamente de voltar a procurar um espaço onde me sinta livre para escrever, em que não há quem me cobre o tanto que já dei de mim e o que ainda poderia ter vontade de dar. Tudo o mais são opções. E, se respeito as dos outros, que não me cobrem as minhas. A todos cabe a sua razão e a cada um cabe defender os seus motivos. Se eu andasse por aqui atrás de prebendas, talvez já tivesse feito a vontade a alguns e espelhado on-line o nome do BI. Como esse nunca foi o meu motivo, aceitem que quem assina com nick também tem direito a opinião. E argumentem em relação a essa mesma opinião em lugar de desatarem a disparar contra o mensageiro. Essa sempre foi a opção dos fracos, porque mais fácil. E nunca serviu para debater ideias.

Ah! E será escusado mandarem e-mails a perguntar quem sou. Sou a Hipatia, obviamente. E estou aqui, de caixa de comentários aberta e pública. Já não é mais do que em tanto espaço?

Quem?



Quem quer viver para sempre?
E quem quer esperar o "para sempre"?
O "para sempre" é nosso hoje!

2010-02-08

Apre!

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«O Sporting de Braga tenta hoje encurtar a distância para o líder, Benfica (...) Os "arsenalistas", com dois jogos a menos, encontram-se no segundo lugar, a quatro pontos dos "encarnados"»


in, TSF



O sublinhado é meu. A miopia é que nem por isso.


(e vai em 0-2, que é por causa das coisas; até com menos um)

Ídolos



(gosto do Filipe; gosto do puto e do vozeirão do puto)



(e nem sequer segui o programa, ou votei, mas isso agora não interessa nada)

(e até gosto quando ele corrige delicadamente quem teima em chamar-lhe "Felipe")

Repost

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Presto atenção ao silêncio e a tua voz diz-me que te falto. Galgo a distância. A tua voz leva-me. Não sei se é só saudade, se esta febre teimosa que não me deixa. Ouço-te. Como se estivesses bem ao meu lado. Quase sinto os teus dedos frios sobre a testa. Quase respiro o teu ar. Sôfrega de ti, como já não ficava há muito tempo. É da febre. É delírio. És tu. Ou apenas a tua voz a percorrer-me os sonhos. Que saudades tenho, às vezes! Assim, de mansinho, quando estou mais frágil e, dos confins da memória, chega-me a tua voz. Baixinho. Bem baixinho. Como se as saudades só se fizessem de sussurros. Como se hoje estivesses aqui de plantão, meu anjo. Como se não tivesses partido nunca. É delírio, por certo. E estas saudades de ouvir a tua voz a dizer-me como te falto... como me faltas.

Sussurros



(Este repost tem um destinatário. Talvez esse destinatário nem sequer se aperceba, mas não importa. Como tantos e tantos dos posts que escrevi aqui no Voz em Fuga, este teve o seu motivo e a sua razão e, agora, faz para mim sentido voltar à primeira página. Mesmo que eu hoje nem tenha febre e, às tantas, nem anjo de plantão)

2010-02-07

Conta poupança-futuro

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«Os bebés portugueses vão poder começar a emprestar dinheiro ao Estado para financiar a dívida pública assim que nascerem.»

in, Jornal de Negócios



O que foram sempre os certificados de aforro onde os portugueses tradicionalmente investem a sua poupança? Será que ainda vale a pena perguntar?

2010-02-05

Enfim




Depois de Rod Stewart assassinar para sempre o Downtown Train na memória da maioria, pensei que nunca fosse gostar de qualquer versão diferente da original. Mas gosto desta dos Minnesota Sex Junkies.

hmm...



Will I see you tonight on a downtown train
Where every night, every night it's just the same, oh baby
Will I see you tonight on a downtown train
All of my dreams they fall like rain, oh baby on a downtown train

Ontem







E é o que há!




Obrigada pelas imagens, C.

2010-02-04

Haja paciência!

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«"Parece-nos razoável que, sendo nós um imenso condomínio de 10 milhões, cada um de nós saiba a permilagem de cada um dos outros para sabermos se há um efectivo contributo que corresponda àquilo que é o bocado que temos neste imenso latifúndio" defendeu Strecht Ribeiro, que entregará hoje a proposta à direcção da bancada parlamentar do PS.»

in DN


Não tenho dúvidas que vivemos num regime que fez a sua transição para a democracia sem dinamitar verdadeiramente as raízes do Estado velho. E há uma mentalidade que permanece, entre o respeitinho atávico e a denúncia escroque, igual à do tempo que selou a barras de ouro a miséria de quase todos, os que ficavam a comer batatas e uma espinha de sardinha, os que iam a salto tratar da vida para as obras em França; e mais os GNR de carrascão e vistas curtas, ou as grande fortunas que se apressaram a regressar de devaneios nos trópicos quando a maré acalmou; ou a carne para canhão das guerras do ultramar e as mulheres enlutadas e sem direitos e os filhos de pai incógnito com asterisco no BI; ou os padrecos, os bufos e os vampiros, mais os deserdados em geral, levando a vidinha caladinhos, que não dava para abrir a boca sem saber quem pudesse estar a ouvir no velho regime baseado na lei do bufo, na lei do medo.

O Portugalinho – tão diferente em asfalto, em marinas, em hotéis, Allgarves e campos de golfe – mudou aparentemente muito sem, no entanto, mudar verdadeiramente. Continua a ser um país de cidadania amordaçada e de invejas pequeninas e na mão de meia dúzia que põe e dispõe conforme der mais jeito. Quando as coisas não correm de feição, a culpa é sempre do outro, o que lhe passou cheques carecas, o que lhe prometeu umas férias cinco estrelas pagas a prestações, os duzentos euros dos putos onde não podem mexer, que maçada!, o dos favorzinhos trocados por robalos, ou malas cheias de notas pequenas, ou lista de votantes que já moram a sete palmos abaixo, ou os sobrinhos da Suíça, ou os acordos selados a putas café com leite, ou as nomeações para assessores, ou as renomeações dos assessores, ou as reformas cardona e celestemente volumosas, ou os jeitinhos à lei para dar jeitinho aos filhos da lei do costume.

Seja como olhe e para onde olhe, os vampiros ainda aí estão. E os bufos sempre foram as suas armas, as melhores armas, porque toupeiras silenciosas, mesquinhas, fazendo da convivência e da proximidade a porta para os segredos a revelar. E a fomentar a inveja, que ninguém está livre de, um dia destes, alguém resolver acusá-lo de tudo e mais um biscate e, neste País de treta, cada vez é mais necessário provar-se a inocência do que a culpa, especialmente depois de insinuações entre aspas num qualquer pasquim.

E depois ainda vem um cromo falar de condomínios e propor que a inveja alastre entre vizinhos, que se comprou um carro novo é porque andou a roubar ou a dar o cu sem declarar às finanças, que publicar os devedores não bastou. Não, isto não é um condomínio, que já nem há quem lhe faça seguro. É um bairro de lata de alucinados, com propostas mirabolantes e ideias estapafúrdias, onde até querem promover a bufaria, o voyeurismo e a inveja a letra de lei. Depois, os que puderem dizem que é difamação ou que é censura. Todos os outros apanham com um big brother pelo cu acima, a ver se ficam caladinhos, enquanto comem uma espinha de sardinha.

Haja pachorra! E, foda-se!, porque é que não deixam que o gajo se demita? Não há por ai tanta prova provadinha de incompetência derramada por jornais, televisões, blogues e afins? Então qual é o mal? Se tantos se apressavam a demiti-lo se pudessem, porque têm agora tanto medo de se mandarem para os cornos do touro e tentarem (e eu já só pedia isso) fazer melhor?

2010-02-03

Meio-meio


aqui

Há sempre quem veja um copo meio cheio onde outros o vêem apenas meio vazio. Acredito que a tristeza e a incapacidade para o contentamento sejam das maiores falhas de carácter: infernizam a vida de quem não sabe ser feliz; infernizam a vida de quem partilha o tempo com gente sempre amargurada; impedem que se aprecie o momento e se acredite que há esperança, até contra a doença, até contra a ampulheta inclemente do tempo que passa.

2010-02-01

Aqui d'El Rei!

Roubam-me a voz
quando me calo
ou o silêncio
mesmo se falo

Aqui d'El Rei.



Zeca Afonso - Epígrafe para a arte de Furtar


Este País pode ser quase tudo, mas não é um País censurado. Antes fosse, por uma qualquer auto-censura que não permitisse que tantos abrissem a boca para abusar de uma realidade que calou, torturou, matou, quem se atrevesse a pensar diferente. É que há nesta forma apressada e desusada de apor em qualquer situação o rótulo simplista da censura um insulto a quem viveu realmente a censura. Eu, que descendo de um homem que conheceu por dentro as selas da PIDE/DGS por ter confiado no padre confessor que bufou os segredos ao primeiro pulha que lhe passou uma nota para a mão, sinto-me ultrajada pela forma como insultam assim a memória do meu bisavô. Nunca se escreveu tanto, disse tanto, se insinuou tanto, se macaqueou tanto a verdade para ganhar uns cobres e fazer uns jeitos e tirar uns dividendos; nunca se pode tão livremente publicar qualquer bojarda; nunca os vampiros se viram tão fartos nas suas opiniões e nos seus lucros. E quanto mais livremente se atiram com atoardas para qualquer lado, com insinuações a granel, com factóides que nunca exigem prova, mais insultada me sinto, ao sentir como insultam o meu bisavô. A distância que vai de hoje ao que foi mede-se em bem mais do que no asfalto das auto-estradas, no número de nados mortos, na quantidade de analfabetos, ou nos carros e proprietários e dívidas a eito. Mede-se também por esta forma sem freios de dizer e poder dizer, inclusive dizer que não se pode, que há pressões, que há censura. Mas se calhar a culpa é minha, que não há maneira de esquecer que, antes, em qualquer esquina, podia estar um bufo de regime, a ouvir conversas nas igrejas, nos confessionários, nos bancos de jardim, nos cafés e restaurantes. E que, nesse tempo, o refrão do "Natal dos Simples", do Zeca Afonso – mas tinha de ser baixinho, muito baixinho, em surdina –, se cantava "vão parar à PIDE e vão parar à PIDE e vão, vão, vão, vão". Hoje, grita-se que há lobo. Basta só gritar que há lobo. E o lobo é só mais um papão a jeito.