2013-05-29

eu estive aqui e ninguém contará a minha história

«Yo estuve aquí y nadie contará mi historia. Ignoro cuanto tiempo permanecí frente a esa piedra, pero a medida que la tarde caía vi otras manos repasando la inscripción para evitar que la cubriera el polvo del olvido...» 

Luís Sepúlveda 

Conta Sepúlveda em "As Rosas de Atacama" que deu com uma inscrição anónima gravada numa laje de Bergen Belsen: "eu estive aqui e ninguém contará a minha história". E conta ainda que foi essa frase que o levou a escrever um belíssimo conjunto de contos sobre as histórias breves de vidas que não serão nunca descritas nos compêndios da História, mas que não são por isso menos importantes. Chamou a esse livro "Historias Marginales", nome que para mim faz mais sentido do que a sua versão portuguesa, por mais bela que seja a ideia de um deserto coberto de flores. É que é de margens e de esquecimento, de figuras que tiveram o seu quinhão de venturas e desgraças e, no entanto, são em tudo demasiado parecidas com todas nós, anónimas a mais das vezes, capazes de fugir e se esconder, levadas pela própria cobardia a actos de coragem que fazem, nem que seja apenas numa vida, a diferença. Sepúlveda pegou nessas vidas e perpetuou-as. Para que alguém pudesse contar a sua história; porque alguém contou a sua história. E fica assim a palavra escrita contra a poeira da memória, contra a brevidade das recordações. De alguma forma, todos somos histórias marginais na memória de alguém. Talvez um dia alguém conte também uma dessas histórias e mais uma rosa pintará de cor o deserto do esquecimento.

6 comentários:

shark disse...

Uma rosa a pintar de cor o deserto do esquecimento é coisa para deixar qualquer florista num delírio do arrepio. :)

Até vinha dizer qualquer coisa, mas durante a travessia concentrei-me na flor e esqueci.

Hipatia disse...

Ui! E eu que nem consigo fazer um cacto sobreviver :/

Paulo Abreu e Lima disse...

Mesmo se contadas à revelia? É que por vezes não são sequer exemplos para ninguém, mas uma excelente matéria para... escrever um livro.

Hipatia disse...

Normalmente são contadas à revelia. É o mal de contar histórias de gente banal: mesmo que se lhe dê um nome, ninguém saberá a diferença.

Anónimo disse...

"todos somos histórias marginais de memória de alguém." OK :)) [Great!] beijos, Viajante

Hipatia disse...

Ah! Estás aqui! Andei à tua procura e bati com o nariz na porta. Mas já não escapas! :D