- Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia,
A pedir-te humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção,
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga
Hoje queria tão só ser livre. Ser um pássaro. Ser uma prece. Voar.
Hoje queria viajar para longe. Estar bem longe da realidade que conheço. Encontrar a minha liberdade algures na Terra, longe.
Hoje queria que a minha fé fosse feita de pó, de barro, de azul e de ausências. Transformar todos os símbolos em caracteres chineses, queimá-los numa girândola de fogo e alegria.
Hoje queria estar tão longe que nem os odores reconhecesse, que o céu fosse diferente. Hoje queria um azul petróleo na linha do horizonte e uma estrela da manhã teimosa num pas-de-deux com o sol.
Hoje queria comprar o bilhete e partir à aventura, cumprir o sonho de viajar, coligir informações in loco.
Hoje queria ser livre e cumprir as ausências e chegar aos sonhos com a sensação de dever cumprido e a paz de estar sem grilhetas.
Hoje queria expurgar de mim aquela tensão que nos pesa entre a vontade de novidade e o elogio do velho, do reconhecido. Hoje queria estar para além dos avanços e recuos de lógicas sucessivas. Ser voz. Ser palavra. Tecer o divino.
Hoje apetecia-me pôr uns sapatos de salto-alto e partir para Goa de mochila às costas. "Não podes." Diz-me a consciência. "Ninguém vai de salto-alto para a Índia." Mas, hoje, o absurdo da vontade de não ter peias expõe o vazio da lógica que me trava.
Hoje não quero delongas em análises aprofundadas aos motivos. Hoje não quero pensar nas construções que elaboro de adaptação entre os desejos e os impulsos que me movem e o que me impõe o real. Hoje queria ser livre. Ser pássaro. Ser prece. Voar.
Hoje apetecia-me ter heterónimos e mandar cada um deles fazer cumprir um apetite.
Hoje queria ser livre. Voar. Como um pássaro. Como uma prece.
"Liberdade, que estais em mim, santificado seja o vosso nome."
Rezava o padre nosso que sabia,
A pedir-te humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção,
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga
Hoje queria tão só ser livre. Ser um pássaro. Ser uma prece. Voar.
Hoje queria viajar para longe. Estar bem longe da realidade que conheço. Encontrar a minha liberdade algures na Terra, longe.
Hoje queria que a minha fé fosse feita de pó, de barro, de azul e de ausências. Transformar todos os símbolos em caracteres chineses, queimá-los numa girândola de fogo e alegria.
Hoje queria estar tão longe que nem os odores reconhecesse, que o céu fosse diferente. Hoje queria um azul petróleo na linha do horizonte e uma estrela da manhã teimosa num pas-de-deux com o sol.
Hoje queria comprar o bilhete e partir à aventura, cumprir o sonho de viajar, coligir informações in loco.
Hoje queria ser livre e cumprir as ausências e chegar aos sonhos com a sensação de dever cumprido e a paz de estar sem grilhetas.
Hoje queria expurgar de mim aquela tensão que nos pesa entre a vontade de novidade e o elogio do velho, do reconhecido. Hoje queria estar para além dos avanços e recuos de lógicas sucessivas. Ser voz. Ser palavra. Tecer o divino.
Hoje apetecia-me pôr uns sapatos de salto-alto e partir para Goa de mochila às costas. "Não podes." Diz-me a consciência. "Ninguém vai de salto-alto para a Índia." Mas, hoje, o absurdo da vontade de não ter peias expõe o vazio da lógica que me trava.
Hoje não quero delongas em análises aprofundadas aos motivos. Hoje não quero pensar nas construções que elaboro de adaptação entre os desejos e os impulsos que me movem e o que me impõe o real. Hoje queria ser livre. Ser pássaro. Ser prece. Voar.
Hoje apetecia-me ter heterónimos e mandar cada um deles fazer cumprir um apetite.
Hoje queria ser livre. Voar. Como um pássaro. Como uma prece.
"Liberdade, que estais em mim, santificado seja o vosso nome."