2005-11-21

Algures

We’re on a road to nowhere
Come on inside
Takin’ that ride to nowhere
We’ll take that ride
I’m feelin’ okay this mornin’
And you know,
We’re on the road to paradise
Here we go, here we go

Talking Heads - Road to Nowhere


Algures, entre Coimbra e Leiria, existe um quilómetro onde mora um fantasma.

Algures, na A1, está um buraco negro, que tem sorvido alegria, vontade, esperança, calor, luz.

Algures, entre Coimbra e Leiria, deixei há muito tempo o melhor de mim.

Algures, na A1, deixei-me gelar um dia e faz frio ainda.

Algures, faz muito tempo, faz muito frio, fiquei perdida em nenhures e, por vezes, ainda lá estou.

Algures, gente como eu, escreveu ontem mensagens em fitas brancas, que laçaram balões, que voaram em direcção a céus de esperança, que se tingiam de nuvens cheias de lágrimas e lutos.

Algures, existe para demasiada gente um qualquer quilómetro trágico em qualquer A1.

Algures, está a minha dor ainda. E está também a estrada que não deixei de percorrer.

6 comentários:

CAP disse...

Hip, não achas que é tempo já de seguir em frente?
Beijo

patologista disse...

Sempre que tenho de me meter à estrada, principalmente em grandes viagens, desejo muito conseguir regressar inteiro para junto daqueles de quem tanto gosto. E sempre que são os outros a viajar, só descanso quando os vejo nos meus braços.
Há tantas histórias de desgraças...
É claro que nunca esquecerás, nem deves, a vida é feita de todos os momentos, maus e bons. Mas convém olhar em frente e ver o que de bom esta vida tem para nos dar.
E olha que pode ter bastante.
Um beijo grande.

Hipatia disse...

Sim, Cap, já segui em frente. É a tal estrada que não deixei de percorrer. Mas ver a reportagem no Alentejo abalou-me um bocadinho, como é óbvio. E o post nem pretendia ser triste. Bem sei que parece. Mas não era. É só porque é preciso lembrar que morre demasiada gente nas estradas e que fica sempre alguém a ter de viver com o que sobra.

Hipatia disse...

A reportagem abalou-me um bocado, Patologista. Como me abala a ideia de terem "inventado" um dia para lembrar os mortos nas estradas. Como me abala a certeza de que nunca será um dia desses que vai conseguir que os condutores portugueses entrem para dentro dos seus carros e resolvam ter cuidado. Há demasiada inconsciência e os carros só a potenciam. Só isso. De resto, é seguir em frente. Não se pode fazer mais do que isso.

Zu disse...

Tu sabes, querida, que por circunstâncias diferentes também eu choro uma pessoa desaparecida em acidente. Uma pessoa que nem sequer conheci, mas com cuja sombra sempre vivi, e que condiciona até a minha relação com a condução.
Quando falas desta tua dor, sinto sempre tanta vontade de te dar um abraço enorme... Aqui to deixo.

Hipatia disse...

Apesar do post estar demasiado personalizado, eu no fundo estava a tentar falar de uma dor colectiva, de um país - e de tanta gente - que viu morrer outra tanta gente nas suas estradas. E também eu fiquei com a minha relação com os carros e a condução condicionada. Ao ponto de temer trocar de carro, por mais velhote que o meu esteja a ficar: é que neste eu confio, sei como reage e até onde vai. Sei, portanto, até onde posso ir. Mas, todos os dias, me cruzo com alguém que não sabe para onde vai, como vai e, pior, quantos pode levar pelo caminho :(

Um abraço forte para ti, Zu