2005-11-18

O livro de agradecimentos


aqui


O Manel é um tuga como tantos outros. Trabalha com três bancos e tem cartões a mais de todos eles. Como todos os tugas, acha-se muito esperto. E como nunca conseguiu fixar o código de todos os cartões, juntou-os numa listinha, como se fossem números de telefone, e andava com eles na carteira.

O Manel resolveu ir beber um café à Ribeira. Não bebeu café. Meteu-se antes na cervejinha. Umas poucas. Cinco, seis, doze... perdeu-lhes a conta. Mas o empregado da tasca é que não se esqueceu de lhe apresentar a continha no fim. E vai daí, o Manel meteu a mão ao bolso da carteira, a tal carteira demasiado farta de cartões e com demasiada poeira onde antes já houve notas, e descobriu que um outro tuga qualquer, ainda mais esperto, se tinha abotoado à carteira gorda de cartões num qualquer momento da noite.

E o Manel lá contou os trocos e agarrou-se ao telefone a cancelar os plásticos. Mas já não foi a tempo: € 400 euros de rombo em cada cartão, que o tuga ladrão cedo percebeu que listinha telefónica era aquela.

No dia seguinte, lá vai o Manel em peregrinação aos três bancos: num tem o crédito à habitação, no outro tem a conta ordenado, no outro tem uma pequena poupança que tenta, em vão, esquecer que existe. Dá conhecimento do ocorrido a três empregados diferentes, uns mais fartos com a vida do que outros, uns com mais tempo do que outros, uns mais simpáticos do que outros. No último banco - o tal onde só tem uma pequena poupança - sugerem-lhe uma exposição dirigida ao banco, devidamente acompanhada da queixa apresentada à polícia, com um: "Se der, dá; se não der, pior você não fica. E, já agora, faça o mesmo nos outros bancos".

E o Manel tuga, em desespero de contas, lá conta os minutos roubados ao dia atarefado e faz três cartas.

Duas semanas depois, o Manel tuga recebe uma carta do tal banco onde só tinha uma pequena poupança: vão suportar os custos e dar-lhe os € 400 que tanta falta lhe estão a fazer. Dos outros dois bancos, os tais que lucram com a certeza do crédito mensal do ordenado ou os juros do crédito à habitação, só silêncio total. É que o Manel tuga não conta. É só mais um tuga.

Consciente do seu anonimato e da sua zerisse à esquerda, o Manel tuga nem quer acreditar na carta que tem na mão, nos € 400 que tem na conta. Dirige-se então ao tal banco, à mesma pessoa. Duas semanas depois, essa pessoa já nem sabe quem é aquele tuga Manel que tem à frente. "Queria o livro de agradecimentos", diz o Manel tuga.

E o tuga empregado de banco abre a boca de espanto, que agradecer é coisa que já ninguém faz e livro de agradecimentos é coisa que não há.

9 comentários:

Bastet disse...

Eheheh... pode ser que te levem mais uma caixinha de bombons :)

patologista disse...

É tão raro termos razões para agradecer, que ninguém se lembraria de tal.
Mas nessas raras vezes dá vontade de beijar a pessoa e dizer "obrigado por ser como é. Continue assim".

Hipatia disse...

Ora, Bastet, quem disse que sou eu quem merece os bombons? Eu só contei uma história ;-)

Hipatia disse...

É sintomático vivermos numa época em que temos um livro de reclamações em cada canto e já não haver memória de livros de agradecimentos, não é, Patologista?

jp(JoanaPestana) disse...

Uma vez disse a um amigo, que se houvesse mais gente a escrever nas reclamações, haveria mais tarde muitos motivos para agradecer.
Porque é que sempre que te abro no mozilla fico com tudo encravado?!
Andas bem hipatialudovina?
bj

Hipatia disse...

Não sei, J.P. Não tenho o Mozilla :))

Óbvio que é preciso reclamar. Até acho que reclamamos pouco. E, se queres saber, até acho que o pessoal do Sul ainda reclama menos do que devia. Pelo menos, em alguns supermercados dai, já tive diversos encontros imediatos e, quem me acompanhava, já se ria só de olhar para a minha cara, porque já sabia que ia haver barulho. Mas nem é bem essa a questão. É mais a consciência que se pede a reclamação e, no entanto, se vai esquecendo que também é preciso agradecer. Quanto mais não seja, por uma questão de estímulo positivo ;-)

jp(JoanaPestana) disse...

Penso que não me fiz entender.
É óbvio a recorrência ao livro, e mais a norte como bem escreveste, que o sul por variadíssimas razões, entre as quais o estou-me a cagar, não está para isso.
Infelizmente a versão mais corrente do a seguir ao agradecimento, é receberes um sorriso meio insultuoso do género pois só deves agradecer que te fiz um grandessíssimo favor, ou um qualquer silêncio incómodo, que de seguida te dá vontade de os mandar levar no cu.
E olha que eu sou da geração do obrigado, faz favor e com licença, que é uma matéria que caiu muito em desuso, a tal ponto que por mero reflexo condicionado até peço desculpa ao gato se o pisar sem querer.
A questão dos estímulos positivos…pois também já fui por aí, mas é de todo impossível mudar uma estrutura de bases de lama, onde nem com uma lobotomia verias grandes melhorias.
Continuo no entanto a respirar fundo três vezes, antes de entrar a matar, e penso sempre primeiro que todos nós poderemos estar sujeitos a hormonas.
Agradeço-te a amabilidade de me deixares expandir neste canto da sala de espera, e desculpa o rol.

Hipatia disse...

Quando era miúda, a minha mãe repetia, com um tom muito característico, as palavras "obrigada", "com licença" e "faz favor", cada vez que eu me esquecia de as dizer. E tanto repetiu que não caíram em saco roto e eu, até hoje, sei bem quando as dizer e onde as devo dizer. Talvez eu no fundo esteja a fazer uma apologia do regresso às bases, a um tempo em que nos ensinavam boas maneiras e não nos importávamos de as aprender. Parece que, hoje em dia, só há putos mimados, refilões, insultuosos e que, muitas vezes, os paizinhos se esquecem de os ensinar correctamente. Assim, não há volta a dar a esta cultura da reclamação sem agradecimentos, não é?

Hipatia disse...

Mais Vozes

esta é gira! tugas-hitech do iscte n'é?
pirata vermelho | 11.18.05 - 11:28 pm | #

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ai desculp!...
pirata vermelho | 11.18.05 - 11:29 pm | #

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Do ISCTE não. Mas acho que há uns quantos espalhados por todos os polos universitários
Hipatia | Homepage | 11.18.05 - 11:44 pm | #

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Tenho a leve impressão que esta te passou por perto, não?!?

E já agora, o outro da batida chegou a cumprir com o prometido? Beijos

Ps: alerto certa pessoa que o meu 91 continua a funcionar...!
Cota Marada | 11.19.05 - 8:14 pm | #

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Liiiindaaaa...

beijos e sorriso
Viajante | Homepage | 11.19.05 - 8:28 pm | #

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O Manel é sem duvida um Tuga como os outros. Beijos de bom dia e cheguei mui bene!
Luna | Homepage | 11.20.05 - 1:32 pm | #

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Passei para te deixar uma beijoka.
Gostei da tua energia e dos teus olhos bonitos. A noite foi muito gira.
Palavras em Linha | Homepage | 11.20.05 - 7:47 pm | #

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ao menos é um tuga que agradece...
ora isso já nem se usa muito! manéis destes há poucos! são zarolhos, mas boa gente!

boa semana!
beijinho,
filipa.
mysticat | Homepage | 11.20.05 - 11:39 pm | #

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O meu 91 continua de férias, amiga. E bem sei que te devo um telefonema. Mas ando muito pouco palradora

E, sim, o outro cumpriu e o bichinho já está lindinho; e o fulano que prometeu emprego também cumpriu
Hipatia | Homepage | 11.21.05 - 5:11 pm | #

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Adorei conhecer-te, Luna

E, sim, o que há mais são tugas Maneis

Beijos
Hipatia | Homepage | 11.21.05 - 5:12 pm | #

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Adorei o convívio, Palavras em Linha. E ler um texto teu Quando é o próximo?

(pena o mau tempo na viagem de regresso)
Hipatia | Homepage | 11.21.05 - 5:13 pm | #

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Já não há é como agradecer, Misty. Porque, nesta história, o que achei mais caricato foi o facto de - caso fosse o caso - logo aparecer um "livro de reclamações", mas, no entanto, não havia como deixar expresso um simples agradecimento
Hipatia | Homepage | 11.21.05 - 5:15 pm | #

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Pede ao Gaivina que apresente trabalho, que tu patrocina-lo é para isso... e o texto aparece, enviado daqui.
Bj
Palavras em Linha | Homepage | 11.21.05 - 8:11 pm | #

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O Gaivina anda desaparecido. Mas, da última vez que falamos, disse que tinha mais desenhos. Só estou à espera que os mande

Beijo
Hipatia | 11.21.05 - 10:40 pm | #