tu que buscas companhia
eu que busco quem quiser
ser o fim desta energia
ser um corpo de prazer
ser o fim de mais um dia
António Variações - Canção do Engate
É para amanhã? Bem que podíamos fazer hoje. É que o amanhã pode nem chegar. Se estás livre, eu também estou livre... E buscamos companhia, não é?
Entre o vazio da solidão, porque não a aventura dos sentidos, feita a dois neste momento que nem é de amor, porque o amor não é o tempo que o faz, nem a espera, nem a partilha. É só não ter tempo para amar, nem vontade de estender uma mão aberta pronta a fechar-se sobre um vazio igual.
Enchem-se as mãos antes de tacto e de pele, do calor do outro corpo e os pés que assim não estão gelados pela madrugada, excepto se foste embora, ou porque mandei, ou porque este não é o sítio onde ficares.
Estamos sós e o resto pouco importa. Somos dois e maiores e o sexo disseram-nos que não é tabu. Foder a dois, mesmo que pouco mais sejas do que o viabrador que acabei de comprar online, é sempre melhor do que foda nenhuma.
É só mais um dia que passa, pouco importa. Tratemos de o aproveitar. Gozemos o tesão que se acumulou durante mais um dia de frustrações e que bem que estarias entre as minhas pernas nesta fila interminável de trânsito em que o carro avança e recua num pára-arranca desesperado, enconado.
Dispo o teu corpo de personalidade. Não quero saber quem és. Quero a liberdade do corpo trespassado de prazer e sem grilhetas. O resto fica para amanhã. É sempre para amanhã.
Não, não me digas que podemos fazer o amor hoje. Hoje podemos brincar a fazer amor, não o amor. Deixa esse para amanhã, quando tivermos tempo e o jantar não seja mais do que qualquer coisa descongelada à pressa. É que não é o tempo que faz o amor, mas eu não sei fazer amor sem tempo. E no meu léxico há muito que cabem as rapidinhas e outros simulacros.
É uma coisa de geração, sabes? Ainda ouvimos dentro dos miolos o Variações a cantar que só estamos bem onde não estamos. Ou da urgência de ter um corpo e não deixar para amanhã o que podemos fazer hoje. Ou do urbano-depressivos, sempre bem fodidos, nem que seja só pela vida e do chique que, por vezes, esse ar nos dá.
É para hoje? Não, deixa para amanhã...
Hoje, continuamos a foder para não falar. Ou fodemos para acabar. Ou fodemos só porque nos disseram que tinha de ser, que todos fodem afinal. Ou só para não ficar a mastigar a perna de frango ultracongelada, em pé na cozinha, sem pachorra para cozinhar. Foder fast-food, de geração fast-food, a correr atrás do hoje que perdeu logo pela manhã.
De que momento falas afinal? O momento em que faço de conta que me dou e tu fazes de conta que te dás? Amanhã continuamos à espera de uma vida. Amanhã é um fio de esperança que ainda tentamos encontrar.
É para amanhã? Bem podias fazer hoje...
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Em Abril, a Maria Árvore pediu-me um post para publicar lá no Chez Maria. Este foi o post que escrevi e que hoje - porque não tenho paciência para continuar a aguentar as sufecas do Blogger - resolvi trazer para a Voz. Apesar do tom, amargo e desencantado, gosto dele. Além disso, as férias que depois fui gozar foram muito satisfatórias e fizeram milagres pelo meu estado de humor...