Roubam-me a voz
quando me calo
ou o silêncio
mesmo se falo
Aqui d'El Rei.
Zeca Afonso - Epígrafe para a arte de Furtar
quando me calo
ou o silêncio
mesmo se falo
Aqui d'El Rei.
Zeca Afonso - Epígrafe para a arte de Furtar
Este País pode ser quase tudo, mas não é um País censurado. Antes fosse, por uma qualquer auto-censura que não permitisse que tantos abrissem a boca para abusar de uma realidade que calou, torturou, matou, quem se atrevesse a pensar diferente. É que há nesta forma apressada e desusada de apor em qualquer situação o rótulo simplista da censura um insulto a quem viveu realmente a censura. Eu, que descendo de um homem que conheceu por dentro as selas da PIDE/DGS por ter confiado no padre confessor que bufou os segredos ao primeiro pulha que lhe passou uma nota para a mão, sinto-me ultrajada pela forma como insultam assim a memória do meu bisavô. Nunca se escreveu tanto, disse tanto, se insinuou tanto, se macaqueou tanto a verdade para ganhar uns cobres e fazer uns jeitos e tirar uns dividendos; nunca se pode tão livremente publicar qualquer bojarda; nunca os vampiros se viram tão fartos nas suas opiniões e nos seus lucros. E quanto mais livremente se atiram com atoardas para qualquer lado, com insinuações a granel, com factóides que nunca exigem prova, mais insultada me sinto, ao sentir como insultam o meu bisavô. A distância que vai de hoje ao que foi mede-se em bem mais do que no asfalto das auto-estradas, no número de nados mortos, na quantidade de analfabetos, ou nos carros e proprietários e dívidas a eito. Mede-se também por esta forma sem freios de dizer e poder dizer, inclusive dizer que não se pode, que há pressões, que há censura. Mas se calhar a culpa é minha, que não há maneira de esquecer que, antes, em qualquer esquina, podia estar um bufo de regime, a ouvir conversas nas igrejas, nos confessionários, nos bancos de jardim, nos cafés e restaurantes. E que, nesse tempo, o refrão do "Natal dos Simples", do Zeca Afonso – mas tinha de ser baixinho, muito baixinho, em surdina –, se cantava "vão parar à PIDE e vão parar à PIDE e vão, vão, vão, vão". Hoje, grita-se que há lobo. Basta só gritar que há lobo. E o lobo é só mais um papão a jeito.
15 comentários:
Tenho que te dar razão. As tuas palavras servem-me como carapuça feita à medida, pois também me sinto parte desse grupo que julgou - e faço-o tantas vezes - levianamente.
Se na maior parte das vezes em que alguém, ultimamente, grita por censura ela existisse de facto, então a maioria dos supostos censurados estava era realmente silenciada. Perguntas lá no teu se ainda é azul. E pergunto-te eu se não será antes de outra cor, a atentar onde foi imediatamente publicado o texto supostamente alvo de lápis azul. Ou como pode ser censura quando corre em tanto lado e até vai para um livrinho com vendas garantidas e não sei quantos opiniadores a dizerem amém. O meu bisavô - e o meu avô, já agora - devem estar a dar voltas no túmulo. Eles e tantos outros, os que não podiam - puderam! - realmente falar.
Se um dia regressar a censura - a verdadeira - que lhe irão chamar?
Não foi censura, foi uma decisão editorial, boa ou má, criticável ou ajustada, isso fica ao público para decidir. Não quiseram assumir a responsabilidade de publicar aquele conteúdo, ou por não confiarem nas fontes do MC, ou por acharem que não era apropriado à coluna, whatever, é uma decisão que pode ser tomada.
Censura era se fosse para o lixo e nunca chegasse ao conhecimento público. Noutros tempos, o autor de uma opinião censurada ia logo malhar com os ossos na António Maria Cardoso (acho que me enganei no nome da rua... que memória lixada) ou Caxias.
Tens toda a razão.
Não concordo.
Existem hoje variadíssimas e dissimuladas formas de censura. Não podes comparar a censura num regime ditatorial à censura numa suposta democracia, só porque na primeira havia tentativa de penitência com "castigos" e agora meras rescisões contratuais. Aquela crónica não era anónima, só responsabilizava o seu autor, que assinava, e "porque não havia o "contraditório" - a suposta ausência de contraditório tem servido para as mais descaradas formas de censuras deste regime -, a linha editorial decidiu não publicar. Esquecendo que uma crónica não passa de uma opinião pessoal que se quer pública. Ofende terceiros? Venham à baila, defendam-se! Ao JN nunca cairiam responsabilidades sobre a publicação daquele texto. Mas, pronto, não agradava a direcção, confrontava e ameaçava as linhas de crédito da CGD. Eticamente, foi uma censura económica. Antigamente mandavam-se para os calabouços? Bom, agora, em democracia, manda-se passear (bem mais arejado, claro). Cadê a deontologia? Isso é prá ERC, aquela outra coisa... O JN é privado? Talvez seja, mas a opinião do MC também que queria apenas partilhar com o domínio público. Não há volta a dar!
Tu lembras-te quando foi da roupinha das meninas da loja do cidadão e da escandaleira que armaram a propósito de ficarem proibidos trajos que ninguém, no seu juízo, alguma vez levaria para o local de trabalho? Que era censura e não sei, que era cercear liberdades e o caraças. É mais do mesmo. E irrita-me a forma fácil como, mesmo a contar com proveitos, se insiste na tese gasta da censura. Às vezes parece que mereciam censura a sério, já que a auto-censura foi pelo ralo juntamente com a ética profissional e a dignidade deontológica. Mas é mais do que isso: é voltarmos à tese já antes absurdamente sugerida de que as figuras públicas não têm direito a privacidade, como quando quase se exigia saber calhandreiramente quem dorme com quem, ou se insultam descaradamente todos os que optam por pseudónimos para escreverem em blogues. Houvesse dano, talvez aceitasse o exagero do conceito; houvesse medo real de represálias, idem. Não é o caso. E tanto não é que o texto já foi lido por todos, mesmo que quase ninguém se tivesse dignado a ler a nota da direcção. E apupar de censura decisões editoriais só porque dá jeito à cor política ou aos ódios de estimação é um absurdo que faria os jornalistas de antigamente – os tais que pagaram com os costados – juntarem-se ao meu bisavô enquanto dão voltas do outro lado da vida.
A censura implica perdas reais prováveis e danos a quem se atreve. Olho aqui de longe e vejo o Crespo a publicar o texto no site do Instituto Sá Carneiro enquanto clama que está a ser censurado e vejo o texto em si a circular por todo o lado. Também vejo uma crónica – mais uma – baseada no boato, no que alguém supostamente ouviu de uma mesa ao lado e bufou de seguida, enquanto vejo o nome de políticos preto no branco e o nome do jornalista escondido. Não seria desse tal jornalista dizer de sua justiça? Afinal, estava presente e nem defendeu o Crespo arrependido da Independente, ainda que eu duvide que alguma vez tenha desdenhado dos cobres que por lá ganhou. Os mesmos cobres que vai continuar a ganhar com a publicação do livrinho com este artigozeco à cabeça e ámen do Medina Carreira. Também não vejo o Crespo sem emprego na SIC, nem despedido quando chama palhaços aos outros. Nem entendo esta vontade das fontes anónimas, tão ao gosto dos bufos de antigamente, nem consigo deixar de achar estranho que, em dia de Orçamento, ministros resolvessem escolher um espaço público para fazerem a folha a um jornalista. Que eu saiba, o tal texto que até já se chamava Fim da Linha, foi uma excelente forma do Crespo bater com a porta do JN e se armar em vítima a seguir, ganhando ainda uns quebrados por conta. Mas tudo vale, especialmente quando as costas estão quentes. Fosse outro qualquer sem as amizades do Crespo e outro galo cantaria. Ai sim talvez pudéssemos falar realmente em censura, daquela que causa dano. Este não é, manifestamente, o caso.
Na questão do direito à privacidade, já não concordo contigo. Têm-no, no que respeita à sua vida familiar e pessoal, ainda que fora de portas. Mas esta foi (alegadamente) uma conversa tida em local público e em tom de voz passível de ser ouvido por terceiros. Assim sendo, e dado o (alegado) teor da conversa (difamatório) não acho que seja falta de ética do visado divulgá-la.
Como diria a minha mãezinha, isto não é uma conversa que se tenha na rua. Sujeitam-se.
Mas censura, não foi.
E para o Paulo, confessando a minha ignorância na matéria e há anos que não toco na lei de imprensa, a crer no que escreveu o Daniel Oliveira (que é jornalista e deve saber), o director da publicação é responsável, solidariamente com o jornalista, pelo teor das notícias. Donde... não é censura o director dizer "não publico isto que escreveste, Mané, que tenho uma casa para pagar". Eu entendo até muito bem. Que também tenho uma casa para pagar.
I.,
"...o director da publicação é responsável, solidariamente com o jornalista, pelo teor das notícias." - verdadeiro. Mas aquilo não era uma notícia, mas um artigo de opinião que só responsabiliza quem assina. Se fosse como um heterónimo, já o JN teria responsabilidades e não poderia acobertar. E foi censura, sim. Porquê? Porque naquele jornal aquele artigo foi para o lixo e o colunista foi punido com a sua descinvulação. Ah, mas se calhar até seria aquilo que queria; ah, mas agora ele ou outros publicaram o artigo em todos os sítios! Mas, claro, era só o que faltava, num regime democrático, ser impedido de se manifestar (Direitos Humanos, Constituição lembram-se...?)!
Hipatia, agora tu, e só tu (que saudades eu tinha de encurralar a menina ante meus magníficos e doutos argumentos :PPP),
Primeiro de tudo, continuo a frisar: não podes comparar censura em regimes distintos. Segundo, há vários tipos de censura, o que por si só faz de muitas delas uma coisa perfeitamente legítima, ou seja, tu, imagina, retiras-me este comentário do teu blog, censuraste-me ou não? Responde. Tinhas todo o direito de o fazer? Sim e mais, toda a legitimidade. Mas foi um acto de repreensão, de crítica severa, de censura. Prezo muito todo o historial do teu bizavô, por causa dele e de muitos outros, estamos num outro regime, mas em permanecendo os significantes, os significados alteraram-se, e alteram-se, ao longo do tempo. Ah, mas usam e abusam na linguagem daquilo que não conhecem! Pois, da mesma forma que eu ou tu dizemos que trabalhamos que nem escravos e nem sequer pomos em causa que não o somos à luz de outros tempos. Por ora reflecte nisto... :PPP
então, só para criar entropia, o que é que se chama ao que eles fazem? com as notícias que os jornalistas não "querem" dar? por exemplo, alguém lhes passa uma informação mas isso vai complicar-lhes a vidinha e eles optam, além de não a dar, nem sequer pesquisar, criar uma névoa para os colegas como aquilo é falso, ou pouco provável. isto chama-se o quê? consciência? boa vontade?
não me digam que os jornalistas não fazem isso?
só quem nunca pisou uma redacção é que engole uma merda destas. o povo pensa que é tudo como nos filmes americanos, integridade, brio profissinal e amor à profissão acima de tudo.
olha, também o super-homem voa sem asas nem motores.
censura nos termos que eles falam, fazem-no a toda a hora os prórpios jornalistas, depois sabe-lhes é muito bem ter um director que é responsável pelo que podem ou não publicar e a quem atribuem todas as culpas quando lhes dá.
e o respeito do jornalista para com o orgão de informação para quem trabalha? não há? ou o que se chama "linha editorial" esfumou-se de repente? quando uma pessoa aceita um trabalho, não está implicitamente a aceitar a "linha" de trabalho da sua empresa? ou está lá obrigado?
a censura está na publicação naquele local específico, não está na palavra ou na liberdade de opinião, que é o que querem fazer passar.
infelizmente aos inergumenos ninguém os consegue calar.
e depois lá vem a trampa da licenciatura ao domingo, mas não há alma que explique a esta gente que os profs universitários são obrigados, obrigados a estar contactáveis pelas universidades no mês de agosto para lançarem notas caso tenha havido algum problema ou esquecimento? para que os alunos não sejam prejudicados por causa de uma ou outra falta administrativa. e que muitas vezes isso é combinado com o pessoal da secretaria e muitas vezes devido às incompatibilidades de horários só se pode fazer ou fim de semana, tendo também os desgraçados que lá ir. ou é preferível alterar a data das assinaturas, que é ilegal, só para ficar bem na fotografia?
o que me irrita, nem sequer é o termo e o choradinho já insuportável de gente tão podre como os restantes, pq censura, estou com a I., há muitas formas de censurar, o que me irrita é a forma fácil como isto entra na cabeça das pessoas e elas nem sequer pensam.
embora também concorde contigo, que no caso português "censura" é uma palavra que não se dissocia da ideia da pide e afins estado novo, e é por isso mesmo usada com essa intenção, e aí, dou-te uma certa razão de indignação.
mas, as palavras mudam também de sentidos, como sabes.
Ok, vamos a isto (resposta comum, se não se importam, que o FCP está a ganhar):
- há 3 grupos de comunicação social de mão aberta às migalhas do Estado e, entre eles, vivem em estado de sítio, que se propaga aos seus trabalhadores, peões mais ou menos amestrados do interesse do dono. Pensar que, neste cenário, há ainda isenção, é tapar o sol com a peneira e, pior, confiar que o Pai Natal existe.
- julgar o Mário Crespo mais isento que os outros ou os ministros de Estado sempre mais sacanas que tudo o resto, leva a percepções distorcidas que fazem verdades com base apenas na vontade de encontrar vítimas virgens insuspeitas e algozes diabólicos; o mesmo seria possível de dizer do PM e dos seus ministros se se tivessem vitimizado agora, enquanto encomendam mais umas conferências e uns livrinhos. Não foi o caso.
- segundo o que foi expressamente dito pela direcção do JN, Mário Crespo decidiu "retirar o texto de publicação e informou que cessava de imediato a sua colaboração com o jornal", o que quer normalmente dizer que foi o Crespo que se demitiu e não o contrário. Também não se demitiu porque lhe proibiram o texto, antes porque o Director do JN "lhe ter dado conta das dúvidas que lhe causava o texto". E dúvidas tinha direito a ter - ainda que das outras vezes em que deixou ir igual ou pior não tenha dito nada (lembram-se da do palhaço?) – uma vez que a Lei da Imprensa co-responsabiliza a direcção do jornal com o autor no que toca a danos que possa ter causado, mesmo em artigos de opinião e não apenas em matéria jornalística comum.
- é certo que o artigo deveria ter sido publicado (aí estou com o Paulo) – mas foi decisão de Mário Crespo não o fazer (e por aqui discordo do Paulo) – para que tudo ficasse na base do costume, do Crespo a insultar tudo e todos impunemente e sem que alguém lhe ligasse patavina: no dia seguinte a notícia já seria outra.
- ora, tendo retirado o texto por sua vontade e tendo-se apressado a vê-lo publicado num sítio obviamente conotado com o maior partido da oposição (que até diz que não conhecia e como se nós acreditássemos), Mário Crespo sai à rua como virgem ofendida, papel que não me parece que lhe fique bem, que tem demasiados anos no costado de jornalismo à moda da casa.
- depois, falta saber em que foi que Mário Crespo ficou realmente lesado e quais são as fontes e porque corporativamente denúncia toda a gente, menos o executivo de uma empresa de Comunicação Social. Não diz o nome deste porque pode perder algum tacho? Ou é corporativismo acéfalo, à moda do comunicado do Sindicato dos Jornalistas, que tão rapidamente se mostra solidário com uma história (ainda) tão mal contada?
(cont.)
(cont.)
- pensar no jornalismo português como uma casta de santos é risível no mínimo. Quando olho, jornalistas e políticos estão interligados no mesmo chiqueiro de interesses, de calcinha em baixo a darem o cuzinho ao lado que mais lhes convier. Isto para os que já têm as costas quentes, claro, que os outros põem-se bem de rojo para subirem no aparelho ou para que não lhes cortem os recibos verdes. Isenção não há ali em qualquer das partes, sendo que só uma tem código deontológico que a exige.
- e se é certo que as palavras mudam de sentidos, também é evidente que são é quase sempre demasiado abusadas nos seus sentidos. Ao ponto que se perdem e gastam e, quando chegar a altura de lhes fazer uso verdadeiro, então terão de ser inventadas palavras novas. E, sem dúvida, há vários tipos de censura, mas é muito mais frequente aquela que a Vanus relembra e que advém exclusivamente do interesse dos próprios jornalistas e dos grupos económicos para os quais trabalham, mais uma pitada de corporativismo à mistura.
- mas censura no âmbito da actividade jornalística tem que remeter necessariamente para a nossa História recente. Não é a mesma coisa que censurar alguém por sair de t-shirt num dia de inverno rigoroso, ou censurar um funcionário por perder demasiado tempo ao telefone, ou censurar um gestor por não ter feito uma análise completa ao balancete mais recente. Censura em jornalismo é, ainda, percepcionada com a que foi efectivamente exercida pelo poder político sobre a liberdade de imprensa e não me parece que não fosse a essa ideia que Crespo se pretendia colar.
- quando tudo é dito e redito e há tanto púlpito e não pára de aparecer mais uma vez a cara do Crespo na televisão, só me resta perguntar o que queria de facto Mário Crespo, publicando um artigo de opinião quando, evidentemente, deveria ter feito uma notícia a sério face à gravidade das alegadas declarações proferidas por ministros de Estado. Seria porque, depois, já não havia a desculpa de que era "só" um artigo de opinião?
- no fim, continuo na minha: censura é que isto não é, por mais que as palavras continuem a esvaziar-se de sentido; como os códigos deontológicos, aliás.
Eiiiiiiiishhhhhhhh...!
Quem é que tem tempo para rebater 11 pontos num dia de trabalho? Quem ganha dinheiro por mim? Deixo-te já a bicicleta: a culpa é toda do Crespo! Chiça!
Ora bolas! Tanta letra depois e resumes ao Crespo o que eu não perdoo à mania da gritar censura?
Crês que só há um tipo de censura. O da PIDE, no nosso caso. A partir daqui que mais podemos dialogar...?
Censurem todos os que gritem, em vão, censura...
Não, Paulo. Acho que, quando há censura, o que é censurado não se torna primeira página de um enorme e alegre folhetim. Rica censura que nem resulta, hem?
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