A história é tão leve como a vida do indivíduo, insustentavelmente leve, leve como uma pena, como poeira ao vento, como uma coisa que há-de desaparecer amanhã.
Falei do livro ali em baixo. Volto a ele hoje. Porque há sempre mais qualquer coisa a dizer...
Admiro a sensualidade das palavras esparramadas, dos encontros e desencontros das suas personagens. E, no entanto, penso que os corpos e os seus detalhes servem apenas para nos transmitir uma ideia de nostalgia, de um mundo que já não é possível voltar a ter. É um mundo que não volta mais, mesmo que não haja qualquer exército soviético a invadir hoje a bela Praga e as consciências dos seus habitantes. Mesmo que a liberdade procurada nos corpos se mostre bem mais castradora do que a liberdade procurada nas emoções. Ou aquela sombra permanente de tristeza, pontuada por algumas situações mais radiosas. Todo o livro num tom agridoce, como a vida.
Em Milan Kundera vi uma extraordinária capacidade para nos falar do amor de uns pelos outros e da forma como nos tornamos dependentes uns dos outros; a descrição de personagens que preferem viver, apesar do terror, da opressão, da tortura, da morte e da humilhação que a invasão soviética acarretou. Mesmo que para isso tenham que limpar janelas para sobreviver. Surpreendente a forma como este livro combina opostos de luz e sombra: por um lado, a morte, o medo, a traição; por outro, amor, sexo, paixão, solidariedade e gentileza. Uma forma completa de fazer um elogio à vida. Uma maneira poderosa de enaltecer o ser, para além de qualquer leveza.
Há uma espécie de fuga, como se quase não tivesse importância: da Sabina para a Suiça, da Tereza e do Tomaz para o campo... Como se a opressão soviética nem tivesse muita importância num esquema muito leve da realidade. Eles - o importante - permanecem. A história continuará. No fim, já nem União Soviética resta, nem opressão. Nem Checoslováquia. Mas a bela Praga continua lá. O amor continua lá. Talvez seja essa a realidade, para além de todas as realidades da história: as pequenas histórias desaparecem; mas a alma das coisas e das pessoas não muda, ainda que mude a sua aparência exterior.
(Ai, esta vontade de viver a vida de forma leve, tão leve que se torna insustentável. E de como tal se prova impossível.)
1 comentário:
On : 7/25/2005 4:36:25 AM cachucho (www) said:
Milan Kundera é e será sempre o meu escritor de culto!
Sei tudo sobre os seus livros de trás para a frente :) e curiosamente reli o insustentavel leveza do ser nas minhas férias em Junho.
Não sei se já leste mais algum livro dele, mas aconselho-te a Valsa do Adeus e o fabuloso : "A imortalidade da alma".
Depois de os leres verás que nunca mais serás a mesma :)
bjks miuda
On : 7/25/2005 11:36:15 AM Hipatia (www) said:
Acho que li quase tudo dele, Cachucho. Mas tenho uma panca toda minha pelo "O Livro do Riso e do Esquecimento" e a forma como se misturam anjos e poetas e cartas antigas e esta vontade permanente de memória, nem que seja uma memória (ou uma história) reconstruída para colmatar lacunas ou lavar verdades
On : 7/25/2005 4:40:38 PM Zu (www) said:
Fiquei com saudades do livro. Só li dele a "Insustentável leveza", está na hora de ler mais.
On : 7/25/2005 4:56:33 PM Hipatia (www) said:
Daqui a nada tens tempo
On : 7/25/2005 7:00:46 PM Zu (www) said:
Pois, pois É o que vale!
On : 7/26/2005 7:32:42 AM Hipatia (www) said:
Claro que é
On : 10/14/2005 7:10:01 PM Hipatia (www) said:
Mais Vozes
Hoje olhei-me no espelho e constatei... Tenho rugas! A insustentável certeza das rugas à volta dos meus olhos. Mas sabes que mais Hip? São rugas sorridentes. Tracinhos repuxados para cima dos milhões e milhões de sorrisos. Creio que sobretudo dos sorrisos difíceis em horas que lutaram com o pranto, desafiando a lógica do peso da vida. São giras as minhas rugas!
bastet | Homepage | 07.25.05 - 4:54 pm | #
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"Rugas
Já começo a ter as primeiras rugas
Rugas de chorar
Rugas de sorrir
Rugas de cantar
Rugas de sentir"
Lembrei-me logo dos Humanos a cantarem Variações, Bastet
Eu também gosto das minhas rugas. E gosto de ver rugas nos outros. São os mapas das nossas vidas, sinais de que não passamos de forma demasiado leve pela vida, que soubemos fazer sulcos em nós e, se o fizermos bem, sulcos nas memórias dos outros, a única forma de concebo de verdadeira eternidade.
Hipatia | Homepage | 07.25.05 - 5:13 pm | #
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Deixa lá Hip que Agosto está à porta e com ele eu a tua porta para tratar dos sulcos na tua memória... enquanto te lembrares nem pensas em voltar a ver-me!
bastet | Homepage | 07.25.05 - 11:51 pm | #
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Falta saber se eu abro a porta
A que horas estás a pensar chegar?
Hipatia | Homepage | 07.25.05 - 11:55 pm | #
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Nãaaa agora que avisas vou de surpresa!
bastet | Homepage | 07.26.05 - 12:11 am | #
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Seja quem for que me bata à porta a um sábado de manhã, é corrido com um "lá vai água" daqueles à moda antiga. Ainda tens a certeza que me queres fazer surpresa?
Hipatia | Homepage | 07.26.05 - 12:16 am | #
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Tenho! É só ir preparada com um guarda chuva Mas olha não pode ser antes um lá vai vinho? Afinal não somos amigas? Hum?
bastet | Homepage | 07.26.05 - 11:45 am | #
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O meu grau de amizade aumenta com as horas de sono Vinho parece-me bem. Alentejano ou do Douro?
Hipatia | Homepage | 07.26.05 - 1:36 pm | #
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Venha tinto e do bom, quero lá saber da proveniência!
bastet | Homepage | 07.26.05 - 4:50 pm | #
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Eu por acaso, nessas coisas do vinho, sou um bocadinho esquisita
Hipatia | Homepage | 07.26.05 - 5:35 pm | #
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Eu também Hip, e não só no vinho Por isso eu disse tinto e do BOM... agora há bom vinho alentejano e bom vinho do Douro... é como outras coisas que são boas e não têm necessariamente de ter proveniência nacional.
bastet | Homepage | 07.26.05 - 10:49 pm | #
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Esse "primeiro fim de semana de Agosto" não é já o próximo, pois não? 30 e 31 de Julho e assim e mais umas coisas que tinha marcadas... por acaso dava jeito saber
Hipatia | Homepage | 07.27.05 - 2:04 pm | #
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