2007-01-13

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Ulla Lima González - Trompas de Falopio




Todas as palavras têm o seu contexto, mas algumas transmitem ideias que me deixam a pensar noutras coisas. Como estas, da Elipse. E questiono-me até que ponto seria legítimo, caso a despenalização da IVG (que espero) avance, propor para as mulheres que recorram sistematicamente à IVG uma laqueação de trompas… Ai está uma pergunta à qual votaria sim sem quaisquer reservas, mesmo que seja um cercear de direitos quando grande parte da minha luta pelo sim à despenalização da IVG tem exactamente um objectivo oposto: dar direitos, sem criminalizar.

17 comentários:

SMA disse...

Gostei desse ponto de vista principalmente da afirmação que encabeçalha o seu texto...

Ah, vou-lhe roubar, se me é permitido essa imagem...

Um abraço

Anónimo disse...

A primeira pessoa que ouvi/li a falar da laqueação das trompas foi o Asdrubal.
Desde aí que penso nisso e não sei ainda qual atitude tomar.
É complicado.
À 1ª vista diria que sou a favor.
Mas não pode uma mulher fazer 3 ou 4 abortos e depois querer ter um filho?
Parto sempre do princípio que o aborto é uma situação limite.
A experiência que tenho tido no acompanhamento de mulheres que vão praticar abortos tem sido sempre de situações limite em que alguma coisa correu mal nos métodos contraceptivos.
Acho complicado, para mim, tomar posição, pelo menos para já.

Elipse disse...

cercear direitos?

não penso que estejas em contradição com as tuas convicções: a cada um o direito de decidir o que quer fazer da sua vida, do seu corpo...

... ai, pois é... não se pode afirmar nada que não traga logo a seguir um rol de questões: uma anorética não está em condições de decidir o que quer fazer com o seu corpo.
que diabo... estamos encurralados neste pluralismo interpretativo que nos faz oscilar, em muitas circunstâncias.

labiríntica a questão que pões...

Maria Arvore disse...

Eu não subscreveria.
Talvez apenas aceitasse que essa fosse a pena aplicada aos pais e mães que maltratam e violentam os filhos e em alguns casos, a pais e mães toxicodependentes.
Também porque conheço demasiados casos de mulheres que depois de uns abortos ( no final da adolescência e na casa dos vinte anos)desejam mesmo ter filhos.
Porque mais facilmente subscreveria uma escola de pais que os ensinasse a ter uma participação activa na educação dos filhos e medidas legislativas que permitissem aos pais terem tempo para os filhos.

Ou seja, o que eu quero dizer é que se enquanto sociedade valorizamos as pessoas apenas enquanto unidades produtivas o que efectivamente cria uma mentalidade de desvalorização dos filhos e das pessoas e depois a penalizamos por isso, não estamos a construir uma sociedade mais humana mas uma engrenagem de peças.

Hipatia disse...

Bem-vinda, Presença.

A frase que tenho em epígrafe é de um texto da Elipse, de que recomendo a leitura.

Quanto à pintura da Ulla Lima González, nada melhor do que seguir o link por baixo da imagem e citar directamente a fonte :)

Quanto ao ponto de vista, nem sei bem se o é. É uma questão que me coloco e a quem me lê. Porque a despenalização, i.e. o fim da criminalização, precisa ser contextualizada depois. Não pode findar-se na pergunta do referendo.

Volte sempre :)

Hipatia disse...

Eu também parto do princípio que a IVG é uma situação limite. E, como todas as situações limite, têm de ser raras. Quando já não são raras, então há alguma coisa que está mal, não é?

Mas, sim, é uma questão complicada, especialmente quando me atrevo a tentar quantificar o número máximo, por exemplo.

Hipatia disse...

É uma pescadinha de rabo na boca, não é? Cada vez que tento encontrar uma qualquer resposta "razoável", deparo-me com mais questões. No limite, o fim da criminalização não pode ter como resultado a permissividade total. E isso parece-me evidente.

Hipatia disse...

Já uma vez escrevi aqui que a IVG não pode ser transformado no anticoncepcional das preguiçosas e das idiotas, Maria Árvore. Os anticoncepcionais, mesmo os mais falíveis, não falham assim tantas vezes, excepto para quem ainda ache que o coito interrompido ou que tais é um anticoncepcional. E, se não admito que uma mulher seja considerada criminosa à conta da IGV, muito menos que uma lei exista para não ser cumprida, também não me parece saudável que, de um momento para o outro, algo que deveria ser um acto extremo, seja transformado num hábito como qualquer consulta anual ao ginecologista. Só me é difícil quantificar o número máximo. Mas que ele exista não me assusta. A recorrência assusta-me bem mais, ou a leveza e ligeireza de uma situação extrema. Claro que seria sempre preciso ter em atenção factores como a idade e até o contexto sócio-económico e de literacia da mulher. Mas tem de haver um ponto em que todos nós – os que pedem a despenalização – também digam basta.

Anónimo disse...

Eu não subscreveria por uma razão: há uma outra medida que é transitória e que não incapacita definitivamente a mulher de ter filhos. E essa sim, deveria ser imposta a mulheres que recorrem mais que uma vez à IVG: a injecção contraceptiva, que tem uma validade de 3 meses, ou o implante contraceptivo (subcutâneo), com uma validade de 3 anos e que pode ser retirado caso a mulher pretenda engravidar.

Ainda assim, e como quero crer que o recurso à IVG é uma solução limite, que importa reflexão e responsabilidade a quem a toma, penso que qualquer mulher que recorra, mesmo pela primeira vez, a uma IVG, deveria ser encaminhada parea consultas de planeamento familiar e, caso faltasse às mesmas, ser sancionada pagando parte do preço da intervenção.

Caso a mulher recorrese mais vezes à IVG, fazendo suspeitar que a usasse como método contraceptivo, injecção ou implante com ela, sob pena de ser recusada qualquer outra intervenção. Já não havia desculpas que "a pílula engorda", e que "o preservativo atrapalha". Estava "imunizada" e pronto.

A laqueação, penso eu, só deve ser usada em situações limite, como nos casos de mulheres portadoras de deficiência mental grave em idade fértil, sem capacidade de autodeterminação e, consequentemente, de assumir a responsabilidade de criar um filho. Não é eugenia, ao contrário do que muitos médicos, alguns com assento no conselho de bioética, entendem. Trata-se apenas de proteger a própria mulher e um hipotético filho.
Mas este é um assunto que também dava pano para mangas... é que o tal conselho de bioética é muito renitente em aprovar a laqueação nesses casos, quando a mulher tem menos de 35 anos.
Radica tudo num mesmo problema, que é o de achar que todas têm um direito de ter filhos. Eu tento pensar na situação ao contrário: as crianças é que têm direito a nascer com todas as condições para terem uma vida feliz e estruturada...

E daí ser uma "sim" feroz. Acredito na responsabilidade, e na capacidade de uma mulher tomar a decisão mais adequada.

vanus disse...

Este assunto tem uma certa “graça”, porque lembro-me bem de que aqui há tempos, especialmente no referendo anterior (agora também já o li em alguns lados), havia muitas mulheres pelo sim que garantiam que não havia mulher alguma que não lhe custasse fazer um aborto, que tal acto era sempre uma coisa dolorosa e marcante.

Ora, claro que há, sempre houve, conheci algumas em que o faziam na boa, tal como há pais que violam espancam e matam filhos, como há homens que maltratam mulheres e vice-versa, como há assassinos e criminosos em barda, sem qualquer escrúpulo ou questão moral. Sempre houve e sempre continuará a haver.

Para mim, em última instância a questão do abordo prende-se com a liberdade sobre o nosso corpo, que realmente é a única coisa que é nossa, é o princípio de toda a construção do ser, da sociedade, e se alguém legisla sobre o que podes ou não fazer com ele (e não estou ausente da consciência de neste caso existirem outras vidas em jogo), qualquer dia, pela mesma razão que há sempre quem não saiba lidar com a sua liberdade, começas a não poder fazer coisas que nos parecem tão absurdas como furar as orelhas, a não poder ter um filho de quem queiras ou até a não poderes usar o cabelo assim ou assado, não interessa.

Sabes que há estudos, muito bem pagos em alguns países em termos de psicologia de comportamento, para se poder prever quais serão as mulheres que têm tendência para ser “más” mães, ou que traços existem em comum nas mulheres que são “más” mães, a fim de se poder “evitar” a tempo que o sejam?

Sabes bem que uma das coisas que levou ao Nazismo foi a questão estética. E se de repente alguém decide que não pode haver deficientes, pessoas feias ou estropiadas? Parece absurdo não é?

Mas isso da laqueação das trompas é o princípio destes mesmos caminhos; como é difícil garantir o uso “razoável” da liberdade que te concedem, e como cada vez somos mais, e cada vez há menos mecanismos sociais que nos permitam lidar ou suportar as situações não desejadas; a legislação sobre o corpo é um dos caminhos mais fáceis para se poder conter determinados problemas.

Eu sou absolutamente contra tudo aquilo que nos impeça de fazer com o nosso corpo aquilo que queremos, quer seja abortar, quer seja o consumo de drogas, a auto-mutilação, o suicídio, o que seja. E não é que não fique puta da vida com o que se passa ao meu lado, com as vidas que se perdem, com a falta de respeito, com o abuso da liberdade e com todas as consequências que daí vêm para quem está à volta.

Mas ao legislar-se sobre o corpo, ao tomar uma regra única igual para todos, pois a lei não vai ter excepções para todos (diz-me: aquela fez cinco abortos tudo bem, a outra fez seis laqueia-se as trompas?), a sociedade em vez de estar a apostar na educação, nas consciências e nas liberdades, está precisamente a apostar na força, na coerção, na imposição.

Tenho uma amiga que não pode usar preservativos, não pode tomar a pílula, não pode usar nenhum método contraceptivo. Sempre teve que recorrer ao coito interrompido, perdeu muitos namorados por isso, foi sempre muito infeliz, fez alguns abortos também, não sei quantos mas fez. Hoje, tem 4 filhos e é uma óptima mãe, aliás sempre o quis ser. Laqueou as trompas há uns anos por vontade própria e hoje como ela diz “já pode foder até ao fim”. Teria sido uma tremenda injustiça se essa possível lei lhe fosse aplicada, especialmente quando há megeras de todo o tamanho como mães que nunca abortaram.

Não somos todos iguais, mas a lei é para ser aplicada a todos, certo? Por isso, nunca se deve abdicar de alguns princípios; o corpo pertence-nos e sobre ele devemos ter a liberdade de fazer o que quisermos.

Hipatia disse...

Sabes, I., acho que, infelizmente, vivemos numa sociedade onde o medo da sanção tem um impacto muito maior do que qualquer decisão ponderada. É como com as multas por infracção ao código da estrada: o medo da prisão fez, de facto, com que houvesse uma alteração de comportamentos. Gostaria de acreditar que a injecção ou o implante (que nem sequer são comparticipados, sabias?) fossem alternativa. Mas não sei se o seriam de facto. O medo, esse sim, tem efeito dissuador. E, se o medo da pena de prisão actualmente consagrado na lei não tem nem nunca teve efeitos, é porque há alturas em que se justifica correr o risco. Até porque é tudo feito em segredo e sem controlo. Mas se formos a ver bem, poucas são as mulheres que recorrem sistematicamente ao aborto: a violência é tal que são casos extremos. Só que também há as outras, que o fazem como quem bebe um copo de água, porque é mais fácil do que tomar uma pastilha todos os dias ou porque acham que o preservativo incomoda. A questão aqui é que seria tudo feito sob controlo, em lugar da rebaldaria actual do vão de escada. E isso faria toda a diferença, até para concluirmos no fim que cada caso é um caso e descobrirmos onde falhou o acompanhamento e o planeamento familiar.

Hipatia disse...

A ti não tenho tempo para responder agora, Vanus. Até porque quero ir ler esses links. E, sabes, o estranho é que estou para aqui a defender uma coisa e depois a ler-te e até concordo contigo. Claro que o direito devia ser à liberdade total e absoluta. Mas há sempre quem abuse dessa liberdade. E, em sociedade, é à lei que cabe evitar os abusos. A única coisa que sei, que me parece óbvia, é que, de alguma forma, tem de haver um limite. Não sei como... isso não sei. Mas será qualquer coisa na velha lógica de a liberdade de uns acabar onde começa a dos outros. Dentro de um quadro legislativo que, ao despenalizar, permitisse analisar, quantificar, acompanhar, ver cada casa como uma experiência pessoal, com os seus fundamentos e motivos, porque não um limite fora do absurdo do "é crime e pronto"? Vou seguir esses teus links e depois volto cá.

Maria Arvore disse...

Julgo que se for permitido o IVG no SNS , o mesmo deverá ser acompanhado logo no 1º, ou seja, deve-se a partir daí informar a pessoa regularmente em consultas de planeamento familiar.
As penalizações aos excessos têm de ser analisadas caso a caso, porque até me estou a lembrar de imensos filhos do DIU. E todos os casos que referes de ignorância, iliteracia e meio sócio-económico. Ou seja, julgo que a legislação deve ser flexível para permitir que a decisão seja clínica, de acordo com cada pessoa.

Hipatia disse...

Afinal, acho que já te respondi, Vanus :) E, sabes, não tenho certeza nenhuma. Na verdade, cada vez que tento encontrar uma qualquer posição consensual, esbarro numa série de dúvidas. Só sei que não pode continuar esta anedota de lei, que criminaliza sem criminalizar, condena sem condenar, faz pasto para anedotas do que deve ser a lei. E eu, até por deformação formativa, não consigo pensar na lei, qualquer lei, como anedota. Muito menos se servir apenas para que a moral de alguns se tente impor à moral de todos. Mas não acabo eu a fazer o mesmo?

Hipatia disse...

Não questiono isso, Maria Árvore. Aliás, acho que é a única coisa que não questiono: uma análise cuidada, casuística, sem medos de assumir o tal do "crime" e, assim sendo, a única forma que vejo para que as mães tenham filhos quando e como quiserem, quando se sentirem preparadas, quando os desejarem e, consequentemente, forem capazes de os amar plenamente.

Mas, a haver a vitória do Sim no próximo dia 11, muita coisa dependerá do texto da nova lei. E não sei...

Hipatia disse...

(Estão-me a aparecer uns links marados no meio das vossas respostas. Também os vêem? É que começo a achar que tenho o bicho com bicho...)

Anónimo disse...

Mais Vozes

Li o texto da Elipse e concordo com ele, tirando os três últimos parágrafos - exactamente a parte que referes. Porque associa, de forma leviana, essa atitude a um post do Amorizade que só treslido poderia dar origem a tal associação de ideias.
cap | 01.15.07 - 2:29 pm | #

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Navegamos num mar de cinzentos, é o que é. Eu não tenho respostas; só dúvidas. Mas crime? Crime não!
Hipatia | Homepage | 01.15.07 - 9:00 pm | #