2007-02-28

Excessos



Apanhei ontem nas notícias, já nem sei bem em que canal que me vai faltando a paciência para ver de fio a pavio a "informação" tal como a entendem as televisões generalistas, a história de uma família que corre o risco de perder a guarda do filho de oito anos que, habituado desde a nascença a empanturrar-se apenas de merdas calóricas, já pesa quase cem quilos. E penso como somos uma sociedade de absurdos, farta em abundância e parca em bom-senso: de um lado, gordos cada vez mais gordos; do outro, gente que não se importa em matar-se para manter um índice de massa corporal minúsculo. E já nem falo dos países em que crianças passeiam enormes barrigas insufladas pela fome. Falo da sociedade que tudo tem ao seu dispor, menos juízo.

11 comentários:

I. disse...

Vivemos mesmo numa sociedade de abundância da falta de senso... caneco, que situação mais absurda! Como é que alguém deixa uma criança de 8 anos chegar aos 99 quilos de peso é algo que escapa à minha compreensão. Se o miúdo não tem qualquer problema glandular ou outro que o determine à obesidade, como é que chegou a isto?
Não tenho opinião formada, mas parece que é um mal trato e uma atroz negligência deixar um filho enfardar a este ponto...
Caraças, perdi a fome para o lanche ;P

Senador disse...

Essa mãe confundiu-se no seu papel, julgou que em vez de ter um filho em casa para criar tinha um bacorito para engordar... Peço desculpa pela ironia mas não há nenhum cometário sério que se possa fazer sem culpar inequivocamente a mãe.

cereja disse...

Pelas fotos que vi (não vi a TV) fiquei com a ideia de que a mãe também era para o anafado, pelo que o modelo que o miúdo tem é esse, de gente que come sem parar e decerto as tais «merdas calóricas». O complicado é que 'células de gordura' formam-se nos primeiros anos, e quem foi habituado a comer mal em pequenino fica com essa tendência que muito dificilmente ultrapassa. Aparentemente neste caso juntou-se muita coisa - pais também obesos pelo que o filho 'herdou' essa característica, tendência a considerar natural o empanturramento, e decerto que tolerância perante as birras da criança que preferia guloseimas.
Eu conheço casos (não tão graves, mas lá chegarão...) semelhantes. Avós que enfiam na boca de netos de um ano, 4 danoninhos ao lanche, e acham que é muito bom porque eles ficam mais 'fortes'... A nossa alimentação é hipercalórica e hiperproteica e com a maior inocência, para bem do menino...

Hipatia disse...

A mãe dizia na reportagem que o filho já nasceu faminto. Isso pode querer dizer que há parte da história que a notícia omite. Na verdade, ficamos aparvalhados perante o absurdo do caso concreto e esquecemos que pode ser sintoma de uma realidade problemática: a nossa sociedade da abundância deixou de saber comer. Isso parece-me evidente. E temos em oposição padrões de beleza escanzelados, quando a norma é o excesso de peso, da mesma maneira que há uns séculos atrás, quando a norma eram os esfaimados, os pintores retratavam madonas roliças. A gordura não é formosura. E é demasiado perigosa para não ser levada a sério. Mas, no extremo oposto, ver modelos a morrerem esfaimadas porque a moda lhes diz que assim é que são bonitas também não me parece nada saudável. Dai que tenha chamado ao post "excessos": vai de um lado ao outro e parecem-me ser as duas faces de uma mesma moeda de desordens alimentares e desequilíbrios profundos que só fazem sentido numa sociedade que tem demais.

Hipatia disse...

Mas saberá esta mãe melhor, Senador? Ou, dito de outra forma, não há por ai demasiadas mães (e pais, avós, tios, responsáveis pelas cantinas escolares…) que há muito praticam uma alimentação desequilibrada e depois a passam para as gerações futuras? E que parte destes desequilíbrios não ficarão codificados nos genes? E, havendo pelo meio um sector económico tão poderoso como o alimentar, que combinações de aditivos não estarão a ser usados para criar dependências, como se provou acontecer por exemplo com os cigarros e, bem antes disso, com a cocaína a ser usada na coca-cola para dar sabor?

A verdade é que a notícia é sensacionalista e o alvo óbvio é a mãe. Mas a mim parece-me que há por trás muito mais história para contar…

Hipatia disse...

Sem dúvida, Emiéle. É uma alimentação sobretudo desequilibrada e, muitas vezes, fácil e prática, porque a oferta entra pelos olhos dentro dos miúdos, os produtos são desenhados para estarem ao gosto guloso das papilas gustativas e dá muito menos trabalho enfiar uma coisa dessas pela goela abaixo do fedelho – principalmente se ainda por cima trouxer um qualquer brinde acoplado – do que continuar a aturar as birras. E os pais que tentam educar e moderar a alimentação dos filhos são bombardeados com publicidades agressivas e um deixa andar generalizado. O Príncipe Carlos propôs que se proibisse o MacDonald’s. Obviamente que é um bocadinho extremo mas, se queres saber, daqui a uns anos nem me admiraria nada que acontecesse: uma espécie de legislação preventiva, como a que se vai implementando pela Europa fora contra os cigarros. E, no entanto, caiu toda a gente em cima do Príncipe. É que não interessa para já: o sector alimentar é demasiado poderoso, as empresas de fast-food são demasiado importantes e ainda não se vêem a fundo as consequências desta geração de obesos que se está a fabricar.

Senador disse...

Hipatia, eu apenas me referi à mãe porque na notícia que li ela era a única visada não tendo por isso referido outros possíveis responsáveis, por ex. o pai. A notícia peca por excesso de sensacionalismo e por defeito de informação... só sabemos que o miúdo é obeso e mãe o alimenta em demasia. Não se fala de problemas clínicos que a criança possa ter que estejam na origem da obesidade, nem de tentativas que tenham sido feitas para solucionar o caso.
Relativamente à questão da mais do que provável manipulação que hoje sofremos pela indústria alimentar, concordo que aí reside grande parte do problema da obesidade ocidental.
No entanto, está nas nossas mãos tentar contrariar o estado das coisas fazendo opções que sejam melhores para a nossa vida e bem estar. Pelo contrário se perante um comportamento ou situação anormal ficarmos de braços cruzados somos os principais responsáveis pelas consequências daí advenientes.

Anónimo disse...

Numa sociedade avançada como é a inglesa, penso que esta criança deveria ser tirada de casa dos pais.
Não me batam já.
A segurança social e as instituições de saúde inglesas já devem ter avisado os pais que deveriam fazer dieta ao seuu filho.
O facto de a mãe dizer que ele vai ao frigorífico comer de tudo, é só uma questão de lá ter dent4o o que é saudável: iogurtes magros, fruta etc.
O que, todos os pais, têm de se compenetrar é que este tipo de alimentação que provoca diabetes e que quase o não deixa mexer, é um ATENTADO à saúde do filho.
Isto é MALTRATAR.

Hipatia disse...

Senador, não te estava a "acusar" por só teres referido a mãe; estava antes a estender a responsabilidade a outros. E, sim, há ali sensacionalismo gratuito, mas, como quase sempre, também há um fundo de verdade que nos obriga a pensar.

Hipatia disse...

Sabes, Marta, eu acho que a questão passa para bem além da simples questão familiar. É óbvio que aquela mãe, enquanto tutora legal de um menor e a acreditar no que é dito na notícia, não zelou de forma bastante pela criança. Mas também não me parece que retirar agora a criança à mãe vá resolver muita coisa, até porque a mãe também tem ar de precisar de aprender a comer. Ou seja, ali temos apenas o fim do problema e não o seu início e qualquer solução apressada, ainda que relativamente fácil, não vai resolver de vez nenhuma das causas que estão a fazer da sociedade ocidental uma sociedade de obesos e doentes.

Anónimo disse...

Mais Vozes

este caso dá"tudo"em que pensar.... desde o peso da criança à possibilidade de esta ser retirada ao seu seio familiar por esse motivo.... acho que devia dar-se algum tipo de acompanhamento à família para que essa criança possa crescer saudável, junto da sua mãe.....
fábula | Homepage | 02.28.07 - 6:41 pm | #

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Parece que a família falta sistematicamente a consultas que lhe marcam. Mas é sem dúvida um assunto que nos faz pensar: afinal, até onde podemos ir na definição de maus-tratos? Uma criança destas está sujeita a morrer antes dos trinta e com doenças não particularmente agradáveis, como a diabetes. Tendo oito anos, deveria haver alguém com juízo suficiente por perto para tentar prevenir essa possibilidade. Será aquela mãe competente para o fazer? Mas também não sabemos a história completa... pode haver ali bem mais do que a notícia (sensacionalista q.b.) não diz.
Hipatia | Homepage | 03.01.07 - 12:11 am | #

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a "definição de maus-tratos" é, a meu ver, das questões mais pertinentes em todo este imbróglio... ser-se negligente para com a saúde, física e psicológica de um filho, É uma forma de maus tratos. mas apurar a verdade também me parece importante...
fábula | Homepage | 03.01.07 - 12:29 pm | #

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Estas ai uma bola de neve ...
o ponto de partida para a alimentação é a amamentação ....
e esta agora na moda de se tirar os filhos as mães ; só falta mesmo começarem as inspecções periódicas as nossas casas ....
ela anda a partir pedra e eu n | Homepage | 03.01.07 - 3:06 pm | #

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Sim, Fábula, quanto a isso não me resta qualquer dúvida: maus tratos são bem mais do que dores físicas ou mentais. A negligência assume muitas outras formas. No extremo, até o excesso de amor pode ser pernicioso. Mas o que me parece complicado é sabermos até onde podemos ir sem resvalar para respostas simplistas.
Hipatia | Homepage | 03.02.07 - 1:48 pm | #

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Pois, Claire. Com tanta notícia assim, daqui a nada estamos todos a ser polícias de todos, coisa que aliás sempre aconteceu em qualquer sociedade, mas antes não virava parangona.
Hipatia | Homepage | 03.02.07 - 2:01 pm | #