2008-03-31

Cheio

Mas na janela o ângulo intacto duma espera
Resolve em si o dia liso.


Sophia de Mello Breyner Andresen - Final


Se me pedisses para descrever o silêncio hoje não saberia como o pintar. É que ele anda quase sempre de branco, opressivo e enganador, comendo-me os recantos das sombras e da intimidade. Ou então de luto cerrado quando me perco de mim. E noutros dias tem ainda a cor das insónias, raiando o espaço de cornucópias e clarões de luz difusa.

Mas às vezes o silêncio tem também um certo odor a paz, a calma, a desenlace. E porque só aparece assim em momentos tão contados, nunca cheguei a saber como o pintar. Por isso, não o pinto. Deixo-o tingir-se das cores que quer e dos cheiros que precisa. E deixo-o apenas ficar. Ficar comigo, de mansinho.

Gosto deste silêncio de fartura, preenche-me. Vem depois de abraços, de saudades, de beijos e de partilhas. Vem e fica, por instantes. E só não lhe sei a cor.

Mas vou dar-lhe um cheiro. E talvez pelo nariz consiga voltar a farejar este silêncio quando ele, insidiosamente, de surpresa, resolver voltar a abordar-me como um qualquer silêncio descolorido, mas com aroma a casa e a prazer.

2 comentários:

Anónimo disse...

Que bom o cheiro desse silêncio de ninho...!

Hipatia disse...

É sim senhora :))