Ao ler isto lembrei-me que as discotecas costumavam abrir ao som de Should I Stay Or Should I Go mas que, pouco depois, começava uma verdadeira maratona de slows. Era nessa altura que se via quem eram as miúdas concorridas, cheias de pretendentes; e viam-se também todas as outras, à espera que alguém se lembrasse delas. Eu, que por essa altura tinha uma auto-estima de cão, fazia de conta que não me importava, dizia que não sabia dançar, aproveitava para ver como faziam os outros e nem dava conta de mais nada. Quando pensamos que não valemos muito, nem supomos que nos olhem com mais do que comiseração, não é?
Hoje, passados muitos anos e após estranhas conversas (ou nem por isso) com os homens de agora, rapazolas então, sei que muitos tinham receio de se abeirar de mim, da mesma forma que eu tinha medo de me chegar a eles. Estava a ser penoso aquele início da adolescência: os velhos tempos da maria-rapaz com lugar cativo nos jogos de futebol e palmadas nas costas tinham passado ao mesmo tempo que as mamas cresciam. E eu já não sabia onde era o meu lugar.
Aliás, eu nem sabia direito o que fazer comigo, quanto mais compreender aqueles outros que há bem pouco tempo eram os meus melhores amigos e que agora escapavam a qualquer tentativa de entendimento. E também não pertencia ao grupo das miúdas muito pretendidas ou ao grupo das meninas boazinhas, lindinhas, bem arranjadinhas, que gostavam muito do Simon Le Bon e tinham imensos auto-colantes dos Duran Duran em tudo quanto era sítio e imensos folhos e dourados em todas as peças de roupa. Eu tinha crescido com rapazes, não tinha uma única saia, sabia falar de futebol, gostava antes dos The Clash ou dos The Mission e não tinha auto-colantes de ninguém. Não sabia ser feminina; não sabia dançar aquelas coisas; sabia menos ainda quando descortinar nos olhares que me deitavam do outro lado da sala escura mais do que indiferença ou, pior ainda, repulsa.
Mas houve um dia em que foi diferente. Não sei quantos anos tinha, que esses anos aparecem-me hoje bastante embrulhados na memória, excepto por uns quantos momentos excepcionais que não há forma de se deixarem embrulhar. E, nesse dia diferente, o Rui dos olhos azuis-fosfato (nunca mais vi uns olhos assim!) veio lá do outro lado, como se não houvesse lado algum, e levou-me pela mão para o meio da sala. Tocava o Save a Prayer dos tais dos Duran Duran que eu me recusava a gostar. E foi com essa prece que dancei um slow que não esqueço e, depois, num dos cantos mais obscuros, aprendi que também eu tinha artes de mulher, enquanto a língua do Rui desbravava os caminhos do meu primeiro beijo sem que houvesse um jogo do poço à mistura.
Talvez também tivesse para ai uns treze anos, mas acho que deviam ser mais. Não muitos, mas treze parece-me demasiado cedo. E talvez também houvesse outras músicas e, quase de certeza, terei dançado de outras vezes. Às tantas, talvez tenha até dançado antes de haver Rui. Mas, depois daquele dia, eu estava diferente e tinha para guardar um dos tais momentos excepcionais que a memória, por mais que embrulhe e esfume tudo, se recusa a fazer desaparecer.
Hoje, passados muitos anos e após estranhas conversas (ou nem por isso) com os homens de agora, rapazolas então, sei que muitos tinham receio de se abeirar de mim, da mesma forma que eu tinha medo de me chegar a eles. Estava a ser penoso aquele início da adolescência: os velhos tempos da maria-rapaz com lugar cativo nos jogos de futebol e palmadas nas costas tinham passado ao mesmo tempo que as mamas cresciam. E eu já não sabia onde era o meu lugar.
Aliás, eu nem sabia direito o que fazer comigo, quanto mais compreender aqueles outros que há bem pouco tempo eram os meus melhores amigos e que agora escapavam a qualquer tentativa de entendimento. E também não pertencia ao grupo das miúdas muito pretendidas ou ao grupo das meninas boazinhas, lindinhas, bem arranjadinhas, que gostavam muito do Simon Le Bon e tinham imensos auto-colantes dos Duran Duran em tudo quanto era sítio e imensos folhos e dourados em todas as peças de roupa. Eu tinha crescido com rapazes, não tinha uma única saia, sabia falar de futebol, gostava antes dos The Clash ou dos The Mission e não tinha auto-colantes de ninguém. Não sabia ser feminina; não sabia dançar aquelas coisas; sabia menos ainda quando descortinar nos olhares que me deitavam do outro lado da sala escura mais do que indiferença ou, pior ainda, repulsa.
Mas houve um dia em que foi diferente. Não sei quantos anos tinha, que esses anos aparecem-me hoje bastante embrulhados na memória, excepto por uns quantos momentos excepcionais que não há forma de se deixarem embrulhar. E, nesse dia diferente, o Rui dos olhos azuis-fosfato (nunca mais vi uns olhos assim!) veio lá do outro lado, como se não houvesse lado algum, e levou-me pela mão para o meio da sala. Tocava o Save a Prayer dos tais dos Duran Duran que eu me recusava a gostar. E foi com essa prece que dancei um slow que não esqueço e, depois, num dos cantos mais obscuros, aprendi que também eu tinha artes de mulher, enquanto a língua do Rui desbravava os caminhos do meu primeiro beijo sem que houvesse um jogo do poço à mistura.
Talvez também tivesse para ai uns treze anos, mas acho que deviam ser mais. Não muitos, mas treze parece-me demasiado cedo. E talvez também houvesse outras músicas e, quase de certeza, terei dançado de outras vezes. Às tantas, talvez tenha até dançado antes de haver Rui. Mas, depois daquele dia, eu estava diferente e tinha para guardar um dos tais momentos excepcionais que a memória, por mais que embrulhe e esfume tudo, se recusa a fazer desaparecer.
7 comentários:
Por agora, fico-me pelo Save a Prayer (em versão intermitente!) e pela leitura diagonal do teu texto. Amanhã, com mais tempo e menos sono, voltarei para o ler com a merecida atenção! Boa noite. :)
P.S. - Há discotecas que ainda passam o Should I Stay or Should I Go!
Versão intermitente? O sono faz isso?
E, sim, sei que tocam. Mas agora também somos a geração que está na moda: toca tudo e volta a ser moda tudo o que nos cativava na adolescência ;-)
Este momento de ternura leva-me a reflectir que a música associada é irrelevante porque guardamos no disco rígido é a primeira memória de nos sentirmos mulheres... e gostarmos. :)))
(Por acaso para mim é o Time dos Pink Floyd numa festa de garagem com... um loiro - só podia- de nome Túlio ;)
Bem, o Rui da história não era exactamente moreno ;-)
E, sim, com o passar dos anos, embrulhamos uma série de recordações, de forma que até nos é difícil saber qual era a música que tocava exactamente. Mas depois há uma mão cheia de momentos de que nos lembramos plenamente, saberíamos até descrever odores e pequenos roçares de pele. E esses valem a pena :))
Os meus primeiros slows e idas a discotecas (matinés :D) foram aos 15, mas não tenho nenhum especialmente memorável :(
Mas houve muitos, e bastante agradáveis, com um namorado dos 15 - loiro! mas andámos todas ao mesmo? - ao som de purple rain e salisbury hill e outras que tal. Uh, uh ;)
Obviamente que eram as matinés, I :))) À noite só podia sair com os meus primos, que foram sempre verdadeiro cães de caça em relação a qualquer gajo que se chegasse a mim. Seria impossível dar a mão, quanto mais tentar o beijo :D
Porra pariga isso deve ser uma praga ou uma alma penada que atormenta o universo masculino.
Aqui por estas bandas existe alguém que volta na volta gosta de me atazanar o miolo com um filha xx xxxx de um rui que já deve de ter os olhos gastos de tanto serem esfregados.
Felizmente que os DD não entram na historia
Gostei de ler a tua historia
frogas | | 09.24.08 - 10:36 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
LOL
Não tenho culpa e acho que o Rui não era o mesmo
Hipatia | | Email | Homepage | 09.24.08 - 10:43 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
Se assim fosse passava a acreditar no diabo . Um rui do porto a atazanar um ribatejano que se está nas tintas para a festa brava é coisinha para me por de joelhos daqui até fatima
frogas | | 09.24.08 - 10:50 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
eheheh
Pois, este de facto era um "gajo do norte"
Hipatia | | Email | Homepage | 09.24.08 - 10:55 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
No liceu um dos meus melhores amigos era um sacana chamado Rui, que por acaso era ai dos teus lados .tinha uma casa numa aldeia chamado Melros Melres ou coisa parecida , bebi uns canequinhos muito bons ainda em menino nessa bendita casa junto ao douro ( já não o vejo à 500000anos)
Penso que o sacana tinha uma avó tia ou coisa do género no porto mesmo em frente ao palácio de cristal ( isto se a memoria não me falha)
Não te ponhas já com ideias que o gajo na tinha olhos azuis nem usava lentes de contacto
frogas | | 09.24.08 - 11:15 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
Melres é uma das freguesias do concelho de Gondomar. Acho que já não deve ser aldeia, lol. Parece que o Valentim Loureiro passou tudo ou a vila ou a cidade
E não estava a ficar com ideias. Sei onde anda e por onde andou sempre o Rui da minha história. Não desceu às lezírias Está longe à mesma, ainda assim, lá para os lados dos antípodas. Já te esqueceste que eu sou aquele cromo estranho que fica amiga de todos os ex?
Hipatia | | Email | Homepage | 09.24.08 - 11:22 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
Só estranho seres azul ou preto e branco , com um feitio desses ficava-te bem era o verde
frogas | | 09.24.08 - 11:49 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
O verde só nos olhos, Frogas, e foi porque não tive voto na matéria
Hipatia | | Email | Homepage | 09.25.08 - 6:30 pm | #
--------------------------------------------------------------------------------
Bem isto tinha de acabar em empate segundo dizem também os tenho dessa cor . dizem porque eu continuo a achar que são castanhos
frogas | | 09.26.08 - 4:33 am | #
--------------------------------------------------------------------------------
Os meus não se confundem com o castanho. Mas não me importava de os ter, especialmente se munibos de um farfalhudo par de pestanas
Hipatia | | Email | Homepage | 09.28.08 - 1:56 pm | #
Enviar um comentário