2008-11-25

Dia internacional da eliminação da violência contra a mulher



Diariamente são mortas mulheres em vários Países. Morrem por questões que se prendem com conceitos arcaicos de honra, porque não tiveram filhos, porque são consideradas objectos, para lhes ficarem com o dote, porque ousaram um qualquer indício de revolta, porque o dia correu mal ao cabrão com quem decidiram partilhar a vida. Milhares de mortes silenciosas, que todos sabem que existem e ninguém faz nada para evitar.

Em Portugal, país supostamente evoluído da tal Europa Ocidental que desenhou a carta dos direitos humanos, os crimes que se acolitam no regaço dos lares são considerados públicos. Isto quer essencialmente dizer que podem ser denunciados por qualquer um que presencie a violência ou, mesmo não a presenciando, tenha conhecimento da mesma, nomeadamente pelos traumatismos mais ou menos disfarçados dos corpos torturados ou pelas reacções disfuncionais, ainda que demasiadas vezes camufladas, que as vítimas apresentam.

É-me profundamente difícil lidar com a necessidade de um dia para dizer que não deveriam ser necessários dias assim. Qualquer meu conceito de igualdade esbarra nessa necessidade de discriminação positiva. E, no entanto, tal como em cada 8 de Março, cá estou hoje a escrever sobre o assunto. Com a noção que, para além das parangonas e dos abaixo assinado e das notícias que amanhã já não valerão nada, em Portugal morrem mulheres a um ritmo alucinante, enquanto outras se escondem aterrorizadas, estrangeiras na própria vida, náufragas de direitos, exiladas e párias na sociedade que continua a fechar os olhos.

10 comentários:

Alien David Sousa disse...

H.
O mais grave é sem dúvida o facto de a maior parte das mulheres que são abusadas não participarem à policia a violação de que foram alvo. Por medo, claro. Enquando a barreira do medo não for derrubada, milhares de mulheres vão continuar a ser abusadas fisicamente porque o agressor se sente protegido pelo seu silêncio. Uma campanha bem construida deveria de ser feita para que as mulheres quebrem o silêncio.
O seu maior inimigo é o silêncio.

Saudações alienígenas

I. disse...

E este ano já vão 37...

(há dias em que me apetecia era mandá-los capar como porcos. juro. e às mãezinhas deles, que os educaram assim, era açoitá-las no pelourinho. e às/os que calam e consentem, idem.)

Anónimo disse...

:(


cg

Hipatia disse...

Alien, é bem mais complicado do que quebrar o silêncio do lado da mulher. Pensa, por exemplo, numa mulher muçulmana de um dos países fundamentalistas. Achas mesmo que pode abrir a boca? Para quê? Ser lapidada em praça pública? E agora pensa até em mulheres em Portugal, obrigadas a aguentarem para que não aguentem os filhos, privadas do acesso ao dinheiro, sem direitos sobre a casa, afastadas gradualmente de familiares e amigos, aterrorizadas até ao tutano. E as tantas que escaparam e se encontram escondidas nos centros de acolhimento, longe dos filhos e restante família, sem poderem qualquer contacto que as transforme em mais uma das vítimas mortais. Quebrar o silêncio que as rodeia, o tanto que olhamos para o lado, a tradicional mania de entre marido e mulher não meter a colher parece-me bem mais urgente.

Hipatia disse...

Sempre disse que, se algum me levantasse a mão, eu haveria de o apanhar a dormir. E, sim, não matava, mas havia de lhe pôr uma marca onde doesse mais. Uma mutilaçãozita, não integral, haveria de ter piada, mais piada ainda quando a tivesse que explicar nas urgências do hospital. Agora, sabemos bem que é muito mais complicado do que isto e que algumas mulheres estão sem escape; algumas nem chegamos sequer a perceber, em relações aparentemente doentias de que não se conseguem livrar. Depois, há um crescendo nestas coisas, uma vez que se tolera, a outra em que pedem desculpas, mais umas semanitas de paraíso e, no fim, estão a comer como camelas e sujeitas a não verem o sol no dia seguinte.

Hipatia disse...

É mesmo uma tristeza, Carlos :(

I. disse...

Na minha vizinhança, às vezes erguem-se uns gritos, e eu fico muito calada, de ouvido atento, a ver o que é. De uma pareceu-me ser uma discussão feia e nada mais (ele berrava, mas ela berrava zangada, e não de dor ou de susto).
Mas uma vez, vínhamos me and me mate pela rua, hora de jantar, e ouvimos uma gritaria que não deixava muitas dúvidas. O home ficou maluco, que ía ligar à polícia e o camandro. E eu de nariz no ar, a ver se percebia de onde vinham os gritos. Parou a gritaria, e não conseguímos perceber de onde vinha. Nem um vizinho à janela, nenhuma luz acesa e que deixasse perceber. Demos uma volta por ali e nada. Acabámos por desistir, que não íamos chamar a polícia sem saber onde, né. Mas fica a remoer cá por dentro, pensar que alguém podia estar a levar uma senhora sova e nós ali, sem poder ajudar. Muito complicado. Muito.

Hipatia disse...

Já uma vez aqui contei que convivi de perto com um casal onde a violência imperava. Para o caso, era ela quem batia nele. Mas os vizinhos acabaram por reportar à polícia – e eu ainda reportei ao dono do apartamento que estava a ser destruído aos bocadinhos no meio da guerra deles – e mudaram-se. Devem continuar na sua história e, francamente, não sei se terá havido alguma consequência da posição que tomamos, já que ao saírem do prédio ficamos sem saber o que aconteceu depois. De qualquer forma, acho mesmo que às vezes é preciso intervir e não fechar os olhos ao que sabemos que se passa.

Fabulosa disse...

Há datas desnecessárias e datas que são obrigatoriamente assinaladas, porque pelo menos assim há a certeza de que pelo menos uma vez por ano se fala no assunto. Infelizmente esta é uma dessas datas. Não dá para parar e pensar em discriminação positiva... =(

Hipatia disse...

Mas a discriminação positiva é muitas vezes o argumento apregoado. E não há muito tempo até houve uma alminha daquelas que dizem que fazem política que apelou a que a violência doméstica voltasse a ser crime privado. E é por isso que falo e escrevo e estrebucho.