Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Mário Cesariny - You Are Welcome to Elsinore
Neste meu umbigo escondido, as palavras bailam ainda. Dançam uma melodia inventada em acordes dissonantes. Escoa-se a afinação, redefine-se a própria música. Bailam palavras, são nosso útero. Ou cordão umbilical tecnológico onde prendemos umas quantas de horas que se transformam em romaria. Uma romaria de festa e de palavras. Palavras amestradas ou agrestes, doces ou iradas. Palavras bailarinas, dançando em frente a um écran. São também armas de arremesso ou de defesa e ironias de pacotilha, estilhaçadas, sem desígnios novos ou resignadas. Palavras ainda. Palavras e mais palavras. À espera. Palavras suspensas, humanismo circense engalanado. São cordas, lianas, grilhetas. São cones de vulcão ou simples lagos. São mar, onda, deserto, fogo. São caminho. Destino às vezes. Pontes suspensas prenhes de simbolismo. São vertigem, fundo negro, luz além. Palavras em confessionário asséptico e vazio, teia ressequida de desencontros.
Se fosse a alma a teclar, não viveria eu de silêncios? Ou já tenho a alma plena de palavras que vou preenchendo de sentidos?
1 comentário:
On : 8/2/2005 3:48:56 PM maria arvore (www) said:
Eu voto na alma cheia de palavras, onde bordamos ou lavramos sentidos. Viver no silêncio é perder o lado humano do animal que somos que se distingue pelas palavras.
On : 8/2/2005 4:04:07 PM Hipatia (www) said:
E, no entanto, quantas das nossas palavras proferidas são tão fracas de sentidos, símbolos gastos, em apneia do ser? Às vezes, parece que só nos silêncios da alma guardamos um simbolismo verdadeiro...
On : 8/2/2005 4:04:24 PM Caracolinha (www) said:
As palavras dão corpo à nossa voz interior, fazem ressoar aquilo em que não se pode tocar, enchem o vazio que por vezes nos esmaga. Traem-nos, marcam-nos, rasgam-nos, espelham-nos, mostram-nos... e delas nos servimos para homenagear a escrita daqueles que gostamos ... como eu estou a fazer agora contigo ... beijinho mmmuuuiiitttoooo encaracolado ~:o)
On : 8/2/2005 4:16:57 PM Hipatia (www) said:
Às vezes fico farta de tantas palavras. E hoje, em particular, apetecia-me ter por perto umas quantas amigas. Amigas daquelas que, felizmente todas temos, que nos compreendem até os silêncios. Ou que nos envolvem em palavras e, em momento algum, nos sentimos soterradas por elas.
São os meus moods. Acabam sempre, de uma forma ou outra, espelhados neste blogue
Mas também pode ser só inveja, ao ver a debandada de tantos para férias e as minhas ainda tão longe...
Beijo grande
On : 8/2/2005 4:47:13 PM Viajante (www) said:
Há coisas que as palavras não dizem...
:)
On : 8/2/2005 4:57:44 PM Hipatia (www) said:
Sim! Há coisas que as palavras nunca serão capazes de dizer...
On : 8/2/2005 6:48:41 PM mocho falante (www) said:
Há coisas que as palavras não dizem, mas sabe muito bem ouvir um sincero AMO-TE!!!
On : 8/3/2005 7:34:53 AM Hipatia (www) said:
Pois, para mim, é das coisas mais difíceis de dizer. Não que não sinta. Mas entre o sentir e o verbalizar há sempre um abismo que só raramente transpus.
On : 8/4/2005 2:14:36 PM corpo visível (www) said:
Este é um dos poemas mais bonitos do Cesariny.
E sim, as palavras são tudo isso.
Inquietam-nos. Para o bem e para o mal.
On : 8/4/2005 2:33:14 PM Hipatia (www) said:
Uma das coisas que está no poema e que mais gosto é a ideia do "emparedados". E do "dever de falar" como caminho. Mas permanece a inquietação
On : 10/24/2005 3:17:04 PM Hipatia (www) said:
Mais Vozes
Gostei de palavras lianas. Imagino-as a baloiçar pessoas e pensamentos na floresta
Jacky | Homepage | 08.02.05 - 11:28 pm | #
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Ficou bonito, assim colorido pela tua imaginação
Hipatia | Homepage | 08.02.05 - 11:39 pm | #
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Já estava deslumbrante antes de eu cá chegar
Jacky | Homepage | 08.03.05 - 1:52 pm | #
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Obrigada
Hipatia | Homepage | 08.03.05 - 5:58 pm | #
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