da Vida-gemea d'Eu ser feliz!
E eu vivo aqui sepultado vivo
na Verdade de nunca ser Eu!
Almada Negreiros
Li uma vez uma entrevista a Eduardo Lourenço em que lhe era perguntado por um jornalista francês o que era a saudade, se era um sentimento que existe mesmo ou se não passaria de um mito. A resposta de Eduardo Lourenço foi brilhante e, ao mesmo tempo, extraordinariamente poética. Diz ele que a saudade é como quando o sol se põe, mas sabemos que vai surgir o luar. As palavras não foram bem estas, mas sei que andam lá perto. E a tradução é livre e da minha autoria, sendo que o meu francês já não é o que era.
Gosto da forma como Eduardo Lourenço nos tenta ver como “um povo” com direito à sua “portugalidade”, condenado a nunca deixar de ser o que é e com uma mitologia velha de séculos. Na verdade, concordo que nos embrulhamos nessa mitologia desde que Camões escreveu “Os Lusíadas” e erguemo-la aos píncaros à custa de um Quinto Império. Pelo meio, Teixeira de Pascoaes fez da nossa melancolia nacional uma metafísica. Acabamos a chamar saudade a tudo e a viver em eterno saudosismo por uma idade de oiro que nunca soube ser como hoje a idealizamos.
Teremos saudade para tentar recuperar o irrecuperável. Talvez seja verdade que a saudade faz parte da alma portuguesa, mas não será apenas uma característica inata: tem uma componente de mito deliberadamente construído que se transformou num cliché.
Gosto da forma como Eduardo Lourenço nos tenta ver como “um povo” com direito à sua “portugalidade”, condenado a nunca deixar de ser o que é e com uma mitologia velha de séculos. Na verdade, concordo que nos embrulhamos nessa mitologia desde que Camões escreveu “Os Lusíadas” e erguemo-la aos píncaros à custa de um Quinto Império. Pelo meio, Teixeira de Pascoaes fez da nossa melancolia nacional uma metafísica. Acabamos a chamar saudade a tudo e a viver em eterno saudosismo por uma idade de oiro que nunca soube ser como hoje a idealizamos.
Teremos saudade para tentar recuperar o irrecuperável. Talvez seja verdade que a saudade faz parte da alma portuguesa, mas não será apenas uma característica inata: tem uma componente de mito deliberadamente construído que se transformou num cliché.
Só que, ao invocamos os clichés, esquecemos que não há apenas um Portugal, mas muitos pedacinhos ainda há procura de uma unidade cultural que se possa projectar num nacionalismo qualquer (e os portugueses são extraordinariamente nacionalistas, mesmo quando parecem não ser). Podemos encontra-la no mito, mas será bem mais difícil encontrá-la no quotidiano. Especialmente no meu Norte, que não é triste e se recusa a sê-lo, que não canta tanto o Fado e sempre preferiu o Malhão e onde por vezes todos esses espartilhos em que querem encerrar a portugalidade se tornam uma camisa de forças que sentimos que os loucos nos tentam forçar a vestir.
Não somos, nem nunca fomos, um país de ensaístas. Mas sempre soubemos ser poetas. Com ou sem melancolia, com ou sem saudade, mas sempre dizendo as ideias mais ricas numa tradição de escrita enfeitada por figuras de estilo que não têm lugar na prosa analítica. Essa será uma realidade tão nossa como qualquer mito saudosista. E choca-me ver a forma como se vai aligeirando o discurso, como se perde a riqueza da nossa língua, como a maltratam inclementemente.
Haverá lugar para cantar Portugal enquanto Portugal souber continuar a dizer as palavras que o cantam. A nossa língua devia ser a nossa maior riqueza. Não podemos continuar a desbaratá-la para, daqui a uns tempos, estarmos a cantar a saudade pelo Português que deitamos a perder.
1 comentário:
On : 9/19/2005 7:51:24 AM maria arvore (www) said:
Nesta semana andei muito afastada da net e nem dei conta deste texto.
Mas, como diz o Caetano Veloso, minha pátria é minha língua.
Estragá-la é estragar o que de facto dá significado à saudade e às marcas culturais diferenciadas que impõe.
(Obrigada pela referência. O sexo é muito inspirador não é? )
On : 9/19/2005 1:28:41 PM Hipatia (www) said:
O sexo é sempre uma fonte de inspiração, claro Mas teres-me posto a pensar em como o português mal falado pode ser um enorme tira-tusa ainda foi maior inspiração. Lembrei-me de uns quantos cromos, claro. Há sempre uns quantos cromos repetidos, que investem fortunas na aparência e, depois, quando abrem a boca, só nos dão vontade de fugir
Este fim de semana, no casamento, apareceu mais um desses: todo pimpão, a equilibrar os copos já em excesso, armado em garanhão. Chegou ao ponto em que lhe perguntei directamente se não tinha nada melhor para fazer. É que não há pachorra quando não entendem uma frase tão simples como: "meu caro, eu gosto de caçar e não de ser caçada e você não está na ementa".
Aliás, mais uns destes e viro vegetariana
Enviar um comentário