2005-09-14

Suicídio Assistido

Anoche soñé que oía
a Dios, gritándome: ¡ Alerta!
Luego era Dios quien dormía,
y yo gritaba: ¡ Despierta!


António Machado


No espaço de um soluço, enfrento-me com uma fugidia lembrança que me recorda um luto. Mas abafo esse soluço. Ela não iria querer-me a chorar.

Ver a minha avó condenada a uma cama durante cinco dolorosos anos, sem poder mais do que mover os olhos, sempre lúcida e sem se poder expressar, justificam em mim e para mim todas e quaisquer decisões futuras sobre como dispor do meu corpo e da minha vida.

Se um dia me vir assim condenada a uma morte em vida, a um caixão feito cama articulada, que alguém tenha a gentileza de me deixar morrer.

Porque há sofrimentos e desumanidades que ninguém merece.

E sem soluços, por favor.

1 comentário:

Hipatia disse...

On : 9/14/2005 5:22:55 PM frogas (www) said:

Tal como tu penso que se um dia me encontrar numa situação desesperada optarei por acabar com o sofrimento da maneira que achar mais adequada, o meu problema nestas coisas de pensar no que faria se, será o facto de já ter passado por sofrimentos que para a maioria dos mortais seriam considerados insuportáveis, os factos já por mim vividos para não dizer sofridos levam-me a desacreditar naquelas coisas que quando me ponho a pensar nelas me parecem evidentes. O instinto de sobrevivência é algo que se sobrepõe a qualquer raciocínio que possamos formular a respeito da nossa própria vida, portanto e apesar de pensar em certos problemas de uma forma racional tenho alguma dificuldade em estar certo do que faria quando confrontado de novo com uma situação dramática.
Se me for perguntado como reagiria perante certas circunstancias, decerto que responderia com facilidade, se for confrontado de novo com o desespero não sei como irei reagir, não sei se a minha vontade de viver não irá ofuscar alguma possível evidencia. Houve tempos em que desacreditei por completo num retrocesso positivo da minha situação de saúde a ajudar há festa as dores e mau estar eram de tal forma intensas que estas coisas de que falamos me passaram varias vezes pela cabeça o facto é que o tempo trouxe as mudanças que eu tanto ansiava o facto é que aquilo que para mim era evidente de um momento para o outro e sem explicação aparente mudou de modo a poder desejar votar a olhar de novo em frente. Nos dias de hoje tenho uma tremenda dificuldade em tomar opções ao ponto de um nosso conhecido por vezes me achincalhar na brincadeira com as minhas constantes indecisões o certo é que se assim não fosse o mais provável seria não estar aqui a opinar a respeito daquilo que na realidade não sei (isto foi escrito de rajada portanto é possível que não seja fácil de se entender)


On : 9/14/2005 5:37:34 PM Hipatia (www) said:

Percebe-se perfeitamente, Frogas. E obrigada pelo que dizes. Claro que tens razão. Especialmente quando falamos de suicídio.

Lá para os confins do blogue, escrevi um texto chamado "No Céu dos Suicidas". E dizia então:

"Às vezes penso nos suicidas e em como, algures antes de todo o tempo, antes de toda a história, antes mesmo de ser eu, também desejei ter uma lápide nesse céu, mas não tinha arma, nem engenho, nem a vontade certa.

Às vezes penso no que segura, o que já segurou, tantos de nós, o que nos fez escolher a vida. E às vezes penso que ousamos reclamar em demasia contra a banalidade, as banalidades, que nos resgatam para a vida."

Mas o texto de hoje era sobre eutanásia e só lhe chamei suicídio assistido porque, lá para os lados do Substracto, havia quem achasse que eutanásia não é suicídio. E eu sei que não quero ficar como a minha avó. Prefiro não ficar. Porque ali já não havia qualquer esperança de recuperação: foi só esperar uma morte que não queria vir, quando a vida que estava a viver era uma mortalha ainda maior.

A minha avó esteve sempre consciente. Mas não conseguia sequer falar. Não se mexia. Respondia "sim" ou "não" fechando os olhos uma ou duas vezes. Até hoje não sei porque nunca tive coragem para a pergunta que gostaria que me fizessem a mim em iguais circunstâncias: "quer que a ajude a morrer?"

Beijo grande, Frogas


On : 9/14/2005 6:48:37 PM Luna (www) said:

Há uns tempos li uma frase que me marcou, de Julio Machado Vaz, que dizia qualquer coisa como: "Não quero sobreviver-me a mim mesmo". Eu penso o mesmo.


On : 9/14/2005 7:02:16 PM Hipatia (www) said:

Eu depende. E era disso que estava a tentar falar na resposta que dei ao Frogas. Depende se ainda há esperança, acho


On : 9/14/2005 8:40:59 PM frogas (www) said:

A esperança de quem está a passear no arame é uma coisa que se move como um baloiço. Eu tenho muitas dúvidas acerca de uma falta de esperança constante na cabeça de quem está a beira do desespero, não acredito que quem se sente perdido não queira acredita numa qualquer magica que posa modificar tudo. É claro e evidente que por vezes temos a consciência de que essas magicas não são possíveis de acontecer, mas também já ouvimos falar daquele caso desesperado em que nada parecia resultar mas que de um momento para o outro se resolveu. Na minha família tenho um caso bem concreto de uma prima a quem os médicos apenas davam 15 dias de vida. Em Portugal na época foi dos primeiras senão a primeira pessoas a sobreviver com o problema oncológico que a afectou. Eu vi essa minha prima com as coxas da largura do meu pulso e com uma fisionomia que nada ficava a dever ás fotos que conhecemos dos campos de concentração ou de certos locais de fome em africa, o certo é que passados 20 e muitos anos ela ainda cá esta tem uma filha linda e uma vontade de viver de fazer inveja ao mais feliz. Na época ninguém da nossa família acreditava naquela magica que veio a acontecer, para todos nós , a evidencia o inevitável estava à vista, e pensar que assim não seria era apenas prolongar o sofrimento, quantas vezes durante esse período negro não terei ouvido que para estar daquele modo mais valia morrer .A realidade é que não valia, a realidade, estava nas mãos de um medico com tomates grandes e de uma natureza que não estamos preparados para compreender.Com isto não quero dizer que tenha retirado o suicídio do meu lote de opções para casos desesperados, é claro que se estiver num prédio em chamas e sem salvação à vista, provavelmente saltarei para o desconhecido , provavelmente irei procurar um sofrimento menor do que aquele que antevejo .O problema esta no momento do salto e para mim quanto mais tarde melho


On : 9/14/2005 9:06:58 PM frogas (www) said:

Tenho muito poucas dúvidas que se fosse feita uma sondagem de opinião a indevidos sem problemas a respeito do que prefeririam em caso de ficarem paraplégicos que a sua resposta seria que prefeririam a morte. Muito provavelmente a minha resposta seria essa mesma. O problema é que eu não faço a mínima ideia do que sente um paraplégico, não faço porque não me é possível saber, nem sei isso, nem sei qual a importância que daria à vida perante uma realidade que desconheço. Hoje com as minhas perninhas a trabalhar bem, só a ideia de as perder seria motivo para me mandar para debaixo do primeiro comboio, a minha dúvida é saber o que faria depois de confrontado com a situação. O que tenho constatado é que muito pouca gente se suicida devido a problemas como aquele que vos apresento como exemplo. Eu gosto muito daquele provérbio que diz que não é necessário ser galinha para saber quando os ovos estão estragados mas neste caso não tenho muitas duvidas que é absolutamente necessário passar por elas para se poder ter opinião a respeito do que fazer


On : 9/14/2005 9:26:11 PM frogas (www) said:


Hipatia não tenho a menor duvida que essa seria a pergunta que nunca faria, e tenho a esperança que nunca me seja feito semelhante pedido. Tal como nos casos anteriores ,não sei como agiria perante um pedido desses feito por alguém que me fosse muito querido, mas também não tenho a menor duvida que dificilmente voltaria a sorrir. Isto independentemente da opção que viesse a tomar


On : 9/14/2005 9:30:47 PM frogas (www) said:

Quanto ao que a Luna refere só tenho a dizer que já fui tanta coisa e já pensei de modos tão diferentes que me é difícil saber quem sou ou quem virei a ser


On : 9/15/2005 12:18:56 PM moStrenGo adamastoR (www) said:

Por mais que me expliquem, não percebo como se pode ser contra a Eutanásia...


On : 9/15/2005 1:36:27 PM Hipatia (www) said:

Frogas, estou sem palavras! Apetecia "postar-te" na primeira página. E só ainda não o fiz, porque não sabia se irias gostar

E, sim, entendo-te. E penso que não deverá ser nunca uma escolha não ponderada. Não pode ser em desespero. Nem sei bem como explicar... acho que o desespero não será nunca bom conselheiro. Mas o tempo, a impossibilidade de um qualquer "milagre", a consciência e a razão de quem escolhe, deveriam ter palavra. Apenas sei que se eu precisar de ajuda - estando lúcida, com aquela lucidez que já não tem esperança, resignada e nunca, mas mesmo nunca desesperada -, então espero que alguém tenha a gentileza de me ajudar. É quase tão simples para mim isto como foi decidir que era dadora de órgãos antes ainda de alterarem a lei. Ou como sempre deixei ao conhecimento de praticamente todos os que convivem comigo que, estando em morte cerebral, as máquinas devem ser desligadas o quanto antes.

Beijo


On : 9/15/2005 1:41:17 PM Hipatia (www) said:

Monstro, bem vindo à Voz

Não sei se será tanto uma questão de estar contra. Se for estar contra por uma qualquer imposição dogmática, então estou contra quem está contra. Mas não deixo de ter as minhas dúvidas. Em especial por aquilo que disse acima ao Frogas: não pode ser uma escolha desesperada. Tem de ser pensada, ponderada. Como tudo o que não tem volta.

Mas a palavra "eutanásia", estando ainda tão contaminada dos podres da eugenia, tem sempre uma carga demasiado negativa, não é?


On : 9/15/2005 1:46:49 PM Hipatia (www) said:

Ali em cima era *apetecia-me*


On : 9/20/2005 5:28:21 PM Zu (www) said:

Leio com atraso este post e os respectivos comentários, mas mesmo assim deixo aqui umas palavras. Confesso que fiquei presa a todo o testemunho do Frogas, a quem queria agradecer por ter sabido dizer tudo o que penso e, sobretudo, sinto, acerca de um assunto tão complicado e incómodo.


On : 9/21/2005 11:46:54 AM Hipatia (www) said:

Eu também já agradeci, Zu. Nem todos teriam a coragem para uma partilha destas, não é?




On : 9/24/2005 9:13:34 AM frogas (www) said:

Zu hipatia ,vocês assim deixam-me babado. Obrigado por terem entendido aquilo que eu tinha receio em não saber transmitir

Por vezes corremos o risco de por escrito não nos explicarmos devidamente e neste assunto especifico não me estava a apetecer correr esse risco. Eu gosto mesmo é da parvalheira ou de opinar sobre temas que não me cansem muito a cabecinha .é mais facil e não me traz responsabilidades.


On : 9/24/2005 9:30:10 AM Hipatia (www) said:

Mesmo quando (só) comentas os assuntos menos cansativos para a cabecinha, nota-se que o estás a fazer com ela em pleno funcionamento. E os comentários que me deixaste aqui, já estão guardados, não vá o Comment This voltar a ter uma coisinha má. E sou eu que agradeço. Não há mesmo palavras para dizer o tanto


On : 11/7/2005 3:40:42 PM (www) said:

Mais Vozes

Um beijinho
jacky | Homepage | 09.15.05 - 10:57 pm | #

--------------------------------------------------------------------------------

Beijinhos, Jacky. E não fiques tristinha
Hipatia | Homepage | 09.18.05 - 10:30 pm | #