2006-07-25

Pólvora




Desde que a "revolução antitotalitária" varreu o leste Europeu, o Mundo encontrou-se perante uma evidência: o degelo da guerra fria "aqueceu" o Médio Oriente, com prolongamentos para o Norte de África. E os riscos parecem ser tão mais graves quanto mais simplistas formos nas análises. Não há nada simples no Médio Oriente. Nunca houve.

Não se pode olhar superficialmente paras as singularidades desta região, que passam pelas questões relacionadas com os seus recursos petrolíferos ou com os seus problemas religiosos. O Médio Oriente parece englobar, num mesmo cenário, tudo o que se encontra em oposição ideológica na actualidade: Ocidente e Oriente, Norte e Sul, Islão e Cristianismo (com a interferência de toda a problemática associada à existência do Estado de Israel), laicidade e religião, fundamentalismo e modernidade.

Temo cada vez mais que haja um profundo desconhecimento das reais variáveis em causa, simultâneo, constante e mútuo. E temo ainda mais que o medo baseado nesse desconhecimento precipite um qualquer acontecimento que faça rebentar aquele que Edgar Morin chamou o barril de pólvora do Mundo. Já esteve mais longe de acontecer...

10 comentários:

vague disse...

Boa análise, Hip. Há tantas variáveis, tantas pontas soltas tão cheias de nós cegos, que metem religião, desespero, salvação, 'os homens que não têm nada a perder são perigosos', e há tanta sede de destruição também. Dois mundos que se querem aniquilar.
Tenho esperança que a Condolezza Rice conseiga negociar umas tréguas, pelo menos.

Hipatia disse...

Só não sei se será boa ideia deixar entrar a raposa no galinheiro, Vague. Por mais que a raposa já lá ande há muito :S

Luis Duverge disse...

As questões internacionais ou ditas globais, tal como os passos que se deram para a evolução do ser humano assentam hoje e amanhã em materiais que a maioria procura, o ouro, o petróleo, a água e acaberemos no ar puro. A ordem tem importância. E os factos estão aí, tal como no passado a religião foi e ainda é um meio de agitação de massas. Constantino o imperador do maior império do mundo utlizou a religião cristã para unir dois impérios e várias culturas. O petróleo está acabar e os Iranianos vÊm no nuclear não só mas também o futuro para sobreviver e para combater, ou seja energia para alimentar o sector produtivo e tb a en ergia para combater com ogivas nucleares. Israel, o estado falcão, tal como todos os outros países, no limite tem medo desta ameaça. O berço da civilização poderá ser o exemplo de morte dela. Contudo até hoje nunca ouve a loucura de introduzir os códigos e rodar a chave. Apesar de ser uma acção suicida não deixa de ser preocupante.
A nossa civilização precisa necessáriamente de uma ideologia, mais eficaz que a democracia, em que a liberdade de expressão não chega para comprar o pão. Num futuro próximo as instituições globais, exemplo a ONU, ou alteram a sua estrutura ou acabarão por ter um papel fútil. O mundo terá básicamente 3 tipos de países, países subsidiados para garantir a sobrevivência do seu povo com riquezas naturais. países sem abrigo logo sem subsídios e os países evoluídos. Aqueles a que eu chamo a evolução retrógada. Não é possível evoluir de forma material, isto porque no capitalismo extremo o canibalismo económico é auto-destruidor. A ética e a moral irão surgir um dia depois de todos estarem fartos e exaustos de uma sociedade de consumo levada ao limite. Portugal é um bom exemplo de um mercado invadido de grandes superfícies e em que se vai às compras por terapia, Bem por hoje fico por aqui desculpa o lençol. Agora imagina se a conversa era ao vivo ?
Beijo.

Hipatia disse...

Para Edgar Morin, é o próprio paradigma do humanismo ocidental que entrou em crise, quando os velhos conceitos se mostram gastos, as velhas teorias se fecham em doutrinas e o futuro deixou de poder ser analisado com base nos antigos pressupostos. A base de sustentação deste paradigma era a ideia de desenvolvimento, a promessa de que este era inevitável e se manteria numa linha ascendente condutora a um progresso permanente da própria condição humana, beneficiando todos, sem distinção de credos, cores ou localizações geográficas. Só que isso não aconteceu.

Eu sou uma sou uma indefectível da "ideia" de paradigma segundo Thomas Kuhn e sempre achei que era possível aplicar à estrutura das ciências sociais a ideia da estrutura das revoluções científicas. Talvez seja mesmo necessário mudar tudo e voltar a repensar o mundo. Talvez seja necessário deitar fora os velhos conceitos operativo-ideológicos e começar tudo de novo. Não sei que novo mundo - ou tipo de convivência entre as gentes - será possível nomear em direcção ao futuro. Para já, só vejo caos e estertores. E ainda ninguém inventou a ideia nova.

Quando estava a escrever a minha tese, pensei que seria a sustentabilidade a dar esse impulso em direcção ao futuro, que a ideia de um bem global e comum talvez desmantelasse pouco a pouco os velhos conflitos e as velhas lógicas do lucro. Olhando hoje para trás, não sei se ainda acredito. Sei que as ideologias estão velhas e gastas. Mas também sei que ninguém parece saber como ou sequer querer livrar-se delas. A mudança de paradigma está a ser assustadoramente lenta e, nos intervalos dessa lentidão, todas as catástrofes podem acontecer.

(Viste o sucesso que o vídeo que me ofereceste causou? Manda mais! E um dia combinamos esse café. Afinal, estás mesmo "aqui ao lado"...)

joshua disse...

Olá, Hipatia, belo e denso blog o teu. Parabéns pelo teu bom gosto e pelo gosto de pensar. É uma refeição de que não me quero ausentar mais de nenhum modo a partir de hoje.

Meditamos, no mestrado de LCC, também muito acerca da morte das grandes âncoras ideológicas, das grandes narrativas teleológicas e no fim dos velhos paradigmas.

As ideologias são, na sua geração inicial, generosas, cheias de possibilidades, mas depois, pelas leis físicas da inércia e do atrito, perdem força, dinamismo e são consumidas nas chamas do pragmatismo e do desejo de lucro e poder. Mas repara nos processo, também lentos, de subducção de placas tectónicas por outras: a fricção entre a utopia e a realidade gera sempre o novo, o imprevisto, o começar de novo de que não há temer.

Há ilusões que se não querem perder, mas há constantes no que a utopias diz respeito: desenvolvimento, bem-estar, harmonia com o mundo natural, prorrogar a morte, tentar a imortaliade pelo menos através da arte, da obra, da reflexão.

Por mim, se se avançasse mais decididamente nas explorações espaciais, ainda que por interesses periféricos aos do conhecimento, talvez paradoxalmente se operasse uma concentração tecnológica paralela na viabilização a todos os títulos do planeta e da vida humana globalmnte dignificada nele.

A territorialização dos conflitos medio-orientais diz respeito justamente a um problema fóssil de incapacidade de relativizar a nossa posição numa porção do mundo e, por exemplo, Israel ainda pensa ter direito à mesma reconquista cruzadística que em tempos já havidos as nações cristãs empreenderam, terminando com o Califado de Granada.

Por outras palavras, Lua e Marte mais à mão e decididamente talvez conduzissem a uma excelente reperspectivação valorizadora da nossa condição antes de mais planetária; talvez nos levasse a reverdescer desertos, a partilhar mais.

Mas, Hipátia, fala à gente. Partilha qualquer coisa, se quiseres, quando quiseres, também no meu blog.

Foi um prazer visitar-te pela primeira vez.

Joaquim Santos

TheOldMan disse...

A humanidade evolui por "explosão", Hipatia.

Quando se começa a tornar necessária uma alteração ao rumo da sociedade humana, esta começa por ameaçar entrar em colapso.

A capacidade de adaptação da humanidade é avaliada não só pela sua destreza em evitar a sua própria destruição de cada vez que isso acontece, como em preparar uma "próxima prova de selecção natural" aínda mais difícil que a anterior.

"O único modo de separar dois cães é com um pau".

;-)

Elipse disse...

Como deves ter visto, ainda não consegui VOZ para o texto que sugeriste. Foge-me a voz neste momento e emudeço perante as imagens que também a ti trazem a apreensão que estive ali a ler.
Mundo cão!
Beijo para ti.

Hipatia disse...

Antes de mais, Joshua, bem vindo à Voz e obrigada por este magnífico comentário. A verdade é que as vozes que me vão deixando nestas caixas de comentários são, de facto, o melhor que tem este blogue.

Concordo com quase tudo o que dizes, sabes? Mas às vezes acho que as causas motivadoras desapareceram, ainda que o ser humano continue a ser basicamente o mesmo e continue a ser possível levá-lo a envolver-se em causas que considera fundamentais. Porém, parece-me evidente que as antigas causas que tinham essa capacidade e que a demonstraram ao longo dos últimos séculos, especialmente durante o século XX, já não conseguem realizar hoje os seus objectivos, pelo menos não da forma como antes o faziam.

É como se, ao faltarem-nos os grandes eixos estruturantes das grandes ideias motivadoras, nos fosse momentaneamente fácil - e até reconfortante - encontrar uma qualquer ideia. Mas as próprias ideias estão sujeitas hoje em dia às regras da oferta e da procura, do melhor marketing, da visibilidade mediática e poucochinha.

Acho que quase tudo nos serve, nesta era que nem tem direito a nome próprio. Ainda seremos pós-modernos? E estas gerações que passaram a ser designadas por letras: y, x, z, abc... É quase como se já não houvesse palavras ou, havendo palavras, estas estivessem gastas de sentidos. Dos grandes sentidos essenciais, pelo menos.

E, sem se poder pensar a ela mesma, como fica a Humanidade? Leva para Marte e para a Lua o caos sem significado? Conseguirá ainda nomear a esperança, fazer dela um desígnio colectivo?

Sem causas motivadoras de moldes tradicionais, sem religiões - laicas ou não -, com capacidades e conhecimentos técnicos capazes de um enorme potencial destruidor massiço e sem valores fortes o suficiente para controlar tudo isto, o nosso futuro pode mesmo estar em causa. Por entre os pingos da desagregação, surge o medo, o sectarismo, a seita e a verdade convertida em dogma. Daí ao ódio e à guerra vai o passo pequeno medido em lucro.

Sem relançarmos as formas de nos pensarmos e ao Mundo, não saberemos largar as grilhetas e conquistar o infinito: temos demasiado lastro a segurar-nos a esta Terra e aos seus jogos do costume, os seus interesses do costume, à falta de grandes desígnios cada vez mais habitual.

Hipatia disse...

E no entanto, Old Man, até as explosões são atípicas. É como se, ao mesmo tempo que vemos as macro-causas definharem, víssemos as micro-causas ganharem uma relevância inaudita. Mas não é o facto de teres a buzina mais ruidosa que faz de ti a pessoa mais importante da tua vizinhança, não é? Assim e ainda que o impacto mediático de dois ou três grupos faça parecer que são muito importantes e têm muitos seguidores, na prática sabemos que, na maioria dos casos, têm um impacto realmente restrito. Como a IURD, quando tentou comprar o Coliseu do Porto: parecia um papão e, agora, já ninguém se lembra deles.

Não questiono as explosões, obviamente. Na verdade, acho que continuo a espera-las ansiosamente. Questiono os cães, acho. Será que ainda nos dão vontade de sairmos do nosso comodismo, levantarmos o rabo do sofá e ir lá desancá-los à paulada? Parece ser uma estafa tão grande para tão pouco proveito...

Hipatia disse...

Eu sei, Elipse :( Crianças a autografarem bombas! Os herdeiros da Shoa, ainda por cima. Se esses não sabem fazer diferente, quem saberá? E estou apenas a falar de humanismo, acho. As regras e os interesses da política e dos políticos parecem-me sempre demasiado escusos. "Mas as crianças, Senhor?"