aqui
If both the spheres of conscience are once again clearly distinguished among themselves under their respective methodological profiles, recognizing both their limits and their respective rights, then the synthetic judgment of the agnostic-skeptic philosopher P. Feyerabend appears much more drastic. He writes: “The church at the time of Galileo was much more faithful to reason than Galileo himself, and also took into consideration the ethical and social consequences of Galileo’s doctrine. Its verdict against Gaileo was rational and just, and revisionism can be legitimized solely for motives of political opportunism.”
(…)
It would be absurd, on the basis of these affirmations, to construct a hurried apologetics. The faith does not grow from resentment and the rejection of rationality, but from its fundamental affirmation and from being inscribed in a still greater form of reason …
Cardinal Joseph Ratzinger
"The Crisis of Faith in Science"
March 15, 1990, Parma
Volta e meia sou obrigada a olhar para o umbigo – coisa que até faço com alguma regularidade, convenhamos – e pensar até que ponto seria capaz de aceitar uma qualquer posição, mesmo que a mesma me dê a volta ao estômago. Ora, eu não gosto deste Papa que sucedeu a João Paulo II. Não gosto de quase nada do que tem feito, dos retrocessos evidentes que lhe encontro em direcção a padrões de fundamentalismo que pensei que o Catolicismo estaria paulatinamente a abandonar, desde as missas de costas voltadas para os fieis, passando pelo facto de me ter chamado terrorista, acabando no canto gregoriano. Não que tenha alguma coisa contra o canto gregoriano, ou sequer o Latim, mas parece-me estranho que o chefe da ICAR se empenhe em transformar as celebrações de fé em algo em que os crentes permanecem alheados, como que meros espectadores do evento, em lugar de envolvidos e participativos no mesmo.
Acontece, porém, que há outras "questões de fé" que me parecem ainda mais pertinentes neste assunto, nomeadamente a "fé" que temos de colocar em todo o processo de investigação e debate científico. Tentar pôr os factos da ciência longe do seu contexto é tão errado como coarctar o diálogo e fazer ouvidos moucos às opiniões dos outros. A ciência, mesmo que tente fundamentar-se sempre na segurança das ideias comprováveis, não deixa de, em cada momento histórico, ser praticada por quem habita um grande corpo teórico de ideias – um macro-ideário, se assim se pode chamar – que afecta necessariamente quem a pratica. Nenhum cientista vive fora da época em que lhe calhou viver e, a esse nível, também não pode descartar liminarmente todos os pressupostos e, especialmente, todos os preconceitos que a vivência social lhe impõem. A racionalidade absoluta é um mito quando lidamos com seres humanos, mesmo os que se pretendem mais afastados de tudo o que não é empiricamente comprovável. Como nos pressupostos de Thomas Kuhn, de que as revoluções na ciência acontecem de facto, mas apenas quando todos os factores se juntaram para permitirem uma real alteração paradigmática no esquema subjacente à própria forma de pensar.
Ora, descartar Bento XVI como se fosse personagem pertencente a um tempo diferente, um tempo em que ainda se acreditava que a Terra é o centro do Universo e tentar ostracizá-lo por ter feito a defesa da Igreja na questão de Galileu perece-me profundamente perigoso. Primeiro porque, como se viu, as Relações Externas do Vaticano rapidamente transformaram o Papa em coitadinho e toda a crítica desabou sobre os cientistas; depois, porque se esqueceram que a ciência se fundamenta no debate e não no cercear de opiniões e, em lugar de provarem Ratzinger – que é um investigador, um cientista, coisa que muitos se apressaram em esquecer – errado, levaram todo e qualquer debate para questões pequeninas de lutas de certo e errado. Ora, em ciência, não basta dizer se algo está certo ou errado; há que demonstrá-lo. Pior ainda, há que demonstrar o erro, mas assumindo também que a nova demonstração é permeável ao erro e que nenhuma verdade é imutável.
As verdades imutáveis são questão de fé e não questões de ciência. Que os cientistas se tenham deixado enredar na provocação do então Cardeal e, tantos anos depois, ainda não tenham conseguido separar as águas, evidencia-se-me assustador. Parece-me evidente que o actual Papa usou todos os seus dotes de investigador para expor de forma "científica" as suas premissas. Terá, também, como qualquer um, direito a defender a sua tese. E, se quer colocar a sua tese a debate, ficará sujeito ao escrutínio dos seus pares e caberá a estes refutarem a tese e, se assim for, prová-la errada. O erro cai assim sobre quem se esqueceu do método científico e, convenhamos, neste assunto em particular, não foi nem o Vaticano nem o Papa que o esqueceram. Na ciência não há deuses, não pode haver deuses. Nem mártires. Ou então tudo se resumirá a um confronto de fés, pelo que o paradigma manter-se-á imutável e sem avanços, perdido numa qualquer discussão inconsequente sobre o sexo dos anjos.
O Papa ganhou esta batalha, mas só porque os supostos cientistas o deixaram ganhar. E ganhou porque os tais cientistas se predispuseram a uma posição retrógrada, a mesma que pareceria fácil de apenas apontar à Igreja Católica. E lá se foi o que poderia ser uma profícua discussão. É que o heliocentrismo é tão só um outro paradigma, como antes o foi o geocentrismo. Não vale esquecer isso.
______
(*) verso de Black Easter, Sol Invictus
Encontrei a citação da tradução inglesa da conferência do Cardeal Ratzinger no ...bl-g- -x-st-