Is everybody in?
Is everybody in?
Is everybody in?
The ceremony is about to begin.
WAKE UP!
The Doors – Ghost Song
Dois dias em cima dos meus pés e a sensação de que já tenho uma década a mais em cima dos ossos; ou então a simples constatação de que talvez viva espectáculos sentados de pé e espectáculos em pé com a vontade de estar sentada; ou ainda o reconhecimento pelo cheiro a mofo de toda uma certa "intelectualidade" renitente, sem idade, sempre igual a ela própria, com palas nos olhos e nos ouvidos; ou talvez a simples constatação de por que nunca quis para mim qualquer rótulo, tendo sempre preferido mover-me nas franjas de todas as catalogações...
Gosto de coisas estranhas. Gosto. Mas também gosto de coisas simples. Não tenho por hábito pôr etiquetas nos meus gostos, não rotulo o que vejo, o que ouço. Recuso-me a ver um festival sentado com a pré-concepção de que não me seria permitido levantar e dançar e cantarolar e bater o pé ao som do ritmo certo. Recuso-me a seguir o rebanho do cachimbo e das barbas e das saias com ar disco-sound e das sabrinas com collants por baixo num Outono ainda tão estio, ou do livrinho de apontamentos onde se vão pedir autógrafos de coisas que se foram ver e nem sei bem se gostam mesmo, ou se só lá foram porque faz parte da onda do rebanho naquele dado momento.
Gosto de ser surpreendida pelo que vejo, pelo que ouço. Na Sexta, enquanto uma menina-mulher, com uma vozinha ridícula, me levava às alturas com o vozeirão com que cantava depois, nada me preparava para o que vi depois. E quase me sentia envergonhada pelas palas dos outros, pela falta de abertura a outros caminhos, caminhos em pé para os quais não encontraram caminho, porque só estava no programa em letras bem pequeninas e nem esteve, por certo, presente nos comentários de qualquer tertúlia intelectualoide. Mas era Sexta e pensei que o cansaço da semana ainda pudesse ser desculpa...
No Sábado, gente sentada ficou em pé, cativada pela magia de uma bateria e 4 guitarras e um homem em cima do palco com uma figura que ia desde um Cristo em jeans até a um Jim Morrison sem calças de couro, passando pelo Marley... e "a woman do cry" quando vê algo surpreendente.
Diziam-me então que depois, daqui a uns tempos, posso sempre dizer que os vi no início da carreira. E eu dizia que nunca mais vou gostar tanto. Que nunca mais vou ser assim surpreendida. Que aquelas guitarras, em camadas de som, que aqueles pés descalços e as influências de tanta parte para onde me transportavam a um tempo, me fizeram sonhar com uma mítica Louisiana, ou as Caraíbas, ou até uma certa Andaluzia nuns acordes perdidos e o muito rock depurado de uma costa oeste aberta a todas as influências, ou uma American Prayer revisitada.
Sem rótulos. Não merecem os meus rótulos. Não merecem que os encerre numa qualquer etiqueta e, depois, ponha uma saia disco-sound e umas sabrinas e vá à caça deles, à caça do autógrafo, à caça de outra coisa do que esta maravilhosa surpresa que ninguém me tira. E, sim, vi-os em pé, quase em pé, o em pé que me era permitido por estes dez anos a mais que não quero perder e me pesam ainda assim.
E vi os outros, muitos outros, com menos uma década de experiência ou sabedoria ou o que for, em debandada de novo, rebanho organizado na hora da saída, porque não estava no programa sentado estar em pé. Como vi os resistentes, aqueles que nem em pé era suposto estarem. E em pé fico eu para a homenagem possível a uma figura desconhecida, que revi nas duas noites. Um homem baixinho, com mais dez anos ainda, talvez, ou então foi a vida que lhe pôs mais anos na cara. Não podia dançar; estar em pé devia ser desconfortável. Ser obrigado a caminhar com uma muleta não qualifica ninguém para festival de gente em pé. Mas ele esteve. Os dois dias. Depois do fim daquilo que o Miguel chamou "feira dos sentados". E fez-me pensar que os da feira, o rebanho, os andarilhos sem vontade de explorar o que não está programado, deviam, como eu, ficar em pé para o rei do sentados. O rei que, não podendo, ficou em pé.
Is everybody in?
Is everybody in?
The ceremony is about to begin.
WAKE UP!
The Doors – Ghost Song
Dois dias em cima dos meus pés e a sensação de que já tenho uma década a mais em cima dos ossos; ou então a simples constatação de que talvez viva espectáculos sentados de pé e espectáculos em pé com a vontade de estar sentada; ou ainda o reconhecimento pelo cheiro a mofo de toda uma certa "intelectualidade" renitente, sem idade, sempre igual a ela própria, com palas nos olhos e nos ouvidos; ou talvez a simples constatação de por que nunca quis para mim qualquer rótulo, tendo sempre preferido mover-me nas franjas de todas as catalogações...
Gosto de coisas estranhas. Gosto. Mas também gosto de coisas simples. Não tenho por hábito pôr etiquetas nos meus gostos, não rotulo o que vejo, o que ouço. Recuso-me a ver um festival sentado com a pré-concepção de que não me seria permitido levantar e dançar e cantarolar e bater o pé ao som do ritmo certo. Recuso-me a seguir o rebanho do cachimbo e das barbas e das saias com ar disco-sound e das sabrinas com collants por baixo num Outono ainda tão estio, ou do livrinho de apontamentos onde se vão pedir autógrafos de coisas que se foram ver e nem sei bem se gostam mesmo, ou se só lá foram porque faz parte da onda do rebanho naquele dado momento.
Gosto de ser surpreendida pelo que vejo, pelo que ouço. Na Sexta, enquanto uma menina-mulher, com uma vozinha ridícula, me levava às alturas com o vozeirão com que cantava depois, nada me preparava para o que vi depois. E quase me sentia envergonhada pelas palas dos outros, pela falta de abertura a outros caminhos, caminhos em pé para os quais não encontraram caminho, porque só estava no programa em letras bem pequeninas e nem esteve, por certo, presente nos comentários de qualquer tertúlia intelectualoide. Mas era Sexta e pensei que o cansaço da semana ainda pudesse ser desculpa...
No Sábado, gente sentada ficou em pé, cativada pela magia de uma bateria e 4 guitarras e um homem em cima do palco com uma figura que ia desde um Cristo em jeans até a um Jim Morrison sem calças de couro, passando pelo Marley... e "a woman do cry" quando vê algo surpreendente.
Diziam-me então que depois, daqui a uns tempos, posso sempre dizer que os vi no início da carreira. E eu dizia que nunca mais vou gostar tanto. Que nunca mais vou ser assim surpreendida. Que aquelas guitarras, em camadas de som, que aqueles pés descalços e as influências de tanta parte para onde me transportavam a um tempo, me fizeram sonhar com uma mítica Louisiana, ou as Caraíbas, ou até uma certa Andaluzia nuns acordes perdidos e o muito rock depurado de uma costa oeste aberta a todas as influências, ou uma American Prayer revisitada.
Sem rótulos. Não merecem os meus rótulos. Não merecem que os encerre numa qualquer etiqueta e, depois, ponha uma saia disco-sound e umas sabrinas e vá à caça deles, à caça do autógrafo, à caça de outra coisa do que esta maravilhosa surpresa que ninguém me tira. E, sim, vi-os em pé, quase em pé, o em pé que me era permitido por estes dez anos a mais que não quero perder e me pesam ainda assim.
E vi os outros, muitos outros, com menos uma década de experiência ou sabedoria ou o que for, em debandada de novo, rebanho organizado na hora da saída, porque não estava no programa sentado estar em pé. Como vi os resistentes, aqueles que nem em pé era suposto estarem. E em pé fico eu para a homenagem possível a uma figura desconhecida, que revi nas duas noites. Um homem baixinho, com mais dez anos ainda, talvez, ou então foi a vida que lhe pôs mais anos na cara. Não podia dançar; estar em pé devia ser desconfortável. Ser obrigado a caminhar com uma muleta não qualifica ninguém para festival de gente em pé. Mas ele esteve. Os dois dias. Depois do fim daquilo que o Miguel chamou "feira dos sentados". E fez-me pensar que os da feira, o rebanho, os andarilhos sem vontade de explorar o que não está programado, deviam, como eu, ficar em pé para o rei do sentados. O rei que, não podendo, ficou em pé.
2 comentários:
"Festival para Gente Sentada", em Santa Maria da Feira:
6ª feira: rosie thomas - sufjan stevens - nicolai dunger
Sábado: devendra banhart - robert fisher - kate walsh
No pós-gente sentada, haveria (sim, é o termo, haveria, porque foi (quase) toda a gente embora), um Festival para Gente em Pé, com música posta pelos DJ's Álvaro Costa e Miguel Quintão. Não foi um festival, foi uma festinha. Mas valeu a pena!
Destes não tenho (ainda) nada para mandar de exemplo, Mofo. Mas gostei mesmo muito. Começando na Rosie Thomas com uma voz inenarravelmente menininha quando falava, passando para um vozeirão depois, quando a guitarra começava a ser dedilhada, até a apontamentos de stand-up comedy, que parece que ela também pratica.
Mas o meu fascínio foi toda para Devendra. E nem tenho palavras para te dizer que tipo de música é, porque acho que é um bocado de tudo, visto por uma perspectiva nova, sem pedantismos.
Foi um festival de gente que - como parece acontecer sempre - vai explodir nas nossas rádios daqui a uns anos.
Foi um festival acústico, de poetas-cantores.
Foi muito bom :)
(Talvez num dos blogues especialistas em música encontres definições melhores. A Sofia, do A Corneta, chama-lhes "música de gajas". Eu não achei nada que fosse só de gajas, mas até entendo...)
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