2005-06-01

O dia de hoje...

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(Lá longe, a infância parece-me cada vez mais o paraíso perdido. O tempo certo das magias e das ilusões. O jardim em flor onde os risos eram fontes e as lágrimas encharcavam o solo fértil feito esperança, num quotidiano com as magias de uma primavera sempre viva.)

aqui


Hoje é dia de celebrar a esperança. Celebrar o futuro. Celebrar a nossa continuidade possível num mundo que questionou todas as certezas, apeou Deus, fez da Terra um minúsculo grão de pó perdido e a prazo; num mundo que se apressa numa rota de colisão para a tragédia; num mundo de grandes clivagens e ainda maiores injustiças…

Em situações de caos, são sempre as primeiras a sofrerem; são os rostos inocentes e indefesos de todas as tragédias que nos ensombram o prime-time; são também o rosto da nossa culpa, a indiferença confrontada por olhos banhados de lágrimas.

São as nossas crianças. O futuro. A continuidade. E, uma vez mais, na treta destes dias de celebração de tudo e mais alguma coisa, sucedem-se as crianças no calendário manufacturado aos vizinhos europeus e aos anti-tabagistas mundiais.

Serão os rostos sofredores a porem-nos um nó na garganta à hora de jantar. Os rostos da pobreza, da miséria, do sofrimento. As fotos do costume das nossas indigestões, ano após ano, por um breve espaço de tempo, o tempo em que nos permitimos pensar nelas, o tempo suficiente para as passarmos adiante até ao próximo ano.

E, no próximo ano, será tudo igual, desesperadamente igual, desesperantemente doloroso e a carapaça da nossa indiferença sofrerá novo abalo sísmico com prazo limitado.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais Vozes

lá longe...mas há sempre tempo para a ires buscar..sempre
carlos barros | Homepage | 06.01.05 - 10:10 pm | #

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Isto não está com nada...!

Esta é a segunda tentativa de comentário... vamos lá ver se desta é que vai!

Pois é Hipatia, mas o sofrimento não está somente lá longe... é nosso vizinho também!!! Com quantas crianças cruzamos nós no nosso dia-a-dia... quantas delas sofrem,dentro de 4 paredes, em silêncio e indefesas, maus-tratos e negligências??? Quantas vão ficar marcadas fisica e psicologicamente para toda a vida??? Quantos de nós assiste de bancada a todo este drama e não mexe uma palha para denunciar a situação? Nã que na vida alheia ninguém se mete... trás chatices, conflitos, insegurança... e os miúdos vão sofrendo em silêncio...

Que raio de sociedade a nossa que é tão egocêntrica e pouco solidária... andamos todos com o nosso nariz virado para o nosso umbigo e quando sentimos que qualquer coisa se passa viramos a cara no sentido contrário... não sabemos e temos raiva de quem sabe!!!

Desculpa-me este comentário-lençol mas tu percebes porque é que vivo este tema de forma tão visceral!
Condessa às Avessas | Homepage | 06.02.05 - 12:10 am | #

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Sim, infelizmente chegamos sempre a esse beco sem saída, e é triste e às vezes dá náusea...
lilla mig | Homepage | 06.02.05 - 10:19 am | #

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Temos de reinventar tudo ...ou então ir para outra galáxia, que tal Orion.
Faz as malas que o Zónix dá-te boleia.
Um beijo ...alienigeno.
Luis_Duverge | 06.02.05 - 12:11 pm | #

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Gostei desta tua reflexão.
Jinho
Vera Cymbron | Homepage | 06.02.05 - 5:26 pm | #

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Carlos, antes de mais, bem vindo à Voz

E, sim, espero ter forças para, volta e meia, saber fazer o caminho do regresso possível ao "lá longe".

Ontem, por exemplo, comi algodão doce... e senti-me, por momentos, bem longe, lá longe. E soube muito bem
Hipatia | Homepage | 06.05.05 - 7:24 pm | #

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Por acaso estava a escrever o post a pensar em crianças aqui bem de perto. A menina de Gaia que o pai e a avó mataram e lançaram ao rio; a menina de Ermesinde violada, queimada com cigarros e, por fim, assassinada por um pai; a Joana lá do sul, tão falada e ainda tão injustiçada... e também todas as outras, aquelas que não têm espaço nas notícias excepto em dias como este em que, enfiadas nas generalizações, são "coitadinhas" por um dia e, depois, rapidamente esquecidas até ao ano seguinte. Porque, ainda que haja tanta a gente a fazer tanto - e felizmente - há ainda muitas mais que preferem virar a cara, não olhar, não ver e esperar que, comentando o dia mundial da criança, seja o suficiente para mais um ano de míngua de actos.

Eu preferia estar a celebrar todos os dias aqueles que, na comunidade, fazem de facto a diferença. Os que agem o ano inteiro, sem direito a notícias, tentando pôr cobro à desesperança, tentando encontrar o futuro que, todos nós, de alguma maneira, roubamos a tantas e tantas crianças.

Mas, como já disse ali ao lado à Vague, a motivação para o post - que era a expectativa das notícias de abertura dos telejornais - nem se cumpriu: preferiram falar no "não" holandês...
Hipatia | Homepage | 06.05.05 - 7:33 pm | #

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Não sei se chega a ser um beco sem saída, Lilla. Mas é um beco, sim. Com tudo o de pejorativo que consigo associar a essa palavra e que, não sei se apenas por coincidência, ponho sempre demasiado próxima da palavra gueto
Hipatia | Homepage | 06.05.05 - 7:36 pm | #

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Quando parte o Zónix, Luís?

(às vezes escrever sobre estes temas ajuda-me; há outros dias em que me deixa apenas mal, amarga, retraída... desculpa não andar a desenvolver mais sobre os temas que me vais lançando; não ando boa para procurar essa amargura...)
Hipatia | Homepage | 06.05.05 - 7:38 pm | #

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Obrigada, Vera

Beijinho
Hipatia | Homepage | 06.05.05 - 7:39 pm | #

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On : 6/1/2005 4:53:05 PM vague (www) said:

Nem de propósito, estava a comentar noutro blog que há pessoas q fazem a diferença ao actuar, ou pq tem meios ou pq têm vontade de ajudar.

Ex: A Oprah é a milionária apresentadora do seu programa que dá na sic gaija- ora bem, vi uma reportagem da sua 'missão' (como lhe chamar?) na África do Sul para a qual convocou o entusiasmo e a generosidade de milhares de pessoas. E aquelas crianças tristes tiveram momentos de alegria (dirás q são fugazes mas podem adornar-lhes a esperança), com a oferta de presentes, sapatos, mochilas e muito amor e confiança.
Sendo a Oprah de origem humilde, tendo sido molestada enquanto criança, e sendo negra (acho q ela é, como na canção de Nina Simone ' young, gifted and black' ) sabe dar um valor enorme ao q significa o incentivo numa criança, o dizer, acredito em ti, e depositar a esperança nela, que qual sementinha poderá nascer e vingar.

E a esperança e a alegria são dons q as crianças deviam poder saborear, a par da segurança de se sentirem protegidos e amados.
Há tanto para fazer em África e tanto para fazer ao nível básico da Assistência Social, mesmo cá, em que ciclicamente se repetem casos de crianças agredidas e despojadas da sua infância.


On : 6/5/2005 1:11:19 PM Hipatia (www) said:

Tens toda a razão, Vague.

Mas eu estava a escrever o post e a imaginar todos os choradinhos com que iam abrir os noticiários, a preparar-me para eles e para o tanto de hipocrisia que, uma vez por ano, lembrar as coitadinhas das criancinhas me parece. No fim, até acabaram por só falar do "não" holandês à constituição europeia e, nem no dia delas, se lembraram decentemente das criancinhas