But beware my heart can be a pin
A sharp silver dragonfly
Trying to get my mansions green
After I've Grey Gardens seen
Rufus Wainwright – Grey Gardens
É um balança pessoal, com poucas referências para longe do meu umbigo. Talvez por isso seja meu. Talvez por isso só faça sentido na minha intimidade, nas coisas que nem aqui digo abertamente, nos sonhos que preservo inomináveis, nos terrores que me assombram e nos medos que me atrofiam.
É um balanço feito dor e feito esperança, feito mágoa e feito alegria. É um balanço incongruente ainda, que há trilhos que não se findam só porque o calendário muda.
Este foi um ano em que, à entropia agonizante que me condenava os dias, se juntavam janelas abertas de movimento. Foi um ano com um sabor agri-doce, tacteado, falhado tanta vez, mas nunca definitivo. Foi um ano banal, na minha vida banal.
Foi um ano em que a idade me pesou. A consciência de já ter idade bastante para saber o que não fazer e a falta de maturidade para evitar cometer erros imberbes. Foi o ano em que as cãs impuseram tinta aos meus cabelos e os rins impuseram limitações à minha dieta. O ano em que me senti doente e frágil e em que me recusei a ceder. Um ano em que pés cansados deixavam de ter espaço em sapatos cada vez mais apertados, mas ainda assim me impus dançar até ao raiar do dia. O ano em que tentei ser frágil muita vez, procurando o aconchego de um regaço onde pudesse ser protegida, sem no entanto ser capaz de me dar assim por inteiro à fragilidade que parece que não sei ter. Foi um ano em que me senti inútil, sem sonhos e sem projectos. Mas também um ano em que outros me impuseram como importante nas suas vidas. Foi um ano com poucas lágrimas minhas, demasiado poucas lágrimas minhas. Um ano cheio de lágrimas de outros e em que me senti simples espectadora das vidas e das paixões alheias.
A nível profissional, senti-me parada e inamovível, castrada muita vez, sem espaço para sonhar voos novos. E, ainda que as compensações monetárias tivessem uma progressão interessante, nem assim senti que se compensava a pequenez, a pacatez, a banalidade. A nível pessoal, senti-me seca, amarfanhada, como se me faltasse luz e capacidade para sonhar. Senti-me agrilhoada a fantasmas. Senti-me agrilhoada a mim. Sei que fui panaceia também enquanto, voraz, vampirizava sentimentos alheios. Mas não soube ainda voltar a aprender a sentir plenamente, sem pensar, sem comparar, sem pedir aquilo que não sei dar.
Entrei este ano que agora finda com um abraço apertado, mergulhada na certeza que tudo tem concerto, que há volta apesar de tudo. Pela Primavera procurava um projecto novo, vendo um projecto há muito acarinhado a afundar-se em esquecimentos e limitações que não explico. Tanto que a vontade se esfuma e espera o regresso de uma centelha pequenina para que volte a pulsar um dia. Por Agosto, tinha um blog e era Hipatia, lançando palavras para o vazio como pedras esquartejantes...
Este ano, solidifiquei amizades e fui ombro dos meus amigos, dei-me por inteiro, ainda que há distância – distância física, distância emocional –, mas fui jangada, fui bóia, fui razão e fui esperança. Neste processo, senti-me inteira de alguma forma, orgulhosa e lisonjeada, apaparicada e importante.
Este ano, conheci gente. Gente nova, gente diferente. Construi ninhos novos e embarquei no processo complicado de construir cumplicidades com futuro. Este ano, deram-me música e deram-me paz, deram-me palavras lindas, deram-me espaço. E deram-me gargalhadas gostosas e casa cheia e projectos com futuro.
E, este ano, eu dei-me também, de mansinho, a este canto onde escrevo, onde partilho, onde desvelo a minha voz.
De janela aberta, ainda, sonho a ciência possível da sabedoria antiga e do conhecimento novo.
Tenho a voz em fuga. Já não é só minha. É vossa também, vós todos que me visitais neste cantinho meu, meu umbigo egocêntrico, minha casa de partilhas.
A todos, um Feliz 2005.
A sharp silver dragonfly
Trying to get my mansions green
After I've Grey Gardens seen
Rufus Wainwright – Grey Gardens
É um balança pessoal, com poucas referências para longe do meu umbigo. Talvez por isso seja meu. Talvez por isso só faça sentido na minha intimidade, nas coisas que nem aqui digo abertamente, nos sonhos que preservo inomináveis, nos terrores que me assombram e nos medos que me atrofiam.
É um balanço feito dor e feito esperança, feito mágoa e feito alegria. É um balanço incongruente ainda, que há trilhos que não se findam só porque o calendário muda.
Este foi um ano em que, à entropia agonizante que me condenava os dias, se juntavam janelas abertas de movimento. Foi um ano com um sabor agri-doce, tacteado, falhado tanta vez, mas nunca definitivo. Foi um ano banal, na minha vida banal.
Foi um ano em que a idade me pesou. A consciência de já ter idade bastante para saber o que não fazer e a falta de maturidade para evitar cometer erros imberbes. Foi o ano em que as cãs impuseram tinta aos meus cabelos e os rins impuseram limitações à minha dieta. O ano em que me senti doente e frágil e em que me recusei a ceder. Um ano em que pés cansados deixavam de ter espaço em sapatos cada vez mais apertados, mas ainda assim me impus dançar até ao raiar do dia. O ano em que tentei ser frágil muita vez, procurando o aconchego de um regaço onde pudesse ser protegida, sem no entanto ser capaz de me dar assim por inteiro à fragilidade que parece que não sei ter. Foi um ano em que me senti inútil, sem sonhos e sem projectos. Mas também um ano em que outros me impuseram como importante nas suas vidas. Foi um ano com poucas lágrimas minhas, demasiado poucas lágrimas minhas. Um ano cheio de lágrimas de outros e em que me senti simples espectadora das vidas e das paixões alheias.
A nível profissional, senti-me parada e inamovível, castrada muita vez, sem espaço para sonhar voos novos. E, ainda que as compensações monetárias tivessem uma progressão interessante, nem assim senti que se compensava a pequenez, a pacatez, a banalidade. A nível pessoal, senti-me seca, amarfanhada, como se me faltasse luz e capacidade para sonhar. Senti-me agrilhoada a fantasmas. Senti-me agrilhoada a mim. Sei que fui panaceia também enquanto, voraz, vampirizava sentimentos alheios. Mas não soube ainda voltar a aprender a sentir plenamente, sem pensar, sem comparar, sem pedir aquilo que não sei dar.
Entrei este ano que agora finda com um abraço apertado, mergulhada na certeza que tudo tem concerto, que há volta apesar de tudo. Pela Primavera procurava um projecto novo, vendo um projecto há muito acarinhado a afundar-se em esquecimentos e limitações que não explico. Tanto que a vontade se esfuma e espera o regresso de uma centelha pequenina para que volte a pulsar um dia. Por Agosto, tinha um blog e era Hipatia, lançando palavras para o vazio como pedras esquartejantes...
Este ano, solidifiquei amizades e fui ombro dos meus amigos, dei-me por inteiro, ainda que há distância – distância física, distância emocional –, mas fui jangada, fui bóia, fui razão e fui esperança. Neste processo, senti-me inteira de alguma forma, orgulhosa e lisonjeada, apaparicada e importante.
Este ano, conheci gente. Gente nova, gente diferente. Construi ninhos novos e embarquei no processo complicado de construir cumplicidades com futuro. Este ano, deram-me música e deram-me paz, deram-me palavras lindas, deram-me espaço. E deram-me gargalhadas gostosas e casa cheia e projectos com futuro.
E, este ano, eu dei-me também, de mansinho, a este canto onde escrevo, onde partilho, onde desvelo a minha voz.
De janela aberta, ainda, sonho a ciência possível da sabedoria antiga e do conhecimento novo.
Tenho a voz em fuga. Já não é só minha. É vossa também, vós todos que me visitais neste cantinho meu, meu umbigo egocêntrico, minha casa de partilhas.
A todos, um Feliz 2005.