If Queen Boadicea is long dead and gone
Still then the spirit
In her children's children's children
It lives on
The Libertines – The Good Old Days
A esta amazona – porque o foi – os Romanos chamaram Boadicea. Era uma mulher nobre, da tribo dos Icenos, provavelmente a sua rainha.
Quando – ao tempo de Nero – Claudius regressou à Bretanha para colonizar as ilhas britânicas, os actos dos soldados da legião expedicionária foram tão bárbaros que até os Celtas – que nunca foram conhecidos por serem pacíficos – acharam que os exageros mereciam troco.
Conta a lenda que o rei dos Icenos era uma espécie de rei fantoche, submetido a Roma. Como tal, tinha por obrigação pagar tributos e – à sua morte – era suposto que todas as suas posses passassem para Nero. Porém, num acto de alguma rebeldia, o rei resolveu deixar ficar terras e dinheiro à sua esposa e às suas duas filhas. A isso, os cobradores de impostos de Roma responderam com a violação das duas filhas adolescentes de Boudicca, enquanto ela era açoitada em praça pública.
Mas aquela não era uma mulher para baixar os braços. Reza a lenda que era uma mulher alta e forte, vestida simplesmente. Uma mulher que não tinha qualquer pudor em pegar em armas. E foi isso que ela fez. Reuniu as tribos Celtas – desavindas havia anos, estando algumas delas em paz com Roma, enquanto outras se mantinham ostensivamente rebeldes – e partiu para a luta. E a luta foi brava e o Império foi humilhado, tendo sido, pelo menos por alguns anos, expulso das Ilhas Britânicas.
Boudicca faz parte dos mitos fundadores anglo-saxónicos e representa também a mulher Celta, aguerrida, insubmissa, companheira de armas, líder de massas. Para um Império machista e tacanho, onde as mulheres tinham uma posição social pouco superior à do simples escravo, impedidas de ter património, de decidirem o próprio destino, confinadas aos aposentos interiores das casas, Boudicca deve ter parecido uma qualquer deusa vingadora, castigadora e implacável.
Mas esta é a mulher símbolo de todas as mulheres que não se sujeitaram nunca às sociedades patriarcais, misóginas, elitistas e preconceituosas. Esta é a mulher celta – o mesmo sangue celta que corre nas veias de tantas portuguesas e que a História oficial se encarregou de esquecer, mesmo quando o País se encarregava de enaltecer Viriato e alquilá-lo aos píncaros da patriotice.
Pois eu sou mulher do Norte, de olhos e tez clara. Corre-me nas veias o sangue dos Suevos e dos Visigodos. Mais do que o sangue da latinização, provavelmente. E a história da Boudicca é a história que me corre nas veias, muito antes do feminismo ter virado doutrina de fundamentalismos bacocos e manifestações parvas de rebelião.
Neste Norte - que é o meu - , a tradição passa-se ao borralho, de mãe para filha, no meio de tias e avós. Neste Norte onde se cantam músicas alegres e se faz guerrilha até hoje, preservando uma identidade, com uma vontade tão férrea que ronda o fanatismo. Este Norte que não é triste, nem quando os dias são frios e cinzentos. Neste Norte que sabe que o Fado não é a canção nacional, porque não há Fado que ganhe ao Vira. Neste Norte onde se tocam gaitas de foles e os pauliteiros ainda dançam em saias-kilt, onde os cabeçudos saem às ruas para espantar os maus espíritos e se procura o visgo dos Druidas nos caminhos do Gerês, enquanto nas penedias as capelas à Virgem substituem as grutas sagradas consagradas a Astarte, ou a La Morrighan, a grande Deusa, a força fertilizadora do caos, a Mãe – Mater – que dá origem à criação.
Talvez seja por tudo isto que não entendo como a sociedade do Norte pode ser tão poucochinha, tão fanática e canastrona, tão machista e patriarcal. Talvez as mães só saibam passar as tradições ao borralho para as filhas; no leite delas vai a tacanhice directamente para o cérebro masculino.
No entretanto, Hollywood descobriu Boudicca. Preparem-se para a verdadeira Xena, que ela vem aí. Estão pelo menos dois filmes na calha, um deles do Mel Gibson (esperemos que se redima da estopada do último e intragável, misógino Cristo). Talvez seja aconselhável levar os homens ao cinema. Talvez aprendam qualquer coisinha...
Still then the spirit
In her children's children's children
It lives on
The Libertines – The Good Old Days
A esta amazona – porque o foi – os Romanos chamaram Boadicea. Era uma mulher nobre, da tribo dos Icenos, provavelmente a sua rainha.
Quando – ao tempo de Nero – Claudius regressou à Bretanha para colonizar as ilhas britânicas, os actos dos soldados da legião expedicionária foram tão bárbaros que até os Celtas – que nunca foram conhecidos por serem pacíficos – acharam que os exageros mereciam troco.
Conta a lenda que o rei dos Icenos era uma espécie de rei fantoche, submetido a Roma. Como tal, tinha por obrigação pagar tributos e – à sua morte – era suposto que todas as suas posses passassem para Nero. Porém, num acto de alguma rebeldia, o rei resolveu deixar ficar terras e dinheiro à sua esposa e às suas duas filhas. A isso, os cobradores de impostos de Roma responderam com a violação das duas filhas adolescentes de Boudicca, enquanto ela era açoitada em praça pública.
Mas aquela não era uma mulher para baixar os braços. Reza a lenda que era uma mulher alta e forte, vestida simplesmente. Uma mulher que não tinha qualquer pudor em pegar em armas. E foi isso que ela fez. Reuniu as tribos Celtas – desavindas havia anos, estando algumas delas em paz com Roma, enquanto outras se mantinham ostensivamente rebeldes – e partiu para a luta. E a luta foi brava e o Império foi humilhado, tendo sido, pelo menos por alguns anos, expulso das Ilhas Britânicas.
Boudicca faz parte dos mitos fundadores anglo-saxónicos e representa também a mulher Celta, aguerrida, insubmissa, companheira de armas, líder de massas. Para um Império machista e tacanho, onde as mulheres tinham uma posição social pouco superior à do simples escravo, impedidas de ter património, de decidirem o próprio destino, confinadas aos aposentos interiores das casas, Boudicca deve ter parecido uma qualquer deusa vingadora, castigadora e implacável.
Mas esta é a mulher símbolo de todas as mulheres que não se sujeitaram nunca às sociedades patriarcais, misóginas, elitistas e preconceituosas. Esta é a mulher celta – o mesmo sangue celta que corre nas veias de tantas portuguesas e que a História oficial se encarregou de esquecer, mesmo quando o País se encarregava de enaltecer Viriato e alquilá-lo aos píncaros da patriotice.
Pois eu sou mulher do Norte, de olhos e tez clara. Corre-me nas veias o sangue dos Suevos e dos Visigodos. Mais do que o sangue da latinização, provavelmente. E a história da Boudicca é a história que me corre nas veias, muito antes do feminismo ter virado doutrina de fundamentalismos bacocos e manifestações parvas de rebelião.
Neste Norte - que é o meu - , a tradição passa-se ao borralho, de mãe para filha, no meio de tias e avós. Neste Norte onde se cantam músicas alegres e se faz guerrilha até hoje, preservando uma identidade, com uma vontade tão férrea que ronda o fanatismo. Este Norte que não é triste, nem quando os dias são frios e cinzentos. Neste Norte que sabe que o Fado não é a canção nacional, porque não há Fado que ganhe ao Vira. Neste Norte onde se tocam gaitas de foles e os pauliteiros ainda dançam em saias-kilt, onde os cabeçudos saem às ruas para espantar os maus espíritos e se procura o visgo dos Druidas nos caminhos do Gerês, enquanto nas penedias as capelas à Virgem substituem as grutas sagradas consagradas a Astarte, ou a La Morrighan, a grande Deusa, a força fertilizadora do caos, a Mãe – Mater – que dá origem à criação.
Talvez seja por tudo isto que não entendo como a sociedade do Norte pode ser tão poucochinha, tão fanática e canastrona, tão machista e patriarcal. Talvez as mães só saibam passar as tradições ao borralho para as filhas; no leite delas vai a tacanhice directamente para o cérebro masculino.
No entretanto, Hollywood descobriu Boudicca. Preparem-se para a verdadeira Xena, que ela vem aí. Estão pelo menos dois filmes na calha, um deles do Mel Gibson (esperemos que se redima da estopada do último e intragável, misógino Cristo). Talvez seja aconselhável levar os homens ao cinema. Talvez aprendam qualquer coisinha...
1 comentário:
On : 12/2/2004 6:25:23 AM (www) said:
Olá,
Sou homem, nas minhas veias corre-me o sangue do Norte, dos serranos, mas aprovo o que escreveu , não me revejo nessa sociedade machista e patriarcal que tão bem descreve e embora sendo homem a "100 % " aprecio a sensibilidade e a intuição femininas que nesses atributos ganham aos homens. Gosto de ler os livros de algumas escritoras contemporâneas de grande talento e nos blogs aprecio a grande qualidade, a Alma com que escrevem ,e quanto ao seu em particular apesar da minha modesta opinião acho-o excelente.
Desejo que continue a ter inspiração para pôr cá fora o seu grande talento.
Beijos,
On : 12/2/2004 8:51:10 AM corpo visivel (www) said:
Sabes, o machismo é como a hemofilia: transmite-se aos filhos pelas mäes
On : 12/2/2004 5:11:47 PM Hipatia (www) said:
Até fico sem palavras perante tamanhos elogios
Um sincero obrigada é (apenas) o que me ocorre.
Beijinhos
On : 12/2/2004 5:14:25 PM Hipatia (www) said:
Sempre achei que os homens eram o verdadeiro sexo fraco e por razões genéticas. Afinal, que é o tal de Y senão um X que perdeu uma perninha, um X defeituoso e mais pobre em informação?
(mais vale ficar é caladinha, ou então ainda apanho... )
Beijo, Corpo Visível
On : 12/3/2004 10:56:35 AM Caliope (www) said:
A Bodica foi uma grande guerreira, nunca se subjugando ao poder dos opressores, num tempo dominado pelos homens. O seu destino final não foi assim tão grandioso, mas penso que deixou um marco na história (e, principalmente, uma mensagem de coragem para as mulheres, da época e presentes)
P.S. Também tens cabelos ruivos como ela?
On : 12/3/2004 12:47:16 PM Hipatia (www) said:
Por acaso tenho Deve ser por isso que me agradou
Mas a verdade é que gosto de histórias de coragem no feminino. Até de "A Mãe Coragem" gostei
beijinhos
On : 12/6/2004 5:46:05 AM Caliope (www) said:
Hoje em dia as "guerras" são outras, noutros planos...
A mim, dizem-me que sou agressiva... Agora guerreira? Preferia pensar em mim como pacifista eheheh
On : 12/6/2004 12:35:01 PM Hipatia (www) said:
Penso que todos temos em nós o dom de fazer a guerra ou a paz. Só que umas vezes escolhemos muito mal
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